Fazer planos para o futuro e não abdicar dos sonhos projetados, incluindo os da maternidade, deve fazer parte do processo de tratamento de todas as mulheres que travam a batalha contra o cancro. No Dia Mundial do Cancro, que se assinala a 4 de fevereiro, Catarina Godinho, ginecologista e especialista em medicina da reprodução, deixa uma mensagem de esperança às mulheres que enfrentam a doença, para que não desistam e para que se informem sobre todas as formas que existem atualmente para preservar a fertilidade.

“É essencial que, no momento traumático do diagnóstico, o doente receba informação médica rigorosa e completa, que tenha em conta os diferentes aspetos e as etapas da vida da mulher, como o seu desejo de ser mãe, e que tenha em conta as suas necessidades e os seus sonhos. Que nenhuma mulher tenha de abdicar da maternidade por causa do cancro e da falta de informação”, sublinha a médica do IVI Lisboa.

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Entre as mulheres, o cancro da mama é o que tem maior expressão. Pode afetar uma em cada oito mulheres. No entanto, quando diagnosticado precocemente, tem geralmente um bom prognóstico. A radioterapia e a quimioterapia aceleram a diminuição natural da fertilidade, mas Catarina Godinho lembra que os médicos podem e devem informar as mulheres sobre formas de preservar a fertilidade.

Rute Abade e o seu bebé milagre

Assegurar que podem ser mães mais tarde, também acaba por lhes dar força e coragem para enfrentar e vencer a batalha do cancro. Rute Abade é um destes exemplos de perseverança. Vencida a batalha contra o cancro da mama, apontou as baterias para outra luta: a de concretizar o sonho da maternidade. “O meu filho é um milagre da ciência e também o resultado da sensibilidade da minha médica, que me informou da possibilidade de vitrificar (congelar) os meus ovócitos antes da quimioterapia”, afirma. 

Rute tem hoje um menino de dois anos, graças à preservação dos seus ovócitos, feita após o diagnóstico de cancro e antes de iniciar os tratamentos. Tinha na altura 35 anos. O diagnóstico atempado facilitou a cura e a concretização do sonho da maternidade.

A mãe de Rute foi diagnosticada em 2006 com cancro nos ovários e como já tinham existido outros casos na família, solicitou a abertura de um estudo genético no hospital onde era seguida. Este estudo foi inconclusivo mesmo após a morte da mãe de Rute em 2009 e apenas em 2012 se confirmou que a Rute, e todas as mulheres da família do lado materno, tinham uma alteração genética BRCA1, que podia provocar cancro dos ovários e da mama.

“No primeiro ano em que fiz os exames estava tudo bem, mas um ano depois, durante uma ressonância magnética de rotina, a médica disse-me que tinha um nódulo na mama, com o tamanho de um bago de arroz. Fiz uma biópsia e deram-me indicação para dupla mastectomia e quimioterapia”, revela Rute. Acrescenta que quando soube do diagnóstico só pensou na cura e foi a médica que a aconselhou a salvaguardar a hipótese de ser mãe. “Estava tão focada na doença que não pensei em acautelar o futuro e a maternidade, que estava nos seus planos. Este alerta foi muito importante e fazia todo o sentido. No dia seguinte à operação iniciei o processo de preservação de fertilidade e só depois fiz quimioterapia”, acrescenta.

Três anos depois e uma vez que os médicos que a seguiam em oncologia lhe deram indicação que estava preparada para dar início ao tratamento de fertilidade, voltou ao IVI e dos nove ovócitos que tinha conseguido preservar quando tinha 35 anos, gerou um embrião. Embrião este que nove meses depois deu origem ao bebé de dois anos.

De acordo com Catarina Godinho, entre 2007 e 2022, mais de 1400 mulheres com diagnóstico de cancro vitrificaram os seus ovócitos nas clínicas IVI da Península Ibérica, antes de se submeterem a um tratamento de quimioterapia ou radioterapia. Desde então, nasceram cerca de seis dezenas de bebés, número que aumenta todos os anos.

Texto redigido por Catarina Godinho, ginecologista e especialista em medicina da reprodução na Clínica IVI Lisboa.

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