Este fim de semana são muitos os curiosos que se deslocam a Figueira, concelho de Penafiel, para ver bem de perto a parada e o teatro cantado – o ponto alto do evento – que enchem e transformam as ruas de Figueira num palco vivo. Mas não só, porque a este momento juntam-se os momentos musicais e a feira de artesanato e gastronomia do “Auto dos Reis Magos de Figueira”, um evento que une a comunidade local e que culmina num fim de semana de festa e de recriação do Dia dos Reis.
Será precisamente neste último espaço que iremos encontrar José Rocha, o ‘chefe’ responsável pela confeção da tradicional sopa servida no “Auto dos Reis Magos de Figueira”. Durante vários anos, e fruto do percurso profissional, o penafidelense, de 67 anos, viveu em Vila Nova de Gaia e no Porto, motivo que o manteve afastado das origens. “Mas vinha cá todas as semanas. A nossa origem é sempre especial”, garante.
Mesmo afastado da aldeia, o Sr. Rocha fez questão de “nunca esquecer as tradições” e visitava a terra “sempre que podia. Tive sempre uma mágoa de não poder colaborar, porque a minha vida profissional obrigava-me a estar afastado”, recorda.
Há cinco anos, e com uma vida ligada à hotelaria, reformou-se e voltou para a terra onde nasceu. Desde então, tenta “colaborar dentro das limitações” nas tradições de Figueira, como a que será celebrada este fim de semana.
O penafidelense sempre gostou da cozinha e pensa ter herdado o gosto da avó e da mãe, “que cozinhavam muito bem”. Entre os nove irmãos foi o único que seguiu a hotelaria, “um gosto e uma opção de vida” que diz não se arrepender. “De nove irmãos, eu sou o mais velho. As minhas irmãs também têm muito jeito para estas coisas e quando iniciámos esta sopa fomos buscar memórias às sopas que a nossa avó fazia e ficamos com esse sabor. Isso tem levado ao sucesso da receita e, por isso, ficamos de a fazer nos próximos eventos”.
Apesar de longínquas, as lembranças de infância do “Auto dos Reis Magos de Figueira” ainda permanecem e lembra-se de ver o cortejo dos Reis, “mas só até aos 16 anos, depois veio a ‘migração'”, diz em tom de brincadeira.
Naquela idade, e mesmo mais tarde, admirava o evento tão característico da terra, mas “não tinha a noção nenhuma do trabalho que dá” manter viva a tradição. “Nós já andamos a trabalhar há mais de um mês, são cinco pessoas, todos os dias, até à 01h00. É preciso montar muita coisa, em vários sítios, para que, nestes dois dias, esteja tudo pronto. Nestas duas últimas semanas temos tido mais gente a ajudar-nos. Dá muito trabalho. É uma aldeia muito pequena e que tem muito pouca gente disponível para ajudar. Como tenho alguma disponibilidade vou fazendo”, explica.
“A sopa é feita nos potes de três pernas e a lenha”
Para além de ajudar nos dias anteriores ao evento, o Sr. Rocha, juntamente com a irmã, é o responsável pela sopa de Figueira, que é, nada mais, nada menos que “um cozido de várias carnes que preparamos, cozemos e picamos. Depois fazemos o caldo, onde colocamos os legumes, o feijão e o nabo. No fim, a sopa leva um ingrediente surpresa. A sopa por só já é diferente e é feita nos potes de três pernas e a lenha. Temos de começar mesmo cedo. Por volta das 09h00 começamos a preparar as coisas para termos disponibilidade de sopa para tantas pessoas“, explica com orgulho.
Os produtos são comprados às gentes da terra, como forma de dinamizar o comércio local. “Preocupamo-nos em que o produto seja todo daqui”, garante. Ser o ‘chefe’ da receita é uma “enorme responsabilidade”, pois serão “muitas” as pessoas que irão provar a sopa. Como nos diz faz com “gosto, muita sensibilidade e muito cuidado. A receita destas coisas é o gosto de fazer, aliado aos ingredientes“. Depois é “bom ver quando as pessoas estão a comer e a gostar. Fico muito feliz”.
Para o Sr. Rocha é um “orgulho” ajudar na continuidade destas tradições e assume um “sentimento fora de comum. É um prazer enormíssimo chegar ao fim do dia cansados e vermos que as pessoas estão felizes com o que nós desenvolvemos”.
Enquanto puder, o cozinheiro da sopa de Figueira quer continuar a tradição e “de certeza absoluta” que vai “tentar que alguém fique com este know-how (conhecimento)”.