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Padre Manuel Fernando: "Até dentro da própria família vive-se um individualismo aterrador"

Redação

O padre Manuel Fernando, natural de Castelo de Paiva e atualmente pároco em Alfena, partilhou recentemente reflexões sobre a sua vocação, os desafios da Igreja e as suas expetativas para o ano jubilar de 2025. Aos 51 anos, o sacerdote, também presidente da Irmandade dos Clérigos, revelou como a sua trajetória foi moldada por momentos de dúvida, amadurecimento e compromisso.

A sua ligação à vida religiosa começou cedo, com um convite feito pelo pároco da sua paróquia de origem, durante visitas pastorais do Bispo do Porto, em 1985/86. "Com 12 aninhos achei piada ao convite, mas não temos propriamente uma perspetiva de futuro… agradou e acabei por ir com um colega para o seminário, para um pastor em Ermesinde", recorda.

Desde muito jovem, o padre Manuel Fernando esteve profundamente envolvido na vida paroquial. Frequentava a catequese e guarda boas memórias dos seus catequistas, enquanto a sua mãe estava ligada ao Grupo Coral da igreja. A vida comunitária fazia parte do seu quotidiano e da sua formação, mesmo assim quando tomou a decisão, a família, sobretudo a mãe, ficou reticente, mas com o tempo respeitaram e apoiaram a sua jornada religiosa.

Ordenado sacerdote em 1998, o padre Manuel iniciou o seu ministério em Alpendorada e Matos e São Lourenço do Douro, onde permaneceu por 16 anos. Entretanto, em 2014 começou a liderar a comunidade paroquial de Alfena, onde permanece até hoje. Embora marcado pela forte vivência comunitária da sua infância, o percurso até à ordenação incluiu momentos de questionamento: "Houve uma pequena dúvida, se valeria a pena continuar ou seguir outro caminho, mas decidi assumir esta minha vocação".

Ao longo de meio século de vida sacerdotal, incluindo a celebração das bodas de prata, o padre Manuel Fernando reflete sobre as profundas mudanças vivenciadas na Igreja e na sociedade, algumas "desafiantes" outras "extraordinárias. Olho para o futuro e para a evolução como desafios constantes. Procuramos adaptar e ajustar a linguagem pastoral à realidade que vamos vivendo. É essencial saber ler as expetativas das pessoas e ajudar as comunidades a fazer um percurso que as torne verdadeiramente felizes, conscientes e responsáveis. Procuramos, acima de tudo, promover uma vida feliz para todos."

A Igreja, segundo o padre, atravessa um momento de grande reflexão e exigência. "Nunca houve um mundo onde se afirmasse tanta pobreza e, ao mesmo tempo, víssemos tanto desperdício e abundância. Esta é a nossa grande agonia: como transmitir às pessoas e às entidades que é preciso uma distribuição justa, que permita a todos viver com o mínimo de dignidade?".

Para o padre Manuel, o contexto atual traz um desafio crucial: comunicar algo de valor a uma sociedade que parece ter tudo. "Como é que mostramos às pessoas que, apesar de parecerem saturadas e terem tudo à mão de semear, algo ainda lhes falta? Como fazemos despertar nas pessoas a sede e a fome de sentido para a vida e de verdadeira felicidade, quando elas estão tão atarefadas com coisas que, no final, trazem desalento e até um vazio que se traduz em infelicidade?", sublinhando ainda que a doutrina cristã insiste na importância de sermos atentos e cuidadores uns dos outros. "Precisamos de despertar a atenção com o outro num mundo onde há tantas distrações que captam o nosso foco."

O isolamento crescente, sobretudo entre os jovens, também preocupa o sacerdote. "Antes, era difícil fazer as crianças ficarem no quarto para estudar. Agora, o desafio é tirá-las do quarto, onde não estão a estudar, mas estão ligadas a tudo. Só saem para ir ao frigorífico. Até dentro das famílias vive-se um individualismo aterrador. Como explicamos às pessoas que viver assim é desperdiçar o melhor da vida Como fazemos com que sintam o gosto dos encontros, das relações humanas? Se perdermos isso, ficamos mais pobres".

Com a chegada de 2025, um ano jubilar, o padre Manuel encara este momento como uma oportunidade única. "Criamos grandes expetativas. Este é um ano de esperança, de revitalizar a vida, as comunidades e as pessoas. É um tempo para reencontrar o perdão e a reconciliação, para alcançarmos a comunhão e vivermos verdadeiramente em paz".