manuel ferreira veloso
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É importante falar com o seu medico sobre as suas preocupações relacionadas com a próstata.

Nem a descolagem, que cria sempre uma certa apreensão, me fez sair do pensamento o conselho que percecionei, por instantes, antes de iniciar a curta viagem que me levaria a Bruxelas em trabalho: “Definitivamente, um dos alimentos bons para a próstata que  não pode deixar de incluir na sua alimentação são os famosos peixes de água fria…”. A  viagem durou cerca de três horas e sobrevoamos as águas frias do Atlântico. E a minha  curiosidade estava agora entretida com a ideia de identificar os peixes de água fria. Associei várias coisas ao mesmo tempo e nos dias que se seguiram, a problemática da próstata manteve-se viva no meu pensamento até que, finalmente, chegou o momento  para abordar essa temática no âmbito da campanha Novembro Azul. 

A Novembro Azul é uma campanha de sensibilização que ocorre anualmente, em todo  o mundo, no mês de Novembro, dedicada à consciencialização sobre a saúde do  homem, com destaque para o cancro da próstata. Visa consciencializar a população,  principalmente os homens, sobre a importância da prevenção deste cancro e alertar  para a necessidade do diagnóstico precoce da doença (1). 

Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), este é o segundo cancro mais comum  nos homens, logo a seguir ao cancro do pulmão. (1) Em Portugal, é o cancro mais comum  nos homens e estima-se que, durante o ano 2020, tenham surgido 6759 novos casos. De  acordo com as estimativas realizadas em 2021 pela Globocan, em 2040 poderá atingir se os 8216 casos, o que corresponderá a um aumento de 21,6%. (2, 3) 

A ideia de criar esta campanha surgiu em 2003, na Austrália, quando um grupo de 30  amigos deixou crescer os seus bigodes para chamar a atenção para a saúde masculina.  Mais tarde, foi criada a Movember Foundation, uma organização sem fins lucrativos cujo  objetivo é juntar fundos para a assistência e a investigação sobre o tratamento deste  cancro e outras doenças comuns nos homens. (1)

Mas, afinal, que relação se pode estabelecer entre bigodes e peixes de água fria? 

Vejamos: 

O que é a próstata?  

A próstata é um dos órgãos que constitui o sistema reprodutor masculino, em conjunto  com o pénis, os testículos e as vesiculas seminais. É pequena como uma noz e produz  um fluido que nutre e ajuda a transportar os espermatozoides, no sémen. Está logo  abaixo da bexiga e é atravessada pela uretra, que esvazia a urina que se acumula na  bexiga e a leva até ao pénis. (4) Existem várias alterações na próstata que não são  cancro. Por exemplo, à medida que a idade vai avançando, a próstata vai aumentando, o que chamamos de Hiperplasia Benigna da Próstata e não é cancro. Outros exemplos  são as prostatites, inflamações da próstata que podem ser resultado de infeções. (5) 

Como é que este cancro se desenvolve?  

O cancro da próstata é um dos mais comuns no homem, cresce lentamente e  normalmente está confinado à próstata, onde pode não causar danos graves. No  entanto, existem casos mais agressivos que podem espalhar-se rapidamente. (8) A  maioria das causas deste cancro são ainda desconhecidas, daí a importância de se apoiar  a investigação nesta área, como faz a Movember Foundation. No entanto, são  conhecidos alguns fatores que podem aumentar o risco de desenvolver esta doença. (9) 

Quais são os principais riscos para desenvolver este cancro?  

Estão descritos alguns fatores associados ao desenvolvimento do cancro da próstata. Em primeiro lugar a Idade: a probabilidade de desenvolver este cancro aumenta com a  idade, sendo a relação forte. (7) A maioria dos casos desenvolve-se com 50 ou mais anos. (9) Também a etnia, por razões ainda não compreendidas. Este cancro é mais frequente  nos homens negros e menos frequente nos homens asiáticos. (9) Os afrodescendentes têm maior risco e a doença desenvolve-se em idades mais jovens e mais rapidamente  do que nos homens de outras etnias. Depois dos negros, o cancro é mais frequente nos  homens brancos, nos hispânicos e nos nativos americanos, respetivamente. Os asiáticos têm as taxas mais baixas. (5) Associa-se a tudo isto a história familiar e a componente  genética: homens cujos parentes de primeiro grau (pai ou irmãos) foram diagnosticados  com cancro da próstata correm um risco superior (1, 9), especialmente se  diagnosticados antes dos 65 anos (7), existindo uma forte componente hereditária.  Além disso, ter familiares com outros cancros potencialmente hereditários (cancro da  mama diagnosticado antes dos 50 anos ou em homens, cancro colorretal, dos ovários,  do pâncreas ou melanoma) também aumenta o risco. (4, 7) 

Numa abordagem mais ampla a discussão sobre o estilo de vida ganha cada vez mais  adeptos. De facto, uma dieta rica em gordura animal e pobre em vegetais pode ser um  fator importante no desenvolvimento deste cancro. (5, 7) A obesidade também pode  aumentar o risco (9), embora os estudos sejam inconsistentes. O cancro pode ser mais  agressivo e recorrer após o tratamento. (8) Por último, mas não o menos importante, o tabagismo parece ter um efeito no risco de desenvolvimento e no seu prognóstico. As  pessoas diagnosticadas devem ser encorajadas a deixar de fumar. (7) 

Este cancro pode ser prevenido?  

O risco de cancro pode ser reduzido optando por uma dieta saudável, rica em frutas, legumes e cereais integrais, de modo a melhorar o estado geral da saúde, assim como  praticar exercício físico regular e manter um peso saudável. (8) 

Que sintomas fazem suspeitar de cancro da próstata?  

Esta é uma pergunta difícil dado que cada pessoa pode ter uma experiência diferente. A  maioria não apresenta, de todo, sintomas. (4, 6) Normalmente, os sintomas desenvolvem-se quando o cancro aumenta de tamanho e faz pressão sobre a uretra. (9) Embora não comuns, os sintomas podem ser: dificuldade em começar a urinar (hesitação); diminuição da força de saída da urina; interrupção da micção (“urinar às pinguinhas”); vontade de urinar frequente, especialmente à noite; dificuldade em  esvaziar completamente a bexiga ou sensação de esvaziamento incompleto; vontade  urgente de urinar, com controlo difícil; dor ou ardor durante a micção; sangue na urina  ou no sémen; e dor ao ejacular. (4, 5, 9) 

Estes sintomas também são causados por outras doenças que não o cancro. (4, 9) Se  tiver algum dos sintomas, consulte o seu médico de família ou urologista. (4) Os sinais  de que o cancro se desenvolveu e espalhou incluem cansaço, dores no fundo das costas,  nas ancas ou pélvis que não desaparece, dores nos testículos e perda de apetite ou de  peso não intencionada, sem alterar a dieta ou rotina de exercício físico. (9) 

Há alguma forma de fazer o rastreio deste cancro? E como é feito o diagnóstico?  

Rastrear significa procurar o cancro antes de causar sintomas (4), ainda em fases iniciais, quando é menos provável que se tenha espalhado e seja mais fácil de tratar (5). Isto é  particularmente importante nos cancros com risco elevado de criar metástases se não  forem tratados. (4) Os testes de rastreio mais úteis são os que comprovadamente  reduzem o risco de uma pessoa morrer de cancro. (5) Não existe um teste específico para despistar o cancro da próstata, no entanto, há dois testes que são utilizados  frequentemente. (4) 

O antigénio específico da próstata: o PSA é uma substância produzida pela próstata.  Genericamente, quanto mais elevado for o valor do PSA, maior será a probabilidade de  haver problemas na próstata. (4) Porém, muitos outros fatores, como a idade, a etnia,  alguns procedimentos médicos e medicamentos, podem afetar os níveis deste  antigénio. (4) O PSA pode detetar um cancro da próstata agressivo que necessita de tratamento urgente, mas também detetar cancros de crescimento lento que podem nunca causar  sintomas ou encurtar a vida (sobrediagnóstico). Algumas pessoas podem ter de tomar  decisões difíceis sobre exames e tratamentos com possíveis sequelas e que podem até  ser desnecessários. (9)

Outro argumento considera que, mesmo sendo o tratamento nas fases iniciais benéfico,  os seus efeitos secundários, como veremos, são tão graves e permanentes que os doentes optam por adiar o tratamento até que seja absolutamente necessário. Ainda há  que considerar que, embora esteja demonstrado que o rastreio reduz a probabilidade  de morte por cancro, muitas pessoas receberiam tratamento desnecessariamente já  que a maioria dos tumores não são prejudiciais (sobretratamento). (5, 9) 

É, por tudo isto, necessário realizar mais investigação para determinar se os possíveis  benefícios de um programa de rastreio compensam os danos. (9) Em Portugal, não  existe um programa nacional de rastreio. No entanto, existe a opção de realização de  rastreio de modo oportunístico a pessoas entre os 50 e os 75 anos. Este tipo de rastreio é feito através de uma abordagem individualizada, ocorrendo sempre que uma pessoa  recorre a uma consulta. A pessoa é informada e esclarecida acerca da necessidade da  prescrição e determinação do PSA, dos benefícios e dos riscos de sobrediagnóstico e  sobretratamento a que a pessoa fica sujeita pelo facto de integrar o rastreio  oportunístico e de que falamos acima. (10) 

O toque rectal também constitui uma forma comum de se examinar a próstata. Em 10  a 15 segundos, o médico apalpa a próstata a partir do reto. Assim, examina-se o tamanho, a consistência e a textura da próstata, se existem áreas duras, nódulos ou  zonas com crescimento para além da próstata e se existe dor ou pressão causados pelo  toque. No entanto, o médico sente apenas um dos lados da próstata. (5) 

Se os sintomas ou os resultados de exames – como o PSA, o toque retal, e a ecografia da  próstata – sugerirem cancro, o seu médico de família irá encaminhá-lo para um  urologista, de modo que possam ser realizados exames mais específicos como as  biopsias da próstata (5, 9), que consistem na colheita de pequenas amostras de tecido  da próstata e na sua observação ao microscópio para verificar se existem células  cancerígenas. (4) A maioria dos homens que fazem biopsias após os exames de rastreio  não tem cancro. (5) Se existir cancro, o patologista, através de uma pontuação de 2 a 10 (4) indica a agressividade do cancro (5). 

São também realizados outros exames (TAC, ressonância magnética, cintigrafia óssea) para se fazer o estadiamento, ou seja, descobrir se as células cancerígenas se  espalharam apenas dentro da próstata ou para outras partes do corpo. (4) 

Quais são os tratamentos disponíveis?  

As opções de tratamento dependem do tipo e do estadio do cancro, do score de  Gleason, do valor de PSA, da idade e do estado geral de saúde. (5) Os benefícios e efeitos  laterais do tratamento também devem ser tidos em conta. (8) Os doentes são acompanhados por uma equipa multidisciplinar de especialistas que trabalham em  conjunto para proporcionar os melhores cuidados e tratamentos. (9) 

Quando o cancro é de baixo grau e não causa sintomas, pode não ser necessário tratamento imediato. Para certos doentes é apenas mantida uma “vigilância ativa”: são  feitas análises e exames regulares para vigiar a progressão. (9) Se esta se verificar, é então iniciado o tratamento. (8) Há também a opção “espera vigilante” ou “watchful  waiting” para usar a expressão inglesa: são apenas tratados os sintomas e não se  realizam exames. Esta opção é recomendada quando o doente tem idade avançada e é  improvável que o cancro afete o seu restante tempo de vida. (4, 9). 

As opções de tratamento são várias a começar pela cirurgia, chamada prostatectomia radical, consiste na remoção da próstata e é uma opção quando o cancro está confinado  à próstata. (8, 9) Também inclui a remoção de alguns tecidos circundantes e gânglios  linfáticos. (4) Em casos mais avançados, pode ser utilizada em combinação com outros  tratamentos. (8) A ressecção trans-uretral da próstata é um procedimento que ajuda a  aliviar a pressão na uretra e a tratar sintomas urinários. Não cura o cancro. (9).  

Um outro conjunto de tratamentos passa pela radioterapia, que utiliza raios de alta  energia (semelhantes aos raios X) para matar as células cancerígenas. (4) É também  utilizada para atrasar a progressão e aliviar sintomas. (9) Existem dois tipos de  radioterapia: a externa e a interna (braquiterapia). (8) A quimioterapia é outra opção e  destina-se aos casos em que o cancro se espalhou pelo corpo. (8) Não cura o cancro,  mas pode mantê-lo sob controlo e aumentar o tempo de vida. Visa também reduzir os  sintomas, como a dor, para que o dia-a-dia seja menos afetado. (9) 

Em determinados casos, podem ser recomendadas outras terapias como as crioablação  e crioterapia (5), a terapia biológica (8), a terapia hormonal (9) e os ultra-sons de alta  intensidade (5). 

Que complicações podem existir?  

As complicações mais comuns, da progressão do cancro e dos tratamentos, são a metastização, quando o cancro se espalha para órgãos próximos, como a bexiga, ou  através da corrente sanguínea ou do sistema linfático para os ossos ou outros órgãos,  como os pulmões e o fígado. (8) As incontinências urinária e fecal são perdas acidentais de urina ou de fezes, causadas tanto pela cirurgia como por alguns dos outros  tratamentos. Existem várias opções de tratamento, dependendo do tipo e da gravidade.  (5) A disfunção erétil ou impotência, que pode resultar da evolução do cancro, da  cirurgia, dos tratamentos hormonais e da radioterapia. Existem medicamentos e  dispositivos que ajudam a conseguir a ereção e até cirurgias para o seu tratamento. (8) 

Em conclusão…  

Para concluir, e recuperando essa imagem agradável de uma refeição descontraída à  base de peixes de água fria, saladas e outros ingredientes naturais, é urgente que  adotemos um estilo de vida mais frugal, selecionar bem os alimentos que consumimos  e dar a devida atenção aos dados da investigação que apontam, hoje, para maior  consumo de ómega-3, com o objetivo de ajudar a prevenir o desenvolvimento do  câncro da próstata e outras doenças.

Referências Bibliográficas  

(1) Blue November: Some facts about the campaign, Apolo. Consultado a 23/06/2023,  disponível em https://english.apolo.app/blue-november-fun-facts-about-the campaign/ 

(2) NOVEMBRO AZUL [MÊS DE PREVENÇÃO DO CANCRO DA PRÓSTATA], Liga Portuguesa  contra o Cancro. Consultado a 23/06/2023, disponível em  https://www.ligacontracancro.pt/novembroazul/ 

(3) Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, Bray F. Global  cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for  36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021 Feb 4. doi: 10.3322/caac.21660. Epub  ahead of print. PMID: 33538338. 

(4) What Is Prostate Cancer?, Centers for Disease Control and Prevencion. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.cdc.gov/cancer/prostate/basic_info/what-is-prostate-cancer.htm 

(5) Understanding Prostate Changes: A Health Guide for Men, National Cancer Institute at  the National Institutes of Health. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.cancer.gov/types/prostate/understanding-prostate-changes 

(6) Clinical presentation and diagnosis of prostate cancer, Uptodate. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.uptodate.com/contents/clinical presentation-and-diagnosis-of-prostate 

cancer?search=prostate%20cancer&source=search_result&selectedTitle=1~15 0&usage_type=default&display_rank=1 

(7) Risk factors for prostate cancer, Uptodate. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.uptodate.com/contents/risk-factors-for-prostate 

cancer?search=prostate%20cancer&topicRef=6939&source=see_link (8) Prostate cancer, Mayo Clinic. Consultado a 23/06/2023, disponível em  https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/prostate-cancer/symptoms causes/syc-20353087 

(9) Prostate cancer, Nacional Health Service (NHS). Consultado a 23/06/2023, disponível  em https://www.nhs.uk/conditions/prostate-cancer/ 

(10) Normal DGS 060/2011: Prescrição e Determinação do Antigénio Específico da Próstata  – PSA, Direção Geral de Saúde. Consultado a 23/06/2023, disponível em  https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma n-0602011-de-29122011-jpg.aspx

Manuel Ferreira Veloso, MD (Médico Interno de Medicina Geral e Familiar, USF São Bento, ACES Grande Porto II – Gondomar; Mestrando em Gestão e Economia de Serviços de Saúde, FEP)