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Entre as novelas, o Teatro do Bolhão e outros projetos, António Capelo encontra, ainda, tempo para “umas visitas” ao concelho de Castelo de Paiva, mais precisamente ao lugar de Pedorido, de onde é natural.

Saiu “muito cedo” da terra, aos nove anos, para ir estudar para o Porto, mas ficou com uma “ligação carregada de memórias” das férias que lá passava. “Como só vinha cá de férias tenho uma relação muito simpática com a terra. Nos últimos anos, comprei aqui uma casinha refi-la e, portanto, tenho vindo cá mais, tenho tido uma relação mais próxima agora”, garante.

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António Capelo na 2.ª Bienal da Cultura, no CICL, em Sobrado (2019)

É precisamente desde Castelo de Paiva que António Capelo recorda, em entrevista ao Jornal A VERDADE, a saída de Pedorido “para o Porto, logo a partir da escola primária. Fiz liceu e depois a faculdade no Porto. Aliás, estive uns anos sem vir, também, por causa do trabalho”.

Das férias, as memórias afetivas “são muito gratas”, porque são “as mais antigas”, as memórias “dos avós. Os avós tratam sempre os netos como se fossem duplamente filhos. Dos meus avós tenho uma relação afetiva também muito próxima nossa família, mas também com a aldeia por causa disso”.

Acho que o país está cada vez mais desigual

A vida na cidade “é uma coisa a vida e a vida fora dela é diferente”. Uma garantia dada por quem conhece bem as duas realidades e que percebe que, “cada vez mais, as condições de vida fora dos grandes centros se tem vindo a degradar muitíssimo. Sou crítico em relação às políticas do Estado português. Acho que o país está cada vez mais desigual, cada vez mais inclinado e, nesse sentido, acho que era importante que as populações do interior do país tivessem uma voz mais forte no sentido de reivindicar melhores condições de vida“, sublinha António Capelo.

Os territórios, do interior, estão a “perder população, escolas, centros de saúde” e para o ator e encenador é “essencial pensar que os territórios são habitados. Nestes locais as pessoas só contam umas com as outras. Mas todos nós descontamos para o Estado, independentemente, do sítio onde vivemos e, portanto temos o direito a ser olhados pelo Estado da mesma maneira, independentemente, se vivemos no litoral ou se vivemos no interior”, diz ainda.

Uma realidade que vê e sente em Castelo de Paiva, um lugar “cada vez mais vazio. Apesar da proximidade ao Porto, sinto que estamos aqui metidos num buraco onde não há quase nada. O acesso à cultura é mínimo, as escolas a fecharem, porque cada vez há menos população, menos crianças. Tudo isto se paga no futuro e, portanto, os territórios começam a ficar cada vez mais desertificados”.

António Capelo prevê um futuro, na região, com “casas para pessoas que vêm passar o fim de semana, fica só a paisagem natural e a paisagem humana, que é o mais importante, desaparece”.

O interior e as oportunidades

No tempo em que saiu em Castelo de Paiva, “há muito tempo”, a realidade era “diferente” e viu-se “obrigado a ir estudar para outro sítio“, mas após uma revolução como a de 1974 (25 de abril) “as coisas já deviam ter mudado substancialmente. Mudaram em alguns aspetos, até radicalmente, mas em outros nem por isso”.

Se fosse nos tempos atuais, a escolha “teria sido a mesma”, porque a vida de ator e encenador “não seria possível” em Castelo de Paiva. “De facto não teria a vida profissional aqui”.

Castelo de Paiva é a terra onde as pessoas vivem anonimamente e sofrem publicamente

É de uma forma “muito simples” que António Capelo descreve o concelho de Castelo de Paiva: “é a terra onde as pessoas vivem anonimamente e sofrem publicamente. É uma terra que só é conhecida pelos desastres que aqui aconteceram, como a queda da ponte, o fecho das linhas”. Portanto, “é como se as pessoas daqui vivessem anonimamente e, praticamente, excluídas de quase tudo e sofressem publicamente. É um bocadinho esta imagem que tenho de Castelo de Paiva”.

Por outro lado, Castelo de Paiva tem “boas condições físicas, geográficas, sociais, humanas, e um património humano com alguma riqueza”, mas para se desenvolver o encenador não tem dúvidas de que “é preciso que as autarquias e o poder local tenham uma visão de desenvolvimento do próprio concelho, porque há condições geográficas muito particulares, uma paisagem de alguma beleza natural forte. Tudo isso merecia ser olhado com olhos mais criativos, porque há aqui condições físicas muito apetecíveis para se desenvolverem projetos que podem ser muito interessantes. Digamos que é um potencial de sonho”.

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António Capelo não esquece as origens e faz questão, sempre que pode, de levar o trabalho até Castelo de Paiva. Já dirigiu dois espetáculos com a companhia “O Teatro do Bolhão”, no centro da cidade e, mais tarde, na aldeia de Pedorido. “São espetáculos que construímos com as populações daqui. Numa relação muito direta com a história, com a memória do que foram estes territórios e, portanto, foram espetáculos marcantes”.

Mais recentemente, o também encenador, participou na curta-metragem “Reunião de Família”, um projeto de dois paivenses, Joel Dias e Tiago Gonçalves. “São projetos interessantes. É bom que haja quem vá fazendo coisas pelo território”, conclui.