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A 4 de março de 2001, a ponte centenária Hintze Ribeiro, mais conhecida por Ponte de Entre-os-Rios, ruiu, tirando a vida a 59 pessoas – 53 passageiros de um autocarro e seis pessoas que seguiam em três automóveis,

Entre elas, estava a mãe (64 anos) e o irmão (39 anos) de Augusto Moreira, que integravam um grupo que regressava a casa de uma excursão a Trás-dos-Montes, às Amendoeiras em Flor.

Uma tragédia sem sobreviventes que deixou marcas na população de Castelo de Paiva e no atual presidente da Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios. “Nessa noite, estava em casa (na freguesia de Real) e soube da notícia por uma familiar minha. Disse que em Castelo de Paiva se falava que tinha caído a ponte“.

Augusto Moreira não deu “muita importância”, porque “não via possibilidade daquilo acontecer”, mas como “de manhã tinha de passar naquela ponte para ir trabalhar para o Porto” começou a ficar “preocupado. Pensei ‘será que caiu mesmo, será que tenho de procurar alternativa para ir trabalhar?’ Mas na minha freguesia não houve vítimas, não ia ninguém no autocarro, por isso, não havia muito alarido”, recorda.

Parece que ficamos descalços, com uma sensação estranha, de injustiça

Entretanto, uma senhora, “que tinha familiares na Raiva e que tinha vindo daquela zona”, confirmou a queda do autocarro ao rio e as suspeitas de que “vinha da Régua. Aí fiquei mesmo preocupado, porque eu sabia que a minha mãe tinha ido numa excursão. Tentei contactar os familiares, mas não consegui, porque as comunicações estavam cortadas. O tempo foi passando e, por volta da meia noite, desloquei-me para lá e foi quando percebi que existia uma forte possibilidade da minha mãe e do meu irmão estarem naquele autocarro. As informações que vinha de Entre-os-Rios davam conta de que não havia rasto do autocarro e do nosso lado igual. Foram chegando informações e percebi que tinham sido os meus familiares”.

Augusto Moreira não encontra “muitas palavras” para o que sentiu naquele momento, mas garante que teve a sensação de que “caiu a terra debaixo dos pés. Parece que ficamos descalços, com uma sensação estranha, de injustiça, ‘como é que é possível uma ponte cair’. Depois percebemos a dimensão e torna-se muito estranho, um mundo esquisito e perguntamos ‘porquê connosco, foram pessoas que tanto se sacrificaram e tanto se empenharam na vida e tiveram uma morte tão estúpida'”.

A tragédia não se esquece, mas “depois da morte há vida”

Nos “primeiros tempos”, passar no local era mais “complicado e há sempre uma lembrança, não se esquece um acontecimento destes”. Mas, passados 23 anos, o paivense não tem dúvidas de que “só honrávamos a morte inglória com a nossa felicidade, depois da morte há vida. Tive de perceber que tinha de retomar a vida, até porque tinha de passar todos os dias porque trabalhava no Porto. Entretanto nasceu a minha filha, cerca de meio ano depois, e foi uma nova esperança. Essa forma de pensar ajudou-nos a criar dinâmicas e a associação é um bom exemplo disso”, sublinha.

Inaugurada em 1887, a ponte era responsável por fazer a ligação entre Castelo de Paiva e a localidade de Entre-os-Rios. As vítimas pertenciam ao concelho de Castelo de Paiva (54), Cinfães (2), Gondomar (2) e Penafiel (1).

Foi uma tragédia para o país, mas principalmente para as famílias destes concelhos. “Em Castelo de Paiva podemos quase dizer que quase 10% da população foi afetada, direta ou indiretamente, é difícil não haver uma pessoa que não tenha um familiar que não tenha falecido na tragédia”. Augusto Moreira perdeu os familiares, “mas também muitos amigos próximos. Recordo-me que tinha estado com um casal amigo dias antes, já não estava há muito tempo com eles e consegui naqueles dias. Coincidências estranhas”.

Associação de Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios

Em 2001, com o objetivo de “dar voz” aos familiares das vítimas, foi criada a Comissão dos Familiares das Vítimas. Em abril de 2002, foi constituída a Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios, reconhecida como Instituição Particular de Solidariedade Social.

“Entendemos que apesar de haver entidades públicas a orientar todas as dinâmicas, muitas vezes, aquilo que ia ao encontro dos familiares não era o que as entidades poderiam estar a pensar que seria o mais importante. Passado um tempo, e depois de todas as buscas e possibilidades de se recuperar todos os corpos, a maioria dos familiares decidiu criar a instituição. Durante o processo acompanhamos tudo o que dizia respeito aos familiares, como apoio psicológico e outros e realizamos dinâmicas em defesa dos interesses dos familiares”, explica o atual presidente.

Atualmente, a associação é uma forma de homenagear todos os que partiram. “Fomos vítimas de uma situação, mas podemos também dar algo. Não ficamos inúteis e abraçamos a vida. Esta é uma data muito nossa, vivemos a saudade, mas vivemos também a vida e podemos mostrar que podemos fazer algo para além daquilo que é a nossa vida normal“, garante Augusto Moreira.

Tendo como área de intervenção as crianças e jovens em risco, foi criado, em 2009, a Casa de Acolhimento para crianças e jovens em risco.

Homenagem às vítimas

A Associação dos Familiares das Vítimas da Tragédia de Entre-os-Rios, em parceria com a Câmara Municipal de Castelo de Paiva e Junta de Freguesia de Sardoura, assinalou esta segunda-feira, dia 4 de março, o 23.º aniversário da tragédia.

O programa contemplou uma missa em memórias das vítimas da Ponte Hintze Ribeiro, na Igreja Paroquial de Souselo, em Cinfães, pelas 18h00, com a bênção de 59 flores, seguido de colocação de coroa de flores no cemitério local. A cerimónia contou com a presença do presidente da autarquia, José Rocha, e responsáveis da AFVTER.

Pelas 19h30, em Santa Maria de Sardoura, junto da antiga Ponte Hintze Ribeiro e ao Monumento ‘Anjo de Portugal’ – que perpetua o nome das vítimas – teve lugar uma cerimónia de homenagem, com o lançamento de 59 flores ao Rio Douro, realizada desde o tabuleiro da Ponte Hintze Ribeiro.

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