camara marcoFoto: Município de Marco de Canaveses
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Empresa concessionária recebe 6,9 milhões da Câmara Municipal do Marco de Canaveses e compromete-se a investir 11 milhões de euros na expansão das redes. Autarquia fala em acordo histórico. Oposição denuncia que acordo é desastroso para os marcoenses.

A Câmara Municipal do Marco de Canaveses aprovou, na manhã de terça-feira, dia 7 de maio, o acordo com a empresa Águas do Marco, no âmbito do litígio em tribunal que existia desde 2007. A autarquia vai pagar cerca de 6.9 milhões de euros à empresa pelo reequilibrio da concessão, estendendo ainda a concessão por mais 15 anos (de 2039 para 2055). Em contrapartida, a empresa pagará à câmara municipal 3.7 milhões de euros, relativos a investimentos realizados pela autarquia, bem como 1.3 milhões referente ao pagamento da retribuição pela concessão, que estava previsto no contrato inicial.

O ponto, que foi discutido em reunião extraordinária, foi aprovado com quatro votos a favor e três votos contra. O acordo permite, segundo a autarquia colocar fim “a um litígio que perdurou por cerca de 15 anos”, representando “o término de ações em tribunal entre a autarquia e a concessionária dos serviços de água e saneamento no concelho”.

Este contrato anula, também, a indemnização que a autarquia teria de pagar à empresa, que, segundo o mesmo comunicado, poderia chegar a 71 milhões de euros, (28 milhões de indemnização pela Modificação Unilateral do Contrato + 43 milhões de euros pela reposição do equilíbrio da concessão).

Para além disso, a empresa compromete-se a investir 11 milhões de euros na expansão das redes, ao “qual não estava obrigada desde a Modificação Unilateral do Contrato, o que conjugado com o investimento da câmara (alavancado em fundos comunitários) permitirá aumentar a taxa de cobertura de água para 88.5% e de saneamento para 82.5% até 2033”.

As taxas de ligação e ramal vão continuar gratuitas para os munícipes, no entanto, é a empresa que passa a suportar este investimento, sendo ainda revistos os “pressupostos errados do contrato original, corrigindo o número de habitantes e os consumos médios por habitante, eliminando, de vez, o desequilíbrio da concessão”.

Também os tarifários serão revistos, com aumentos a acontecer já no segundo semestre deste ano. O aumento mínimo é de 10% face à tabela atual. Contudo, e segundo a autarquia, o acordo salvaguarda “todos os consumidores até 10 metros cúbicos, que são cerca de 80%. Ou seja, os preços da água e saneamento do concelho do Marco de Canaveses continuarão abaixo dos preços médios praticados na região”.

Ordem cronológica dos acontecimentos

Em 2004, com então executivo do CDS-PP, a autarquia assinou um contrato de concessão para a exploração e gestão dos serviços de abastecimento de água e saneamento no concelho com a empresa Águas do Marco, em que a mesma se comprometeu a fazer todo o investimento necessário para levar os serviços aos munícipes.

“No contrato inicial, baseado em pressupostos irrealistas, previa-se, por exemplo, um aumento da população no concelho até 75 mil habitantes (em 2004 eram cerca de 52 mil e atualmente são 49.541) e consumos excessivos por habitante, criando desde o início um desequilíbrio que obrigava o município a indemnizar a empresa para repor o equilíbrio económico-financeiro da concessão”, foi referido.

Em 2007, já com o executivo do PSD, a câmara municipal fez uma Modificação Unilateral ao Contrato (MUC) com o objetivo de rever os tarifários e assumir a responsabilidade pelos grandes investimentos em infraestruturas de expansão das redes. Assim, a partir de 1 de janeiro de 2008, a câmara municipal ficou responsável por todas as obras de água e saneamento no concelho.

Em 2010, por não concordar com a modificação ao contrato, a empresa Águas do Marco processou a Câmara Municipal do Marco de Canaveses, iniciando um litígio que se prolongou em diversos tribunais até final de 2023 e que terminou na condenação do município ao pagamento de uma indemnização à empresa de 28 milhões de euros pela MUC, aos quais se somariam um valor estimado de 43 milhões de euros pelo desvio de caudais (total estimado: 71 milhões).

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Cristina Vieira, presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses

Cristina Vieira fala de “acordo histórico” e do “compromisso mais importante de todos”

Cristina Vieira, presidente da Câmara Municipal do Marco de Canaveses, afirma se trata de um “acordo histórico” e que a solução foi apresentada com o objetivo de “salvaguardar, em primeiro lugar, o interesse dos marcoenses”, acrescentando que “é com satisfação que anunciamos este acordo aos marcoenses. Mais um compromisso que cumprimos, o mais importante de todos”.

De acordo com a autarca, o objetivo seria “conseguir esta solução mais cedo, e tudo fizemos para isso, mas foram anos de negociações dificílimas, com adversidades que ninguém imaginava. Desde logo porque ao decidirmos mudar de estratégia, que implicou mudar a equipa de advogados, um vereador do PSD interpôs-nos uma providência cautelar que nos impediu essa contratação e nos fez perder vários meses. Depois tivemos dois anos de pandemia, com restrições e confinamentos, que nos obrigou a dar prioridade total à saúde e à segurança dos marcoenses. E o mais relevante é que a empresa neste período mudou de donos por três ocasiões, o que em cada uma delas nos obrigou a recomeçar as negociações praticamente do zero. Mas em nenhum momento hesitamos ou duvidamos que este era o caminho certo e por isso seguimos firmes e seguros de que estávamos a fazer o melhor pela câmara municipal e pelos marcoenses”.

Cristina Vieira defende que o executivo alcançou aquilo que considera “bom acordo, que garante a viabilidade financeira do município e a sua capacidade de investimento imediata e no futuro, e garante ainda que não teremos de aumentar taxas e impostos como o IMI ou outros. Contas feitas, a câmara paga apenas 1,9M€, em vez dos possíveis 71M€, e, até 2033, garante que 88,5% dos marcoenses terão acesso a água e 82,5% a saneamento. Resolvemos um problema criado pelo CDS em 2004, quando assinou um contrato ruinoso, e agravado pelo PSD em 2007 com uma modificação unilateral que, se não fosse esta solução, nos condenaria ao pagamento de cerca de 71 milhões de euros“.

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Mário Bruno Magalhães, ex-vice presidente da câmara municipal e atual vereador independente

Mário Bruno Magalhães afirma “executivo transferiu a dívida para os marcoenses”

Mário Bruno Magalhães, ex-vice presidente da câmara municipal e atual vereador independente, votou contra o acordo apresentado, afirmando que o que o executivo fez “foi transferir a dívida que tinha com a empresa para os marcoenses”.

De acordo com o vereador, “quem vai pagar todo o resultado são os marcoenses, através das taxas”, recordando o aumento de 19% em 2022 e revelando que, em 2024 haverá um aumento de 17%, estando outro previsto, em 2026 “já depois das eleições autárquicas, de 15.3%. Estamos a falar de 51.3%”.

Para além disso, “a câmara puxou a si todo o investimento em água e saneamento. A senhora presidente, em reunião de câmara, chegou ao ponto de não saber qual era o valor do investimento, começou por dizer que eram cinco milhões, foi corrigida e depois, no final, disse que seriam 62.5 milhões, já com o valor do IVA. Não corresponde à verdade, os estudos apresentados e que deram o seu contributo para a senhora presidente fazer este acordo, diz que são precisos, no mínimo, 100 milhões de euros, isto no ano de 2020, quer dizer que à data de hoje, é preciso contabilizar com mais 30%, são precisos 130 milhões de euros para chegar aquelas taxas”.

Segundo o vereador, “o caso base revisto assenta, novamente, em dados irrealistas, com taxas de adesão de 99%, o que é falso. À data do ano passado, a adesão à contratualização com a Águas do Marco era de cerca de 79%. Quer isto dizer que possivelmente, e num curto prazo, a Águas do Marco vai ter novamente direito a um plano de reequilíbrio”.

Mário Bruno Magalhães defende que “houve a oportunidade de ficar com a Águas do Marco para nós, na altura pelo valor da condenação. Quando a senhora presidente diz que a água e o saneamento do Marco estão em linha de conta com o tarifário dos outros vizinhos, não é verdade, porque nos municípios vizinhos,os municípios não pagam as obras”, acusou.

Sobre o aumento de 15 anos da concessão, Mário Bruno Magalhães afirma ser “péssimo”, recordando o “estado das estradas no concelho, que estão cheias de buracos. Lamentavelmente, do meu ponto de vista, este é um péssimo acordo, é a fuga para a frente, é a necessidade de ter algo e de apresentar algo”.

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Francisco Sousa Vieira, vereador do PSD

Francisco Sousa Vieira fala de “acordo desastroso para os marcoenses”

Francisco Sousa Vieira, vereador do PSD, recordou que o seu partido “sempre defendeu que era preciso mandar a empresa embora, porque o contrato não servia o interesse do Marco de Canaveses. Em 2024 ainda temos milhares de marcoenses sem água e saneamento”.

De acordo com o social-democrata, com o acordo apresentado “ficou provado que o PS mentiu, quando em 2017 disse que tinha um pré-acordo com a empresa Águas do Marco e hoje ficou provado também que, por culpa do PS, que preferiu manter cá a empresa a funcionar, os marcoenses vão pagar do próprio bolso a condenação do tribunal, de 28 milhões, através do aumento das tarifas de água e saneamento. Este foi o grande acordo que o PS conseguiu, foi fazer os marcoenses pagarem esta condenação”.

Desta forma, “com quatro votos a favor e três votos contra, Cristina Vieira e o PS aprovou prolongar o contrato com a Águas do Marco de 35 para 50 anos e aprovaram manter a grande maioria do investimento nas redes do lado da câmara, deixando o risco do nosso lado e os lucros do lado da empresa. Depois de desperdiçar duas oportunidades de mandar a empresa embora, o PS escolheu continuar agarrado a um problema que todos os marcoenses sentem na pele”.

Segundo Francisco Sousa Vieira, a presidente da autarquia “não foi capaz de defender este acordo e chamou a equipa de advogados e financeira para defender tecnicamente, o que é politicamente indefensável, que é um acordo desastroso para os marcoenses, desta e das próximas gerações. Esta é uma decisão exclusivamente do Partido Socialista, que escolhe que o reequilíbrio da concessão seja feito à custa dos bolsos dos marcoenses, mantendo o município refém da empresa Águas do Marco para as próximas décadas. O município do Marco de Canaveses continuará a ser a galinha dos ovos de ouro da Águas do Marco, como temos vindo a defender”, concluiu.

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Mário Luís Monteiro, vereador do CDS-PP

Mário Luís Monteiro afirma que este “não é o resultado final esperado e desejado por todos”

Mário Luís Monteiro, vereador do CDS-PP, também votou contra o acordo apresentado. “Quero acreditar que todos os envolvidos no processo da concessão da Águas do Marco, desde há 20 anos a esta data, agiram sempre de boa fé na busca das melhores soluções”, começou por dizer.

De acordo com o vereador, “ao longo deste percurso, foram tomadas decisões que cada um deve assumir com frontalidade e responsabilidade. Outras opções poderiam ter sido escolhidas, outras vias poderiam ter sido seguidas e, como muitos marcoenses, também quis acreditar nas declarações feitas há uns anos, em campanha eleitoral, onde se afirmou haver um pré-acordo com a empresa. Tardaram soluções, tardaram decisões, o decorrer do tempo não foi amigo dos marcoenses e este não é, seguramente, o resultado final esperado e desejado por todos”, disse.

Em conclusão, Mário Luís Monteiro afirma que “da prolongada e aprofundada discussão sobre o assunto na reunião de câmara, foi possível depreender, entre outras questões, que a fatura irá ser paga pelos marcoenses ao longo dos próximos 30 anos, daí o meu voto contra”.

Os termos do acordo foram aprovados por maioria e será agora enviado para a Entidade Reguladora dos Serviços de Águas e Resíduos (ERSAR), a quem compete emitir parecer sobre o documento.

Posteriormente será submetido a discussão e deliberação em Assembleia Municipal e remetido para visto do Tribunal de Contas, para ser assinado entre a Câmara Municipal do Marco de Canaveses e a Águas do Marco.