virginia soares cpcj
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No âmbito do Dia da Mãe, celebrado a 5 de maio, o Jornal A VERDADE traz-lhe uma entrevista com Virgínia Soares Pereira, atual Presidente da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) do Marco de Canaveses, que falou sobre o papel das mães, mas também dos cidadãos, no desenvolvimento de crianças e jovens inseridos numa era mais digital e menos segura.

Natural de Amarante, Virgínia Soares Pereira licenciou-se, em 2007, no curso de Professores do Ensino Básico na variante de Educação Física e, anos mais tarde, frequentou o mestrado em Administração das Organizações Educativas. Acabou por ser inserida, devido ao Concurso Nacional de Professores, em contextos “difíceis”, nomeadamente, foi coordenadora dos Cursos de Educação, no estabelecimento prisional de Pinheiro da Cruz , em Grândola, depois trabalhou na Amadora, em Casal da Mira, num bairro com “algumas situações de cariz social bastante delicadas”. Trabalhou também no bairro do Padre Cruz e, nos últimos anos, trabalhou no Catujal/Loures que fica entre a Quinta da Fonte e a Quinta do Mocho tendo posteriormente ingressado a Comissão de Proteção de  Crianças e Jovens- Porto Oriental.

Cada um destes territórios “de intervenção prioritária” permitiu à amarantina criar “uma bagagem, no âmbito da promoção da igualdade ao acesso e ao sucesso educativo, muito em particular das crianças em situação de risco de exclusão (social e escolar)” que foi enriquecida pela busca constante de informação, através de “formações profissionais na área de Promoção e Proteção”.

Quando questionada se esta foi uma decisão pensada ou natural? Virgínia refere que esta área esteve sempre presente dentro de si devido às “experiências” que viveu na infância e adolescência e que considera ter sido “um fator exógeno” para gostar de trabalhar “na proteção das crianças e dos jovens”.

Enquanto mãe de dois filhos, mas também cidadã, Virgínia Soares Pereira defende que “todas as mães deveriam ter a missão de proteger os seus filhos e todas as crianças, porque é a nossa missão, enquanto cidadãos… sabermos proteger o futuro”, realça.

Dedicada a esta área há vários anos, Virgínia Soares tem notado “um aumento muito grande das problemáticas psiquiátricas e psicológicas”, associadas a uma era mais digital, à Pandemia e ao contexto mundial em que vivemos.

“As crianças são influenciadas pelo ambiente familiar”

Com base no seu conhecimento e experiência, Virgínia defende que para fazer uma análise ao estado da saúde mental das crianças e jovens “é preciso ir à raiz do problema” e ter consciência de que o “ambiente familiar” tem uma “forte influência”. Por isso, realça que “quem cuida deve estar atento e tudo deve fazer  para permitir um crescimento saudável e harmonioso da criança/jovem”.

virginia soares cpcj marco de canaveses

Ainda na linha do contexto familiar, é reforçada a ideia de que uma sociedade “mergulhada em tarefas/ trabalho, cuidar da casa, cumprir com as obrigações, com horários para tudo  torna-se mais ansiogénica. Ansiedade esta que é transmitida aos filhos. Eles acabam por ter menos tempo de atividades ‘freestyle’  do que nós, crianças do antigamente! Nós tínhamos o nosso tempo para brincar sem estarmos a ser monitorizados… Eles, hoje em dia, não, eles têm tudo programado, ou seja, têm a saída para a escola, normalmente, até são os pais que os colocam lá, não fazem o trajeto a pé, depois são colocados em ATL, depois são colocados na piscina, no futebol, na dança… têm tudo muito monitorizado, muito controlado. Portanto, se algo falha, eles ficam ansiososAcho que a vida  dos adultos está a desencadear ansiedade nas nossas crianças e nos jovens e a limitar a sua liberdade. A infância não é uma peça de ensaio para a vida adulta.”.

Para além do ambiente familiar, Virgínia Soares recorda vários fatores que podem estar no desenvolvimento das patologias psicológicas e psiquiátricas: “a violência doméstica, os consumos de álcool, de estupefacientes e outras problemáticas que estão a agravar-se que tem haver com o bullying, o cyberbullying, com o mau uso das plataformas digitais… todos estes fatores podem ser motivos de fragilização das crianças e jovens”.

Assim, ao presenciar sinais de alerta, a atual presidente da CPCJ do Marco aconselha algumas medidas a serem tomadas numa primeira instância. “Existem ferramentas de controlo parental, que permitem limitar os conteúdos que as crianças e jovens acedem. Não quero dizer com isto que devam tirar os telemóveis, mas, possivelmente, criar outras ferramentas, ou seja, procurar passatempos em família, em que  uma vezes saiam de casa, outras em que estejam em casa a conversar ou a fazer jogos de tabuleiro, desporto, entre outros, para que eles mudem o interesse e o foco”, explica.

“Isolamento, agressividade, menos paciência para tarefas, sobretudo, que antes proporcionavam satisfação, ou ocultação de situações no dia a dia” são alguns exemplos que Virgínia Soares Pereira enumera e que considera serem motivos de “alerta”.

No que toca às barreiras que se podem estabelecer entre pais e filhos, a especialista defende queé necessário procurar “adaptar a comunicação aos jovens e perceber que a sociedade vai-se alterando. Hoje em dia os jovens estão mais atualizados no que diz respeito a informações. Contudo, tornam-se mais isolados, porque possivelmente as conversas que os adultos têm não vão ao encontro daquelas que eles, realmente, têm necessidade. O importante é saber ouvir, saber escutar os nossos filhos, os nossos jovens, porque eles têm muito a dizer e é preciso dar-lhes voz”, realça.

Para terminar, Virgínia Soares chama a atenção para a necessidade de uma resposta global aos anseios e preocupações das gerações vindouras. “É preciso tornar as cidades e as vilas amigas das crianças que é uma das premissas da UNICEF para que, realmente, os jovens e as crianças voltem à rua para que se sintam mais livres e não estejam só dependentes daquilo que os adultos querem que elas façam. As crianças e os jovens nunca estiveram tão presos como estão atualmente. Portanto, é preciso verificarmos o que se está a passar, porque realmente algo não está a ser feito como deveria, temos uma sociedade que passou por diversas mudanças e está com mais recursos e com mais serviços. Contudo, está com uma problemática acentuada, desse ponto de vista, da liberdade das crianças e dos jovens, devido também se calhar à falta de tempo que têm as famílias, aos problemas estruturais das cidades e das vilas que precisarão  de passeios  mais adequados/largos ou locais/entidades em que os jovens possam andar mais livres e que lhes despertem interesse”.

Enquanto representante da CPCJ do Marco de Canaveses e estudiosa desta área de atuação, a presidente reforça que a colaboração com outras organizações, nomeadamente, o Centro Hospitalar e as unidades de saúde locais, o Município de Marco de Canaveses e outras entidades parceiras tem sido “preciosa”.  

Informa ainda que a CPCj de Marco de Canaveses integra o Núcleo Local de Garantia para a Infância  e que se encontram em curso a criação de ações que visam assegurar o acesso de todas as crianças e jovens em sitação de maior vulnerabilidade a serviços essenciais, prevenir a exclusão social e combater a pobreza.