O presidente da Câmara Municipal de Baião, Paulo Pereira, escreveu um texto nas suas redes sociais, em tom de "desabafo", sobre os incêndios que assolaram o país.
Recorde-se que o concelho de Baião ardeu em várias frentes entre segunda e quarta-feira provocando vários danos.
Leia o texto na íntegra
Morte aos Autarcas?
Andava com a ideia de escrever isto desde quarta-feira.
E o que a seguir vai escrito é assim uma coisa - um "desabafo" – num meio-termo entre o Autarca e o Cidadão. E como é um desabafo, demora um bocadinho. Cá vai…
Os incêndios que assolaram o Norte e Centro do País nos últimos dias assumiram uma proporção nunca vista. Em linha com muitos outros fenómenos extremos que estão a acontecer por todo o planeta, associados, entre outros factores, às alterações climáticas.
Os incêndios que lavraram em Baião, entre segunda e quarta-feira, para além da devastação e dos prejuízos que causaram, confrontam-nos com uma realidade que – dizem os especialistas – se vai repetir com mais frequência.
"Nunca se viu nada assim" foi das frases que mais se ouviu por esses dias. A conjugação da alta temperatura, com a baixa humidade, com o forte vento e com a orografia, levou a velocidades de propagação das chamas 3 a 4 vezes superiores aos piores incêndios conhecidos em Baião. O Comandante dos Bombeiros Voluntários de Baião dizia ontem numa reunião que, para um mesmo local, o incêndio destes dias queimou tanto em 4 horas como o forte incêndio de 2022 queimou em 24 horas.
E - sabe-se - este cenário foi idêntico nas centenas de incêndios que ocorreram quase em simultâneo pelo País. Certamente por isso, e porque os recursos são finitos, sentimos fortemente a falta de meios aéreos e de operacionais. E para dificultar, tivemos momentos de falta de água (o incêndio provocou muitas roturas na rede), de falta de comunicações e da falta de electricidade.
Tenho muita dificuldade em acreditar em milagres. Mas, a existirem, um deles ocorreu por estes dias, nomeadamente na 2ª feira.
E aqui, enquanto Autarca e Cidadão, quero reiterar o meu profundo reconhecimento à acção desenvolvida por todos os agentes da Protecção Civil envolvidos, nomeadamente dos Bombeiros Voluntários de Baião e de Santa Marinha do Zêzere (e neles, às outras corporações externas que nos ajudaram); da GNR nas suas diversas valências; do Comando Sub-Regional de Emergência e Protecção Civil; dos Autarcas de Freguesia; dos senhores Padres, das IPSS,s envolvidas; do ICNF; da Águas do Norte, dos Sapadores Florestais da CIM, da E-Redes, dos particulares e empresas que cederam equipamentos diversos, e de todas as outras entidades que ajudaram. Uma palavra, ainda, para as dezenas de funcionári@s da Câmara e para a população em geral, que contribuíram de forma exemplar para que a situação não fosse muito pior.
A tod@s presto a minha homenagem, pela forma abnegada e corajosa como se envolveram na defesa das vidas e do património público e privado.
Entretanto, e como se compreende, por estes dias, o "Autarca" Paulo Pereira esteve 100% dedicado a este assunto. E no pico dos incêndios, a maior parte do tempo no Posto de Comando instalado no Gôve.
A par com o desespero e angústia que cada cidadão sente quando o fogo se aproxima ou chega mesmo a sua casa, no Posto de Comando lida-se com a angústia da decisão da melhor resposta às inúmeras situações problemáticas que estão a ocorrer em simultâneo pelo território. E quando os recursos são manifestamente insuficientes em função de uma dada realidade, a angústia é muito maior, por haver um sentimento de quase impotência. E é nesses momentos de grande tensão que emergem as melhores características dos lideres/decisores. O discernimento, a cabeça fria, os nervos de aço, a calma, a capacidade de antecipação, a assertividade, a perspicácia, a resiliência, a inteligência emocional, o conhecimento…
E, aqui, tenho que destacar, porque testemunhei, o desempenho de 3 Comandantes: Alexandre Pinto, dos Bombeiros Voluntários de Baião; Márcio Vil, dos Bombeiros Voluntários de Santa Marinha do Zêzere; e de José Alves, da GNR de Baião. Que desempenho!...
Enquanto Autarca, a minha presença, para além das questões de responsabilidade institucional e de articulação com entidades estatais diversas, foi de garantir que – no que dependesse da Autarquia – nada faltasse a quem, em cada momento, estava a comandar. A Autarquia correspondeu e disponibilizou tudo o que foi solicitado, nomeadamente pelos Bombeiros. Eu próprio, o Vice-Presidente, Filipe Fonseca, ou a Coordenação Municipal da Protecção Civil, garantiram isso.
Em função da tragédia que estava a acontecer e do respectivo contexto, a decisão de priorização de emergências foi uma constante. Assim, em função dos meios materiais e humanos disponíveis, a prioridade máxima foi – sempre – salvar vidas. E, a esta distância, já se poderá dizer que em dados momentos, no Posto de Comando, se chegou a temer o pior. O Vice-Presidente, Filipe Fonseca, chegou a ir ao terreno validar duas situações em que chegou informação de que poderia haver vítimas mortais. Felizmente não se confirmaram.
Uma palavra, entretanto, para os Bombeiros feridos no teatro de operações, felizmente em recuperação positiva, mas que, em alguns casos, correram sério risco de vida. Neles, solidarizo-me, também, com todos outros eventuais feridos.
Infelizmente não foi possível salvaguardar todos os bens materiais. De facto, para além dos grandes danos infligidos à nossa floresta, foram registadas muitas perdas. Assim, uma palavra de profunda solidariedade para tod@s aquel@s mais afectad@s por estes incêndios. Aquel@s que perderam as suas habitações, as suas culturas, os seus veículos e máquinas, os seus animais, os seus haveres em geral. A Autarquia, em articulação com as respectivas Juntas de Freguesia, está já, e desde a primeira hora, a acompanhar todas as situações para que se possam encontrar respostas que minimizem a dor e os danos materiais.
A própria Autarquia foi muito afectada em diverso património público. Poderíamos ter alocado os funcionários e as máquinas/cisternas da Câmara na sua defesa, mas como disse, a prioridade foi salvar vidas (Ver nota 1)
Queria, para finalizar esta parte relativa ao "Autarca", agradecer as inúmeras mensagens de apoio e solidariedade, para comigo e para com os Baionenses, que recebi de muitas instituições e personalidades, de dentro e de fora do País.
Agradeço a tod@s, recorrendo a duas dessas mensagens.
De Yannick Boëdec, Presidente da Câmara de Cormeilles-en-Parisis , cidade Francesa geminada com Baião, que para além da solidariedade, questionou se necessitaríamos de algum tipo de ajuda.
E da Ana Raquel Azevedo, Presidente do PSD de Baião, que não se importará que eu aqui divulgue: "Caro Paulo Pereira, há momentos que transcendem qualquer cor ou divergência. Deixar-lhe uma palavra de coragem e acima de tudo de esperança. Da minha parte e da parte do PSD Baião, estamos disponíveis para ajudar no que for necessário". E sei que tentou ajudar.
Sei que o texto vai longo, mas deixem-me agora despir um pouco a pele do "Autarca" e vestir a do "Cidadão" Paulo Pereira. Que também tem (alguma) vida própria, uma Família linda, muitos Amigos e alguns bens.
Também estes dias foram desafiantes…
Também a minha mãe, que faz 93 anos no próximo dia 26, se viu ameaçada pelas chamas. Estava, então, na casa do meu irmão mais velho, na Portela do Gôve, que apesar de se localizar em perímetro urbano, teve ainda alguns espaços chamuscados. Tivemos muita dificuldade em convencê-la em sair de lá. Tive que lá ir eu e "obriguei-a" a ir para minha casa.
A minha filha mais velha, por estes dias em teletrabalho em minha casa, enquanto trabalhava, tomava conta do meu filho mais novo que, por esses dias, não teve escola. Quando o incêndio chegou à Aboboreira e começou a descer, ali por cima de Penaventosa, passou, também por momentos de grande angústia, e foi preparando as mangueiras, não fosse alguma faúlha cair no palhuço do terreno ao lado.
A minha filha mais nova estava na universidade, em Guimarães, queria vir para junto da família, "para ajudar no que fosse preciso", mas não se sabia se podia cá chegar, por causa dos cortes das estradas;
A minha esposa, para além do trabalho e da "gestão familiar", tem prestado assistência familiar inadiável, todos estes dias;
À minha irmã mais velha, arderam-lhe uns anexos com um Jipe e um tractor novo, para além de outras alfaias, em Santa Leocádia;
A minha irmã mais nova, mais o meu cunhado, por mão própria, defenderam até à última o avanço das chamas sobre a sua casa em Lordelo, Ancede. Ardeu tudo à volta menos a casa.
Ao outro meu irmão, ardeu-lhe toda a quinta da Ribeira, no Gôve, casa (devoluta) incluída.
A mim, ardeu-me, apenas, um pequeno monte, no Gôve, junto de casas. Tinha-o limpado em Março.
Em princípio a minha Família linda comemorará, conjuntamente, o aniversário da minha mãe e de mais um meu irmão no dia 29 deste mês!
Para terminar, volto, novamente, ao papel de autarca.
Alguém próximo, por estes dias, comentou comigo que alguém, nas redes sociais – esse palco privilegiado para outros "grandes incêndios" -, me terá – directa ou indirectamente – desejado a morte, pelo que estava a acontecer.
Naturalmente a Autarquia e eu enquanto Autarca, conheço e reconheço a respectiva responsabilidade. E sei que uma das questões mais sensíveis é a limpeza dos terrenos (Ver nota 2).
E tenho que compreender que, em situações de tragédia, haja pessoas que reajam de forma emotiva, e nem sempre da forma mais clarividente, mais ponderada e mais justa.
E sendo que quem está nestes cargos tem que estar preparado e vai estando habituado a críticas e ataques gratuitos, nomeadamente através das redes sociais, apelo, aqui à sensatez, à ponderação e à prudência em relação àquilo que se diz e que se escreve.
As redes sociais deveriam servir para socializar e não para destilarmos ódio, frustrações, desconfiança, e nos pôr uns contra os outros.
E nos momentos como este em torno dos incêndios - de tragédia, de tensão, de perigo e de medo -, já nos bastam os incendiários de fósforos. Não são necessários outro tipo de atitudes incendiárias.
Nada como, perante os problemas, fazermos parte das soluções.
Termino, com uma sentida homenagem e um forte abraço solidário a todos os Autarcas (Câmaras, Assembleias e Freguesias) que, tal como eu, lidaram e ainda estão a lidar com uma situação tão difícil, na sua dupla faceta de Autarcas e Cidadãos.
Cá por mim, cá continuarei, como sempre, de cara levantada, a fazer o melhor e que sei e que posso, com um rumo definido – e conhecido de todos -, sem vacilações, para cumprir com os Baionenses. E comigo, e com a minha consciência!
Nota 1:
Foram várias dezenas de funcionári@s da Câmara que se envolveram directamente no combate ao flagelo dos incêndios (apoio logístico, transporte, distribuição de refeições, evacuação de pessoas, apoio social, apoio psicológico, operação de maquinaria, transporte de água, entre outras);
Ardeu grande parte da Quinta do Mosteiro, incluindo 2 Estufas;
Ardeu grande parte da plantação de árvores que tínhamos feito recentemente na Serra da Aboboreira
As chamas chegaram a deflagrar no Centro Hípico de Baião, pondo em causa, para além do mais, a vida dos cavalos, bem como das dezenas de cães alojados no Abrigo Animal Municipal. A intervenção d@s funcionári@s, com a ajuda de uma cisterna, permitiu a sua extinção;
Arderam inúmeros contentores de lixo, ecopontos e paragens, que entretanto foram já repostos.
Nota 2:
No que diz respeito à responsabilidade da Autarquia, saiba-se que, por norma, a limpeza de vias municipais ocorre 2 vezes por ano (por vezes 3) e a limpeza de espaços e terrenos públicos ocorre 1 ou 2 vezes por ano, em função das suas características, nomeadamente se são em zona florestal ou em perímetro urbano.
Sendo que, em última instância a Câmara pode ter autoridade para os limpar e apresentar a factura ao dono, sejamos absolutamente claros: - desengane-se quem pensa que a Autarquia tem capacidade de se substituir ao particular e limpar todos os terrenos. Em Baião estima-se que haja cerca de 11 mil terrenos junto a habitações em zona florestal. Cada um deve fazer a sua parte!