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Provedor da Misericórdia de Lousada: "A maioria não está preparada para ser cuidador informal"

Redação

Em setembro de 2019 era aprovada a Lei n.º 100/2019 que conferia o Estatuto de Cuidador Informal e estabelecia um conjunto de normas que regulam os direitos e deveres do cuidador e da pessoa cuidada e estabelece as respetivas medidas de apoio. Uma função e um papel que Bessa Machado, provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lousada, conheceu na primeira pessoa, anos antes da legislação.

Há cerca de 16 anos, quando se tornou cuidador informal da esposa, "não conhecia muito bem o termo", mas com o "viver do dia a dia" passou a ter a "verdadeira consciência do que é ser cuidador. Passei a vivenciar uma situação de que só ouvia falar, mas não tinha noção das suas dificuldades. E só o soube quando o vivi", começa por contar.

Recorda que passava "entre 15 a 16 horas por dia" junto da mulher e, percebeu, na primeira pessoa, a "dureza que da missão, o desgaste físico que existe, mas sobretudo, psicológico. Essa experiência fez- me pensar no grau de dificuldade que teriam outras pessoas sem condições económicas e sem ajudas, abandonadas pelo estado que nunca quis saber delas e, em muitos casos, abandonadas pelos familiares que deveriam ser corresponsáveis". Da experiência pessoal como cuidador informal nasceu em 2019 o projeto CACIL - Centro de Apoio ao Cuidador de Lousada, que pretende apoiar os cuidadores informais e minimizar o impacto da sobrecarga na vida do cuidador. "Do projeto consta, em primeiro lugar, o levantamento de todos os cuidadores do concelho. Dificilmente se tem noção do número de pessoas que estão nessa situação. Tomando por base as estatísticas nacionais, só em Lousada devem existir cerca de cinco mil cuidadores informais. Já identificamos quase mil embora só estamos a acompanhar cerca de metade. Mas era ao Estado que caberia cuidar dos cuidadores informais até porque estes, ao cuidarem de quem precisa, fazem um papel que ao estado compete".

O estatuto, aprovado há quatro anos, foi "um primeiro passo" para a mudança, mas Bessa Machado considera que ainda é "muito insipiente para as reais necessidades". Enquanto cuidador confessa que não teve a "necessidade de abandonar a atividade profissional", mas reconhece que "há muitas pessoas que se viram obrigadas a fazê-lo e se dedicam a tempo inteiro num espírito de missão extraordinário, que exige sacrifício e sofrimento".

Mas o que é isso de ser cuidador informal? "É algo em que qualquer um de nós se pode tornar de um dia para o outro. Basta para isso que nos toque ter em casa o marido, mulher, filho ou outro, com doença incapacitante, dependência ou deficiência grave. Mas a maioria não está preparada, nem física, nem psicologicamente, porque o desgaste físico e psicológico é muito elevado dependendo do tipo de doente. Uma coisa é cuidar um dia de alguém, outra coisa é cuidar uma semana, um mês, um ano ou anos", afirma o provedor. E em muitos casos, ser cuidador é "ter de deixar o emprego, é esquecer-se de si e nem poder tratar da própria saúde", porque a vida da pessoa cuidada é a prioridade. "Diria até que, em muitos casos, é de uma violência muito grande e só é possível por espírito de missão e uma enormíssima dose de amor pelo outro".

Em entrevista ao Jornal A VERDADE, Bessa Machado confessa que todos os cuidadores informais acabam por secundarizar a própria vida para cuidador de quem deles precisa. "Quando a minha mulher adoeceu, de certo modo, eu adoeci com ela. Ela passou a ser o centro das minhas preocupações e as minhas funções passaram para segundo plano. Eu sabia que ela nunca mais ia ficar bem, mas o que os cuidadores pretendem é, dentro das limitações que têm, que a pessoa de quem cuida esteja o melhor possível em todos os aspetos".

O provedor da Santa Casa da Misericórdia de Lousada termina deixando uma mensagem para todos os cuidadores informais. "Para os que chegaram agora a essa condição, colham informações nas instituições que tenham apoio ao cuidador e que, em Portugal, ainda são poucas. Façam alguma formação para a função de cuidar, pois há pequenas coisas que podem ajudar muito. É claro que é preciso amor, dedicação e compaixão. E uma entrega incondicional. E para os cuidadores informais em geral, a minha homenagem pela missão que prestam a quem sofre, algo que me permite classificá-los de pessoas verdadeiramente extraordinárias".

O concelho de Lousada instituiu novembro como o Mês Municipal do Cuidador.