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Diz o ditado que ‘as tradições já não são o que eram’ e Paula Cruz que o diga. Andava na telescola, “devia ter cerca de 10 anos”, quando começou a dar os primeiros passos nos bordados. Uma arte que aprendeu com mãe e da qual fez modo de vida. Naquele tempo, as famílias eram numerosas e os recursos mais escassos e, tal como muitas outras crianças, Paula Cruz viu-se ‘obrigada’ a entrar no mundo do trabalho “muito cedo. Tínhamos a telescola à tarde, nuns pavilhões em madeira. Quando acabava ia para casa bordar, nem tinha tempo de fazer os deveres. A D. Rosa – funcionária da escola – era minha amiga e deixava-me fazê-los antes de começar as aulas. Enquanto ela limpava a sala, eu sentava-me na última secretária e fazia os deveres. A professora devia desconfiar, mas éramos muitos irmãos e os eles eram mais tolerantes”, recorda.

Fazem já 40 anos desde que herdou os conhecimentos da mãe, mas mantém bem presentes as recordações daquela época. “Às vezes bordávamos 80 casacos de malha num dia só, a vida era muito difícil. Mas eu gostava de bordar, mas quando o senhor chegava com mais trabalho, ficava na entrada e eu dizia ‘lá vem ele com mais trabalho’. Pensava eu, era pequenita “, diz a penafidelense das Termas de São Vicente.

Paula Cruz com a mãe

Por volta dos 15 anos, “naquela fase que não queremos nada”, ajudou o irmão no café, e depois, “com cerca de 20” aventurou-se no mundo das feiras. “Estava a cuidar da minha mãe e fazia croché e algumas coisas para fora, mas nunca tinha feito nenhuma feira. Recordo-me, um dia, em que uma senhora esteve em nossa casa que gostava que trabalhasse para ela e disse ‘podias tecer para mim’. Mas eu nunca tinha aprendido, só ia para lá brincar. Pensei que podia tecer para mim e pedi à minha mãe para me ensinar”.

Começou então “a fazer algumas peças para as vizinhas. Uma trouxe-me uns novelos e teci umas toalhas. Depois, não sabia que valores devia cobrar e fui perguntar a umas senhoras. Foi aí que me disseram ‘podias participar na Agrival'”. A ideia ficou e em 1994 fez a primeira participação. “O meu primeiro ano foi uma risota, porque como só fazíamos encomendas para os clientes não tínhamos stock. Lembro-me que fizemos uns jogos de quarto, chegou uma senhora de Valongo comprou dois e fiquei sem nenhum. Eu pensava que não ia vender nada”, recorda com nostalgia.

Paula Cruz com a mãe

Desde a primeira feira até aos dias de hoje, “as coisas mudaram” muito, garante Paula Cruz. “Antigamente as pessoas usavam estas coisas, gostavam de fazer os enchovais, agora não“. Uma situação que se evidencia quando o tema são os mais novos. “Não se vêm muitos a trabalhar nisto. Eles até querem aprender, mas dizem que este trabalho faz doer as costas. Hoje em dia, as coisas são muito fáceis, clicamos no telemóvel e temos tudo. Já eu fui ficando com o bichinho e cresci noutro tempo”.

Das várias irmãs foi a “única” que se quis dedicar a tempo inteiro aos bordados e da mãe guarda “boas recordações. Ela passou-me tudo o que sei e tive sempre vontade de aprender. Nós todas sabemos trabalhar nisso, mas nenhuma quis assumir. Na altura uma passava a ferro e as outras teavam ou ajudavam a bordar. Hoje, vão ajudando nas coisas mais pequenas”.

Paula Cruz na última edição da Agrival (2023)

O negócio já não é o que era e “as pessoas já não fazem tantas encomendas. A partir de 2014 as coisas foram um bocadinho abaixo, mas em 2019 melhorou. Depois veio a pandemia e ‘abanou’ tudo outra vez tudo outra vez”. É uma área “um bocadinho incerta” garante Paula Cruz que apesar ter épocas em que andava “mais desanimada”, contou “sempre” com o apoio da mãe. “Estava sempre a dizer ‘filha não desistas’. Ela gostava muito disto, começou a tecer com 16 anos, porque os meus avós semeavam linho para os patrões e era muito habilidosa”.

A mãe faleceu em 2022 e as irmãs diziam-lhe “‘arranja um emprego’, porque isto não é algo certo, há alturas que temos mais, outras menos”, mas já não se imagina a “fazer outra coisa” e como diz “é uma questão de saber gerir. Até posso ganhar menos, mas também não quero fazer algo que não goste. Claro que o dinheiro também faz falta, mas não é tudo na vida. Às vezes estico as linhas para chegar ao fim do mês, é difícil, mas faço o que gosto e enquanto conseguir conciliar as minhas coisas com o trabalho e fazer o que gosto vou andando”.