alzira barbosa miguel filho adotado marco de canaveses
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Adotar uma criança foi um processo que Alzira Barbosa e o marido quiseram desde cedo e, 30 anos depois, é a máxima que continuam a defender: “temos mesmo de querer adotar”. Quando a mãe viu o Miguel, pela primeira vez, recorda-se de chorar “copiosamente” e exatamente da mesma forma que tinha sido com o primeiro filho biológico.

O Miguel surgiu na vida do casal marcoense depois de ter nascido em Portugal e ter sido dado para adoção. O desejo de adotar sempre fez parte da vida deste casal. Habituados a visitar a Casa do Caminho em Matosinhos e a presenciar a quantidade de crianças que existiam para adoção, fez com que a “motivação” aumentasse. Foi assim que fizeram o pedido e, ao contrário do que é habitual, ao fim de cinco meses tinham o Miguel nos seus braços. “Os questionários são extensos e há questões que nem fazem sentido, porque quando se quer uma criança, queremos uma criança e pronto. No caso do nosso Miguel demoramos cinco meses, foi muito pouco, ele estava a nascer e nós já estávamos a meter os papéis”, afirma, em tom de brincadeira.

Quando recebeu a chamada que à tanto esperavam, Alzira Barbosa confessa que tinha a certeza de que o bebé seria negro, recordando a chamada telefónica. “Na altura perguntei logo ‘é negro?’ e ela perguntou ‘como sabe?’ e eu só respondi ‘tão rápido, só pode’ e, de facto, foi.”, sorri. No dia, o casal recebeu no colo um bebé “negrinho de quatro meses, com os olhos arregalados e um sorriso de ponta a ponta. Foi uma sensação fantástica”. 

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Alzira Barbosa já era mãe de João Pedro, um miúdo de três anos que recebeu o irmão de braços abertos e com curiosidade. Em entrevista ao Jornal A VERDADE, a mãe recorda alguns episódios caricatos. “Quando o viu tocou na mão e disse ‘não suja mamã’, e quando lhe dávamos banho ele via os pés por baixo brancos e por cima negros e dizia ‘oh mãe esfrega muito que vai sair tudo'”, relembra.  

Mais tarde, a marcoense acabou por ter mais um filho. Henrique ficou a dormir no mesmo quarto que Miguel, o que levou a uma relação de “cumplicidade e proteção. Os irmãos, mesmo o mais novo é mais maduro e protegem-no muito. O Miguel é muito jovem e, por vezes, não vê o mal em lado nenhum”, descreve. 

Atualmente, Miguel já tem 30 anos e continua com um sorriso de “orelha a orelha” que marcou Alzira Barbosa desde o primeiro segundo. Até hoje, continua um menino “querido, doce, sociável e muito alegre… mas quando está com os azeites está com os azeites”, diz a mãe enquanto sorri. 

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Ao longo da vida, a mãe recorda que Miguel não se questionava sobre as suas origens e que dizia, muitas vezes, ser “o preto mais branco do Marco”. Apenas na altura da escola, e motivada pela “inconsciência” das crianças, surgiram questões na cabeça de Miguel. “Na escola os amigos viram a mãe e foi tudo bem, depois quando viram os pais começar as questões: ‘se os teus pais são brancos, como é que tu és preto?’ e aquilo foi complicado, ele não pôs em causa o pai, mas colocou em causa a mãe. Ele chorava, dizia que não percebia, mas tinha nove anos, era muito novinho. Disse-lhe que as crianças antes de nascerem, nascem no coração dos pais e depois é que vão para a barriga das mães e que no caso dele tinha passado esse processo”, explicou. 

“Não podemos romantizar a adoção”

Alzira Barbosa considera que para se adotar uma criança tem de se “querer muito, porque quando adotamos uma criança, o primeiro passo é o nosso, o bebé nasce no nosso coração”. No entanto, recorda também que é preciso estar preparado para “a forte carga genética que não é nossa. Temos de estar preparados para aquilo. Mas o que nos faz gostar e amá-los tanto é porque nós os quisemos”, relembrando que “a rejeição constante cria muitos traumas nas crianças. Eles dão trabalho tal e qual os biológicos”, realça.  

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Ainda no âmbito da carga genética, Alzira Barbosa partilha uma semelhança “engraçada. O Miguel sempre comeu com a faca do lado contrário da mão e virava a serrilha para cima e é tão genético que a filha dele faz exatamente o mesmo”. Com este exemplo reforça, mais uma vez, a ideia de que “50% do que eles trazem é genético, o resto nós vamos trabalhando, é por isso que se as pessoas romantizarem depois têm deceções”.  

Ao longo de toda a vida, Alzira Barbosa garante que “nunca” se questionou da decisão e de que o “arrependimento” nem sequer foi um pensamento. “São os meus três filhos, não há diferenças nenhumas”, deixando um conselho para quem deseja adotar: “as pessoas não dão o passo porque têm um conceito errado, acham que para adotar uma criança tem de se ter uma boa vida, uma vida muito estável, mas está errado, para adotar uma criança o querer é o ponto de partida, mas querer a sério e ter vontade de o fazer. Quando adotamos o Miguel éramos um casal em início de vida”.