goncalo novais
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A inclusão é um dos temas mais abordados nos últimos tempos e difundidos através dos novos meios de comunicação, mas será que é realmente percecionada? O Jornal A VERDADE conversou sobre o tema com Gonçalo Novais, natural de Penafiel, este sábado, 3 de dezembro, em que se assinala o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência.

A paralisia cerebral é uma doença que conhece de perto desde que nasceu, mas que não lhe traz “qualquer comprometimento a nível intelectual”. “Afetou a parte motora na medida em que tenho uma escoliose desde praticamente que nasci. Ou seja, a paralisia cerebral afetou-me o crescimento e o desenvolvimento musculo-esquelético e, portanto, fez com que eu acabasse por adquirir uma deficiência motora até aos dias de hoje e que me vai acompanhar até ao fim da vida”, explica.

Admite que nunca sofreu de bullying ou de discriminação ou exclusão no grupo de pares ou em ambiente escolar, mas sente interesse em ser ativo na temática da inclusão de pessoas com deficiência a nível pessoal e também profissional.

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“A única coisa que tenho a noção ou, pelo menos, que penso que está a acontecer ou que aconteceu foi que, se calhar, pelo facto de ter uma deficiência, vi-me limitado em termos de oportunidade de legalização. Óbvio que, se calhar, as oportunidades ficavam longe de casa e eu, em certas alturas da minha vida, não tinha autonomia para sair de casa por determinados condicionalismos, ou, então, porque, pura e simplesmente as pessoas olhavam para mim e excluíam-me imediatamente\de uma oportunidade, não porque eu não tivesse capacidades ou competências para tal, mas porque eu tenho uma deficiência”, recorda.

“O mercado de trabalho desvaloriza muito o valor do trabalho de uma pessoa com deficiência, porque o empregador sabe que não temos muitas opções e também não temos uma capacidade negocial muito grande para decidirmos onde é que queremos trabalhar e que salário queremos receber”, continua.

Gonçalo Novais acredita que, independentemente da deficiência que uma pessoa tem, “há sempre um rótulo ou um estereótipo” que se acaba por ter. “Há que ter aqui a noção de uma coisa que é muito importante quando se fala de inclusão e quando se fala também de medidas para promover a inclusão de pessoas com deficiência, que é o facto de termos de olhar para a deficiência como um fenómeno que não é uma simples lacuna ou carência de algo”, sublinha, exemplificando que algumas pessoas ligadas a órgãos de decisão política ou que estão em entidades e zelam pela materialização de políticas públicas no terreno “usam uma expressão de desvalorização do problema, que é a seguinte: «todos nós temos lacuna, todos nós temos deficiências»”.

“Acho que isso é, pura e simplesmente, negar o problema que está à nossa frente. É confundir duas coisas que são diferentes”, defende, explicando que: “Podes dizer que não sabes fazer determinadas coisas, mas não tens uma deficiência. A deficiência é uma coisa mais grave, muito mais estrutural, muito mais impactante, quer na forma como levamos a nossa vida ou na forma como temos oportunidades na nossa vida; quer na forma como os outros olham para nós”.

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“A forma como os outros olham para nós também é muito condicionada pela deficiência e pela forma como as pessoas concebem, à partida, aquilo que uma deficiência é e garanto que há uma discriminação objetiva e efetiva que se sente. Quando sabemos distinguir estas duas coisas, já damos um passo muito importante para sabermos como enfrentar a exclusão social ou exclusão social de pessoas com deficiência na sociedade em que vivemos”, esclarece.

Além disso, reconhece que as medidas ativas de emprego que existem para pessoas com deficiência são “muito precárias e muito temporárias” e “a remuneração associada a estas medidas é uma miséria, é inferior ao salário mínimo”. “Numa altura em que as pessoas andam com os pelos da pele tão eriçados por causa dos direitos humanos no Qatar, a verdade é que vivemos num país que tem medidas ativas de emprego no valor de 530 euros mensais, com os quais a pessoa com deficiência, se tiver acesso a estas medidas, tem de viver. Isto também um atropelo aos direitos humanos, também não é digno”, comenta.

“Eu sei que, quando vou procurar uma oportunidade, do outro lado está alguém que, se tiver o mínimo de inteligência, sabe que eu também não tenho grande oportunidade de escolha e talvez por isso é que também, se calhar, não tenha ainda atingido, em termos de atividade profissional concreta, um patamar à medida daquilo que são as minhas competências e potencialidades. Eu sei que as tenho. Só que uma coisa é eu saber que as tenho, outra coisa é o resto”, acrescenta.

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Aos 35 anos, Gonçalo Novais já realizou e continua a pôr em prática alguns projetos relacionados com uma das suas paixões, o desporto, e, atualmente, trabalha também com a Associação 2000 de Apoio ao Desenvolvimento, sediada em Peso da Régua, cuja missão é “a integração socioprofissional de pessoas com deficiência ou incapacidade”.

Aqui acaba por ter uma ligação direta quer com clientes de uma IPSS, como também com o “mundo da inclusão do ponto de vista legislativo e da forma como ela se opera no terreno”. “Até temos uma boa legislação, não é má, às vezes, é pouco ambiciosa nos valores e na duração, mas é abrangente e é interessante. Mas esbarramos ainda em algumas questões ligadas à tal discriminação, não é uma discriminação objetiva, é uma discriminação daquela mais monetária, que não se vê e é daquela em que é preciso partir pedra para mudar mentalidades e para pôr as pessoas mais recetivas à ideia de cada vez mais fazerem com que as pessoas com deficiência sejam parte integrante daquilo que é o funcionamento normal de uma sociedade e isso ainda está muito longe de acontecer”, completa.

Na sua opinião, há várias medidas que poderiam ser adotadas com vista a uma maior inclusão das pessoas com deficiência que passam, em primeiro lugar, por “haver entidades que transmitam às empresas as medidas que existem à sua disposição”. “As pessoas desconhecem-nas e quando passam a conhecê-las até ficam recetivas a usá-las, portanto, começa logo por aí. Acho que seria interessante, por exemplo, associações empresariais da região, as câmaras municipais estarem na linha da frente no esclarecimento e na junção de empresários e de dirigentes de instituições do setor social para tomarem conhecimento das medidas existentes no sentido de uma inclusão efetiva dos cidadãos no mercado de trabalho”, exemplifica.

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Existe ainda a questão das acessibilidades e do acesso, “não só a equipamentos ou a serviços públicos, ou até estabelecimentos comerciais, etc., mas também a serviços de lazer e culturais”. “Acho que está a haver aí uma sensibilização grande de algumas forças vivas da nossa sociedade no sentido de facilitar o acesso das pessoas com deficiência à cultura e ao lazer, ou seja, à possibilidade de irem a um discoteca, se quiserem, de irem a um espetáculo de teatro, se quiserem, de assistirem a um concerto de uma forma mais confortável, se quiserem. Portanto, acho que esse movimento tem de ser amplificado porque alguns de nós ou muitos de nós também gostam de música, gostam de cinema, gostam de desporto… gostamos de nos divertir”, confessa.

Para além disso, existem aspetos da vida diária como a adaptação, em alguns transportes públicos, à entrada de pessoas com cadeira de rodas e que as empresas fornecedoras dos produtos “pensem na pessoa com deficiência antes de lançar coisas para o mercado”. Aqui, Gonçalo Novais lembra que existem pessoas que têm dificuldades a abrir uma embalagem de leite ou uma lata de um refrigerante, por exemplo. “Cada vez mais as empresas e quem fornece os produtos e embala-os tem de começar a ter a noção de que, do outro lado, pode haver consumidores que não tenham facilidade em abrir aquele tipo de embalagens e em consumir aquele tipo de produtos da forma como estão embalados. Até porque o que é mais fácil para nós, acaba por ser mais fácil para vocês também, acaba por também vos incluir numa vida bastante mais fácil. Estas pequenas coisas mais genéricas acho que já são muito do que se poderia fazer para que a vida de uma pessoa com deficiência melhorasse imenso”, conclui.

Gonçalo Novais apelou ainda a que ajudem as pessoas com deficiência “a ter voz, a ter uma presença cada vez mais forte no espaço público e na opinião pública, porque sem essa voz é muito mais difícil condicionar os poderes públicos a serem mais ambiciosos na hora de materializar políticas públicas de apoio e de potenciação da inclusão socioprofissional”.

“Também queria deixar um apelo para que tenhamos uma postura pedagógica para com aqueles que se mostrem interessados no nosso tema. Envolvê-los, acarinhá-los, ouvi-los e esclarecê-los no âmbito de tudo aquilo que são as questões e as dúvidas que tenham, porque, quando uma pessoa mostra interesse na temática da inclusão, é porque está disposta a ajudar e toda a pessoa que está disposta a ajudar será bem-vinda porque esta é uma causa de todos”, finaliza.