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Existe uma aldeia, do concelho de Cinfães, freguesia de Tendais, em que o dia 25 de Dezembro possui um significado acrescido. Falo de Cimo de Vila, uma pequena aldeia, no sopé de um monte, designado de Cabeço, pertencente à Serra de Montemuro. Deste, tem-se uma vista maravilhosa, sobre várias aldeias, da referida freguesia. E por entre um aglomerado de rochas e rochedos, ligados entre si, no seu descer e limiar, se foi edificando a aldeia.

O dia de Natal tem um sabor especial, para três famílias de Cimo de Vila. Sendo que a aldeia conta, atualmente, com poucas casas habitadas diariamente, este facto torna-se ainda mais interessante, peculiar e único. Três aniversariantes, no dia de Natal.

Comecemos pelo primeiro, Herculano Resende Silva nasceu em Cimo de Vila, no ano de 1943. Numa era, em que os hospitais eram uma raridade, os partos decorriam em casa, com ajuda de parteiras, cuja formação era a da experiência e prática. Nasceu na casa, em frente ao chafariz, no cruzamento, onde outrora, a vigia do gado se dispersava para Fermentãos e para o Lugar d’Além.

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Sempre viveu na aldeia, com exceção dos anos que ingressou recruta na tropa, na Guerra Colonial e dois anos, na capital, já depois de casado. “Não me dei bem na cidade” foi o motivo que o levou, a ele, à mulher e à filha mais velha a regressarem às origens. Foi em Cimo de Vila que edificou toda a sua vida. Comprou terrenos. Construiu casas, mas sobretudo, construiu um lar e uma família, composta por 4 filhos e 6 netos. Regido pela dignidade e honestidade. No bem fazer e bondade, para com os outros, construiu o seu sustento, através do trabalho e suor da vida do campo.

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É uma pessoa pacata, humilde e viveu “sempre, sem prejudicar ninguém”. Ontem, completou 80 belas primaveras. É autónomo, independente e ainda continua a dedicar-se ao que o fez abandonar Lisboa: à agricultura e aos animais. Estes foram (e são) um escape para o processo de luto, desde que perdeu a sua companheira de vida. Para se manter ágil e com um propósito diário, que o “obriga” a sair de casa e ter uma rotina e uma vida ativa.

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José Marcelo Rodrigues Resende, nasceu no Centro de Saúde de Cinfães, em 1999, às 1:00h da madrugada, com 4kg e 49cm. Era um bebé sossegado e que “dava boas noites”. Era muito dado, muito sociável e “nada envergonhado”. Ainda agora, “quando tiver de falar, fala e é um filho amorável e preocupado” – diz a mãe.

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Completou ontem 24 anos. Viveu parte da sua vida em Cimo de Vila, esteve dois anos a estudar no Porto, mas concluiu o secundário em Cinfães. Depois, dedicou-se a várias atividades, sempre relacionadas com o turismo e hotelaria. Foi proprietário de um bar em Cinfães, mas acabaria por regressar ao Porto e, atualmente, é gerente do Restaurante luso-argentino Belos Aires.

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Gosta do que faz. Quando miúdo “queria ser veterinário”. Mas abdicou dessa ideia, para “ter a minha independência e construir um futuro mais cedo” – disse-me convicto. O que faz, faz por vocação e é o que gosta de fazer. “O atendimento ao cliente e contacto com o público” é o que mais aprecia. Tem particular gosto pelos animais. E tem o sonho de um dia poder restaurar algumas casas e focar-se “no turismo rural e contacto com os animais e natureza”. Nos tempos livres gosta de viajar, ir ao cinema e teatro.

Para ele, fazer anos no dia de Natal é “um dia diferente”, pois tem de “dividir a data de aniversário com outro evento, ainda maior que o dia de anos”. É um aniversário familiar e, por ser uma data festiva, não é possível uma festa, com os amigos. Considera-se uma pessoa animada e divertida. Calma e responsável. Está aberto a novas experiências, aventuras e gosta de arriscar. Se tivesse de se resumir em duas palavras seria “humilde e dedicado”. Gosta da aldeia, mas assume que “é difícil regressar tão regularmente, como gostaria”. Mas sempre que pode, nem que seja ir e vir no mesmo dia, regressa “para ver a família e estar com os animais”.

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Rui Ferreira Figueiredo nasceu, corria o ano de 2000, às 3:11 horas da madrugada, com 3.450kg e 51cm. Uma consoada que decorreu normal, traduziu-se numa ida para o hospital de S. João, no Porto, que se tornou o hospital mais perto, pois como afirma a mãe, em jeito de brincadeira: “quando a pressa é muita, tem de ser”. Segundo ela, “era um bebé sossegado. Um pouco tímido e envergonhado”. Mas que, agora adulto, “é mais falador, mais curioso e diz, o que tiver de dizer”. Diz orgulhosa: “é um bom filho. Atinado. Organizado e muito empenhado no que faz. É trabalhador e honesto. Responsável, talvez, até demais”.

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Frequentou o ensino secundário em Cinfães e tinha como ideia inicial formar-se em Engenharia Informática. Acabou por ingressar no curso de Ciências e Tecnologia do Ambiente, na Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, porque “era um tema que me interessava” – disse-me com convicção. “A parte química era o que me chamava mais a atenção” e por esse motivo, concluiu o mestrado, a 20 de Novembro deste ano, em Métodos Avançados e Acreditação em Análise Química (química analítica).
Aos 23 anos, trabalha na área do têxtil, com a enfâse para a sustentabilidade e sente-se “realizado profissionalmente”. Gosta de conviver. Tem particular gosto por desporto: “sempre gostei muito de fazer desporto”. Atualmente, faz parte da Equipa do Cinfães a Correr. Faz ciclismo. E tem como objetivo, fazer triatlo. Sempre que pode vai à aldeia, “praticamente todos os fins-de-semana”, maioritariamente “para estar com a família e também com os amigos”.

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Para ele, fazer anos no dia de Natal “é um dia diferente. É bom, porque consigo ter a família toda reunida e isso é uma vantagem”. Na noite da consoada, apenas passa a meia-noite, cantam-lhe logo os parabéns. Resumidamente, disse-me sem hesitar que se considera uma pessoa “persistente, resiliente, com vontade de aprender, seja do que for”.

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Os jovens Herculano, Marcelo e Rui, com percursos de vida tão díspares. Feitios e personalidades próprias e individuais. Em tanto que possam ser opostos, em base são semelhantes. São naturais da mesma aldeia. E nasceram no mesmo dia. Os três “Meninos Jesus” de Cimo de Vila celebram o dom da vida, no dia do nascimento do Salvador. Os três são muito especiais para mim. Um é o meu querido pai, de quem muito me orgulho e a quem amo profundamente. O Marcelo cresceu junto da nossa família, foi criado connosco, de volta da nossa casa e foi como um neto, que os biológicos, os meus pais não tinham na aldeia. O Rui, não tive tanto contacto com ele, mas é filho de uma pessoa que me é especial e que tem uma forma de agir e sentir muito similar à minha.

lucia resende

A estes três jovens, com esta particularidade de serem da mesma aldeia e o aniversário no dia de Natal, anseio votos das maiores felicidades. Que o Natal tenha sempre este motivo acrescido de celebração: a celebração do dom das suas vidas. A celebração da diferença que fazem no mundo, por quem são queridos e amados. Que os seus belos sorrisos sejam sempre uma constante. Que venham mais anos felizes, com saúde, amor e alegria. E que em Cimo de Vila haja sempre, mais este motivo de festa.

Artigo de Lúcia Resende