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Maria João Lopes, de 38 anos, foi uma das dez finalistas da edição deste ano do Global Teacher Prize Portugal, uma distinção que tem por objetivo valorizar a importância dos professores no desenvolvimento do país e de cada comunidade onde está inserido.

Tinha 23 anos quando começou a exercer e, passados 15 anos, não se imagina a “ter outra profissão que não o ensino“. Maria João Lopes é natural de Lamego, mas a atividade profissional fê-la rumar para uma terra “muito acolhedora” e uma região “que fervilha juventude” e, hoje, sente-se amarantina.

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Atualmente, é professora de Biologia e Geologia no Colégio de São Gonçalo de Amarante, onde leciona desde 2009, e diretora do Curso de Biotecnologia Aplicada e Coordenadora do Programa Eco-Escolas.

Conhecida como uma educadora inovadora que implementa métodos de ensino não convencionais, Maria João Lopes partilha com o Jornal A VERDADE o início de uma carreira que, “sem qualquer dúvida”, voltaria a escolher.

Ser professora era um sonho de infância? 

Era de facto um sonho de infância e decidi que queria ser professora no 11.º ano. Enquanto estudante percebi que tinha algum talento, não só para comunicar, como os meus colegas me diziam que tinha muito jeito para explicar e ajudar os outros. Não tinha ninguém na família na área, foi uma uma paixão que despertou com tenra idade. Entrei na faculdade na primeira opção, num curso de ensino na Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro.

E porquê a área da Biologia e Geologia? 

A minha ligação às ciências exatas e naturais surgiu desde muito nova. Tive sempre muito bons resultados, mais na parte das ciências exatas e era uma grande paixão. Desde pequena que tenho um encanto especial e contacto muito próximo com a natureza e é isso que tento incutir aos meu alunos. 

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Na faculdade teve a confirmação do gosto pelo ensino? Foi aí que percebeu que, de facto, queria ser professora? 

Sem dúvida alguma, principalmente quando cheguei ao momento do estágio pedagógico. A minha licenciatura foi pré-bolonha, em que o estágio fazia parte do curso. No estágio não tive qualquer dúvida, era mesmo a minha praia, onde me sentia bem, no meio dos alunos, a ajudar, a esclarecer dúvidas. Não me conseguia imaginar a ter outra profissão que não o ensino e não me arrependo da escolha, nem um bocadinho. Há sempre um ou outro constrangimento, mas do ponto de vista pedagógico e didático é uma paixão e um envolvimento tão grande que não mudava de profissão, não tenho a menor dúvida. 

É descrita como uma educadora inovadora e que implementa métodos de ensino não convencionais. O que contribuiu para isso?

Essa descrição está relacionada com o projeto que tenho vindo a desenvolver há cerca de cinco anos. No Colégio de São Gonçalo tive a oportunidade de criar uma disciplina – “BSI – Biodiversidade Sob Investigação”- de oferta complementar e tive a possibilidade de desenhá-la de forma, considerada hoje, inovadora. As aulas são lecionadas, maioritariamente, ao ar livre e são dirigidas a alunos do quinto ano. Os alunos investigam a biodiversidade local, são pequenos investigadores, e sempre que encontram uma espécie nós desenvolvemos outras aprendizagens a partir da espécie que foi encontrada. O BSI tem a ver com o trocadilho do CSI, a conhecida série criminal. Daí ser considerado um método inovador, porque foge ao currículo tradicional e àquilo que é comum. 

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A vontade de criar a disciplina parte da experiência, de longos anos, como professora? 

Leciono há 15 anos e o que me diz a experiência é que, por vezes, a dificuldade está na motivação dos alunos. Para chegar a eles o difícil é que tenham espírito crítico, curiosidade e quando estão no quinto ano, com dez anos, é o momento que considero ideal para estimular nas crianças o gosto pela natureza, pela ciência. É uma idade em que fervilham curiosidade e não se pode desperdiçar essas capacidades. 

Com essa idade, enquanto aluna, sentiu que faltavam projetos que a motivassem? 

Sim, sem dúvida. Recordo-me que, há 28 anos, a escola era muito mais formal, os conteúdos eram lecionados de uma forma muito mais teórica, a escola não é a mesma. Havia um receio de sair do convencional e ainda hoje, às vezes, há essa resistência. No entanto, considero que os professores de hoje em dia têm de acompanhar os alunos. No meu caso, se for preciso sair da sala de aula e deitar-me na relva faço-o com eles e tudo para que os índices de motivação se mantenham altos, para que as aprendizagens sejam desenvolvidas em forma de competência e não em forma de conteúdo.

A proximidade é o primeiro passo para se estabelecer uma boa relação de aprendizagem entre aluno e professor. Quando estamos com os alunos diariamente apercebemo-nos que ao lecionar estamos a transmitir não só o conteúdo, mas também valores que nos são inerentes. Eles seguem o professor pelo que ele diz, assim como pelo exemplo. Ouço, em algumas profissões, profissionais a dizerem que separam a vida profissional da vida pessoal, mas eu confesso que tenho alguma dificuldade, porque não consigo deixar de ser professora. Ser-se professor não é apenas uma profissão, é um sentido de missão. 

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Foi esta forma de ser e de estar na profissão que a levou a ser uma das dez finalistas do Global Teacher Prize Portugal? 

Considero que fui uma das finalistas por ter apresentado este projeto diferenciador, com uma experiência pedagógica diferente e foi isso o mais positivo de ser finalista. A partilha de experiências pedagógicas, projetos inovadores, vivências em contexto escolar, tudo isso pode dar um contributo muito grande para a evolução do mundo da educação em Portugal.

O facto de ter sido nomeada significa que o ensino em Portugal está recetivo a programas diferentes? 

Claro. Fomos apoiados e parabenizados pelo secretário de estado da Educação, fomos muito bem recebidos pelo presidente da Assembleia da República, que louvou estas iniciativas e o presidente do Conselho Nacional da Educação quis ouvir cada um dos projetos. Louvam e gostam que se divulgue este tipo de projetos diferenciadores. Já em Amarante sinto que as entidades locais têm muita abertura para projetos escolares, apoiam e, isso, para um professor é ótimo.

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Foi um orgulho para si e é recompensador com tantos anos de trabalho e dedicação? 

Claro que sim, mas confesso que o maior reconhecimento, para um professor que ame aquilo que faz, vem dos alunos e ex-alunos. Emocionei-me muito quando li algumas cartas de recomendação dos meus antigos alunos, que tocaram o coração com as palavras. Leciono no colégio de são Gonçalo há 15 anos consecutivos e já tive, ao longo da carreira, a possibilidade de acompanhar alguns alunos desde o 5.º ao 12.º anos. Viu-os crescer e esse acompanhamento faz com que haja uma visão muito clara do impacto que um professor tem numa criança.

Se iniciasse hoje a profissão os desafios seriam diferentes? 

O professor tem se de reinventar em função do trabalho que tem pela frente. No meu caso, todos os anos, tenho novos desafios. Portanto, se começasse a lecionar hoje era só mais um desafio como todos os anos tenho. 

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Quais são as características que acha mais importantes num professor? 

Empatia. A capacidade de perceber que o aluno tem o seu contexto, a sua história, as suas características individuais e que a forma de levar o aluno a aprender é respeitá-lo como ele é. Só a partir daí é que se constrói a aprendizagem. Para mim um bom professor é, acima de tudo, aquele que respeita o aluno.

E o que falta hoje no ensino? 

Na minha opinião falta divulgar aquilo que as escolas fazem, porque na verdade acho que há algumas ideias erradas sobre o que se faz no ensino em Portugal. Tive a oportunidade de conhecer os projetos dos meus colegas finalistas e fiquei muito feliz de saber que aquilo que é a escola pública e a escola privada em Portugal não é propriamente a ideia que passa para os órgãos de comunicação social. Faz-se muito bom trabalho na escola portuguesa. Infelizmente, acho que passam muitos casos negativos e se valorizássemos mais os aspetos positivos, a capacidade diferenciadora de cada professor, os projetos inovadores que se fazem, aí sim, conseguíamos mudar um bocadinho a visão daquilo que é a escola em Portugal.