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“O Futebol Clube do Porto é a minha grande paixão, a seguir à minha mulher e à minha filha”. Quem o diz é Ricardo Correia, um homem que, atualmente, vive em Baião e que já ultrapassou vários obstáculos ao longo da sua vida. Neste dia de Natal, o Jornal A VERDADE traz-lhe o testemunho deste homem, que tem sempre na memória “aqueles que vivem na rua”.

Era criança, ainda bebé, quando foi abandonado, pela mãe, “num caixote do lixo” em Lisboa. “Fui recolhido pela Casa Pia, na cidade da Amadora”, conta. Nesta instituição, o homem garante que lhe “deram tudo” o que precisou. No entanto, aos 16 anos, decidiu “fugir”.

“Fugi porque era maluco pelo Futebol Clube do Porto. Fui a Santa Apolónia esperar os jogadores que iam jogar a Lisboa e andei sempre com eles”, recorda. Depois deste momento, regressou à instituição, mas esteve lá pouco tempo, já que voltou a fugir. “Tinha um dinheiro que nos davam quando trabalhávamos nas férias e decidi ir para o Porto. Comprei uma máquina fotográfica daquelas antigas e uma roupa nova, porque deitei a que tinha no corpo fora para não ser reconhecido”, disse, entre risos.

Quando chegou ao Porto, encontrou-se com um grande amigo, o José Maria Pedroto, antigo treinador do FC Porto. “Na época, não sabia que se desse uma entrevista era apanhado. Acabei por dar uma entrevista para o Jornal A Bola e os meus educadores descobriram. Ligaram para o Porto e o Pinto da Costa chamou-me ao escritório. Perguntou porque é que eu estava lá e eu disse que tinha ido visitar o Porto. Mas ele sabia a verdade. Depois ligou para a Casa Pia e disse que tomava conta de mim. Acabei por ficar lá os três meses e trabalhei como jardineiro, no antigo Estádio das Antas”, descreveu. Nesta época, ficou a viver “no Posto Médico do Estádio das Antas”.

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Após estes três meses, regressou à Casa Pia, tendo “ficado de castigo”. Quando fez 17 anos decidiu que era altura de “ir embora de vez. Falei com o Sr. Pinto da Costa, com o Sr. Artur Jorge, com o Paulo Futre, com o Lima Pereira e com o Fernando Gomes e fui para o Porto”.

Quando chegou, passou o primeiro dia com os jogadores. Contudo, no final desse dia, não tinha local onde pernoitar e a resposta à pergunta feita por Jorge Nuno Pinto da Costa foi que “ia dormir na rua”. No entanto, o atual presidente do FC Porto “não deixou. Pagou-me uma pensão e eu fiquei lá durante algum tempo”.

Mas, e como diz o povo, “a vida é madrasta” e o futuro de Ricardo Correia não foi, propriamente, risonho. “Devido às circunstâncias da vida, acabei na rua. Voltei a Lisboa e fui à Casa Pia para ver se me acolhiam novamente, mas não o fizeram. Acabei por ficar cerca de um ano a viver na rua. Dormia perto da Casa Pia, num prédio abandonado. Havia uma senhora que, todos os dias, me dava um prato de sopa e um cobertor”, recorda, emocionado.

Depois de um ano a viver na rua, Ricardo Correia decidiu “ir para a tropa”, tendo recorrido ao DRM de Lisboa. “Fui para a Serra da Carregueira, fui cabo-jardineiro lá dentro. Após os seus meses da tropa, voltei para a rua. Nessa altura, o FC Porto foi a Lisboa e os jogadores conheciam-me. Disseram-me: ‘Ricardo, tu aqui não te safas, a melhor coisa é ires para o Norte’. E assim fiz”, refere.

Voltou, então, a ingressar numa viagem rumo ao Norte do país, “à boleia” e, na zona de Ovar, encontrou uma obra que estava a recrutar serventes. “Fui pedir trabalho e eles deram-me. O patrão era de Baião, então comecei a trabalhar, ganhava dinheiro, que me davam ao fim de semana, para poder comprar as minhas coisas”, disse.

Nessa época, na mesma obra, trabalhava um homem que, mais tarde, viria a ser o seu cunhado. “O Modesto, um dia disse-me: ‘estás sempre aqui, eu vou-te levar a minha casa, tenho uma irmã e pode ser que a coisa dê’”, disse entre risos. Lá foi “até Baião” e conheceu aquela que, viria a ser, a sua esposa. “Gostei logo dela quando a conheci”, destacou.

Após nove meses de “namoro”, Ricardo pediu a sua namorada em casamento. Mas, como se usava, teve de pedir a mão ao pai da noiva. “Ele deixou então começamos os preparativos. Tive de ser batizado e o meu padrinho foi o meu cunhado. No dia 13 de julho de 1991 casamos”, recordou. 

Um ano depois nasceu a sua filha que “é o maior orgulho” da vida de Ricardo, a quem faz questão “de dar tudo. Dou-lhe o que eu nunca tive”.

Para “dar uma vida melhor” à sua mulher e à sua filha, o portista decidiu emigrar para a Áustria, onde conheceu o seu “grande amigo”, Fernando Cardoso, de Tarouquela – Cinfães. “Ajudou-me muito e estou muito grato”, garante, acrescentando que trabalha “como cozinheiro. Faço o pequeno almoço, o almoço e o jantar para vinte homens”.

Apesar da sua vida o ter levado por caminhos distintos, Ricardo Correia nunca perdeu a ligação com Jorge Nuno Pinto da Costa e com o Futebol Clube do Porto. “O Sr. Pinto da Costa é como um pai para mim. Gosto muito dele e, sempre que posso, faço-lhe uma visita. Quando estou cá, faço questão de ir ver os jogos do meu Porto e tenho sempre convites guardados”, revelou.

Ricardo Correia recorda, emocionado, que quando chegou a Baião “não tinha nadinha, só a roupa que trazia no corpo. Hoje, tenho uma casa, um carro e, acima de tudo, uma família feliz”.

Quando questionado se alguma vez teve curiosidade de conhecer a sua mãe, o portista é incisivo na resposta: “pessoas muito pobres não abandonam os filhos e a minha mãe abandonou-me. Não tenho curiosidade de a conhecer”.

Para finalizar, Ricardo Correia deixa uma mensagem a todos de “Boas Festas”, especialmente “aos que vivem na rua. Que passam estas festas sozinhos. Eu sei o que isso é, por isso, tenham respeito e compaixão por todos”.