a fabrica de natal que faz sorrisos 5
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À volta da mesa, estava sentada uma pessoa. Havia uma garrafa de vinho tinto, uma travessa que tinha tronchuda, batatas cozidas e bacalhau. O prato ainda estava vazio e o tempo fumegava da travessa, como se o calor já se descobrisse arrefecido. Nunca sabemos da solidão futura, mas sabemos que este é sempre o último dia, apenas porque na solidão os dias são todos juntos, são todos um até ao fim.

À volta da mesa, estavam sentadas duas pessoas. Havia uma garrafa de vinho tinto, um jarro com água e duas travessas, mais o vinagre e o azeite num galheteiro de cristal com mais memória do que a que se guarda nas conversas. Numa das travessas, estavam as batatas cozidas com a tronchuda e, na outra, o bacalhau. Primeiro, serviu-o a ele e só depois a si, fizeram um brinde com um sorriso à espera, mas jantaram em silêncio. Ele pegou-lhe na mão, que cobriu com as suas duas, e ficaram mais perto. Só isso.

À volta da mesa, estavam sentadas cinco pessoas, havia uma garrafa de vinho tinto, um jarro com água, duas travessas, o galheteiro com o vinagre e o azeite e um cesto de pão. As travessas foram passando pelas mãos como pequenas ofertas que se faziam: “Serve-te que eu seguro”. O pai ainda estava a preparar o prato para receber o bacalhau e as batatas, primeiro gostava de esmagar um dente de alho no azeite. A conversa deste ano era o preço das coisas, as que têm preço, “que não parava de aumentar”, enquanto se davam graças porque pelo menos ali havia uma mesa farta, apesar de se ter sentido o “bacalhau que estava os olhos da cara, mas era muito bom e estava demolhado no ponto, por acaso”, “por acaso, não, que o acaso dava muito trabalho e foi preciso mudar a água umas quantas vezes, porque ela não se muda sozinha.” A conversa continuava e, lá fora, o frio fazia continência às árvores e aos postes de luz que esperavam as pessoas, umas para a missa do galo e outras que se iam sentar à janela para dar conta do mundo.

À volta da mesa, estavam sentadas sete pessoas. Havia duas garrafas de vinho tinto, um jarro com água e uma enorme travessa com o bacalhau, as batatas e as tronchudas, no centro da mesa. Alguém se esqueceu do vinagre e do azeite, “Se não sou eu a fazer tudo!”, “Tens razão, mulher. Desculpa, deixei-o na cozinha, vou já buscar”, “Então, tu trazes a garrafa do azeite para a mesa? Valha-me Deus, que não tens jeitinho nenhum. Não estão lá os galheteiros?”, “Pelo menos não se esqueceu do vinho”, “Dá cá o prato, que eu sirvo. Queres deste mais alto? Olha que está bom!”. Depois de todos servidos, a mãe, que era sempre a última a conseguir sentar-se, também se serviu. Falavam das coisas que se falam à mesa quando tudo está bem e o tempo passava distraído. Iriam ficar até perto do cansaço, uns iriam para perto da lareira, outros para o sofá, talvez houvesse sueca e, depois das prendas, um ou outro iria para a cama, enquanto outras conversas se iriam enrolar na vida. Podemos estar contentes só porque sim.

À volta da mesa, estavam sentadas quinze pessoas. Quinze! Foi preciso trazer a mesa da cozinha para caberem todas. Uma toalha de linho branco, feita por medida, fazia das duas um lugar. Os copos da água eram coloridos com os guardanapos, com a cor igual, ao lado do prato. No centro da mesa, mesmo por baixo do candeeiro principal, estava um presépio de cristal que absorvia a luz e brilhava como uma estrela que nasceu para mostrar o caminho. As pessoas foram todas chamadas pelo mais novo, “A mãe disse que era para sentar”. Já estavam todos à mesa quando vieram as travessas, já lá estava o vinho, a água e os refrigerantes, “Deixa lá, que hoje é Natal”. O bacalhau fumegava como nos filmes que imitam a vida real, o vinho passou das garrafas para os copos e depois cada um lhe deu a serventia necessária. Os mais novos falavam alto e, “ai deles”, tinham deixado os telemóveis a um canto.

A noite continuou e a história também continua, mas vamos parar aqui, que cada um saberá se na história que se conta, os anos recuam ou os anos avançam.