ricardo ramos
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Ricardo Ramos é de Penafiel e está na Polónia há cerca de 10 anos, mais concretamente em Varsóvia. É engenheiro informático e gosta muito de lá estar. Contudo, as últimas semanas têm sido de muitas mudanças exatamente na cidade onde vive. O medo que a guerra continue e avance para outros territórios é algo presente, mas a solidariedade também se destaca.

Mas como é viver ‘paredes meias’ com um país em guerra? O Jornal A VERDADE entrevistou um emigrante de Penafiel na Polónia acerca do conflito entre a Rússia e a Ucrânia.

Na zona onde está, o que se observa do conflito? Estão a receber ucranianos ou estão a ser realizadas recolhas de bens?

Varsóvia é um ‘hub’ no que toca a transportes. Quando se quer atravessar a Polónia, regra geral, os comboios vão acabar por passar pela capital. Ora, nas zonas como as principais estações (são três) ou em centros de apoio a refugiados, há muitíssima gente. Se caminharmos em ruas não tão centrais, não notamos que estamos a viver uma situação anormal, mas, se formos a um hipermercado, conseguimos ouvir ucraniano a toda a hora.

No prédio onde eu moro também há gente a receber refugiados e, em geral, conheço várias pessoas que estão a colocar apartamentos e quartos à disposição de refugiados ucranianos. Também há muitas recolhas de bens e iniciativas. Posso dizer que, na minha empresa, tomámos a decisão de doar os nossos telemóveis e também adquirimos powerbanks e, em geral, a empresa quer apoiar iniciativas de empregados que queiram ajudar. Também a cada passo ligam-me para ajudar, coisas como ajudar a encontrar habitação, transportar famílias, etc.

Também temos assistido a algumas medidas de apoio mais oficiais, tais como transportes gratuitos para ucranianos, facilidades para a legalização cá e arranjar emprego, subsídios para se conseguirem estabelecer e também para quem quer receber famílias nas suas casas, etc.

Vive-se esta situação, na zona onde se encontra, com medo de que o conflito possa chegar à Polónia?

Sim e muito! Embora, regra geral, tenhamos todos, mais ou menos, os mesmos sentimentos no que toca a este conflito. Os polacos vivem-no com maior receio devido, não só à proximidade, mas também por questões históricas (por exemplo, muitos dos polacos têm ou tiveram familiares que lhes contaram histórias sobre como sofreram nas mãos dos russos). Creio que, nos últimos dias, e, ainda que muito ligeiramente, este receio tem melhorado, pelo menos, no que toca a uma possível invasão da Polónia, mas, apesar de tudo, todos estão com medo de armas nucleares.

No fundo, o que mudou na Polónia depois da escalada deste conflito na Ucrânia?

Eu creio que, em geral, a mudança é como em Portugal, embora aqui se viva mais intensamente por se estar mais perto do conflito: temos os refugiados a chegar; temos um movimento de solidariedade muito intenso; temos também o medo generalizado; temos também um ódio muito grande para com o Putin; e temos também alguma obsessão por um aumento da militarização.

Há também algum sentimento anti-russo por parte de algumas pessoas. Para dar um exemplo, há uma receita chamada “Pierogi Ruskie” (“Pierogi” – à moda da Rússia) e há quem defenda que se deva mudar o nome da receita.

Finalmente, temos também os preços a disparar (já estavam antes da guerra e agora, com as sanções, os preços continuam a subir e é previsível que assim continuem).

Considera que a Polónia está a lidar da melhor forma com esta situação que acontece num país vizinho? Quais são os números de pessoas acolhidas que são divulgados na Polónia?

Penso que, do ponto de vista do povo, a Polónia tem sido exemplar no que toca a solidariedade: os polacos estão muito empenhados em ajudar os refugiados ucranianos (que são 1,7 milhões, até à data) e têm dado o litro. Internamente, também houve algumas medidas que penso que são bastante positivas para ajudar quem, de repente, se viu sem nada e que está num país estrangeiro onde não conhece ninguém e que, ainda por cima, tem crianças para cuidar.

Já do ponto de vista de política externa – e, aí, a Polónia tem estado alinhada com a UE e a NATO no que toca a este assunto -, penso que tem deixado muito a desejar. Putin criou um incêndio e o bloco ocidental tem estado, metaforicamente falando, a deitar gasolina para cima desse mesmo incêndio.

Considera que a adesão da Ucrânia à União Europeia será algo positivo?

Em geral e por princípio, eu sendo da geração Erasmus – que é aquela que teve as condições para sair do país para qualquer cidade da UE como antigamente saíamos da nossa terra para ir viver para o Porto ou Lisboa -, vejo com todo o agrado a adesão da Ucrânia, pois isto permite uma maior proximidade e entreajuda entre os povos.

Ainda de um ponto de vista genérico, penso também que uma adesão à UE seria bastante positiva para o povo ucraniano, embora seja necessário que os próprios ucranianos tomem medidas a nível interno para poderem beneficiar disso (de salientar que o ranking da Ucrânia no que toca a corrupção é bastante mau).

Contudo e do ponto de vista do contexto atual, penso que há duas considerações que devemos ter em conta: A primeira é que a Rússia, pelo menos desde 2007, tem vindo a queixar-se da expansão da NATO e um dos argumentos de Putin para esta invasão da Ucrânia é a segurança da própria Rússia (recorde-se que, no dia 26 de janeiro, os EUA rejeitaram formalmente uma proposta da Rússia de que a NATO não se expandiria mais para o leste europeu).

Além disso, a Rússia e a Ucrânia estão, neste momento, em negociações e a Rússia apresenta quatro exigências: Crimeia parte da Rússia, reconhecimento das repúblicas de Donetsk e Luhansk, garantia na constituição ucraniana de que a Ucrânia nunca se juntará à NATO e a desmilitarização da própria Ucrânia. Ora, com este contexto, se lhe juntarmos uma segunda consideração, que é a militarização da UE e até a ideia de se criar um exército europeu, penso que aí se poderia criar novamente um problema muito grande com a Rússia. Se formos em frente com a militarização da UE, penso que poderemos estar a minar uma futura adesão da Ucrânia e penso que tal é desnecessário, já que a maior parte dos países da UE já faz parte de uma aliança militar.

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Como este conflito entre a Ucrânia e a Rússia e qual, na sua opinião, poderá ser um caminho com vista à solução?

Desde já, penso que este conflito poderia ter sido evitado se todas as partes tivessem tido a empatia e a boa vontade em entenderem-se. Houve um escalar de tensões e provocações desnecessárias e que resultou num crime que, mesmo que termine neste exato momento, já irá ter consequências muito sérias para centenas de milhões de pessoas.

No que toca à solução em si, vamos por pontos:

– Eu penso que a não adesão à NATO por parte da Ucrânia é essencial. Penso que, para a maioria dos ucranianos, pelo menos no seu dia a dia, estar ou não na NATO acaba por não fazer muita diferença. Se isso ajuda a manter a paz com a Rússia, então, penso que não se deve juntar à NATO (note-se que a ideia da NATO é ter-se paz e se se está em guerra para se entrar na NATO, então, isso acaba por ser um paradoxo).

– No que toca à Crimeia, penso que vai continuar na Rússia (este é um território que, historicamente, pertencia à Rússia e, com a dissolução da URSS passou a fazer parte da Ucrânia, até que a Rússia, vendo a aproximação da Ucrânia ao mundo ocidental, anexou-a em 2014, como todos sabemos).

– No que toca ao reconhecimento das repúblicas de Donetsk e Luhansk, penso que aí será aceitável deixar que sejam independentes e depois será esse povo a conduzir o seu próprio destino.

– Quanto à desmilitarização da Ucrânia, penso que este ponto é inaceitável e nem sequer faz muito sentido. Além disso, isto é o que a Rússia tem estado a fazer nestes últimos dias, que é destruir estruturas militares ucranianas.

Do lado da Ucrânia, não sei o que conseguirão obter em troca, mas penso que a Ucrânia também tem argumentos para fazer algumas exigências.

Não sei ainda como ficarão as coisas com o resto do mundo, pois, de certa forma, já estamos em guerra. As sanções vão trazer miséria, não só aos russos, mas também aos ucranianos e a nós próprios. Esperemos que isso acabe quando o conflito armado entre a Ucrânia e a Rússia acabe.

É ainda importantíssimo que ambas as partes saiam do conflito sem se sentirem humilhadas. Caso contrário, estaremos potencialmente a criar as condições para que, no futuro, apareça uma guerra ainda pior. Este foi um dos grandes ensinamentos da Segunda Guerra Mundial.

Se tudo isto falhar e/ou se o conflito evoluir para uma guerra mundial, há uma solução óbvia que passa pelo povo ser altruísta, em vez de egoísta: cada um de nós tem que rejeitar ir para a guerra. Temos que dizer aos nossos líderes que uma guerra é inaceitável e pedirmos aos outros, que estão do outro lado, para que façam o mesmo com os líderes deles. Se todos fizermos isto, garanto, a guerra acaba. E isto é possível, tal como ficou demonstrado pela Trégua de Natal entre soldados franceses e alemães, em 1914, que decidiram pousar as suas armas, trocar presentes e fazer uma futebolada.