jose carlos pereira opiniao
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As eleições do passado dia 10 colocaram Portugal perante um quadro político inédito, na medida em que passámos a contar com três pólos políticos: PSD, PS e Chega. O resultado alcançado pelo partido de André Ventura foi verdadeiramente surpreendente e, com os seus 50 deputados, que representam cerca de 1.170.000 votos, o Chega passa a ser determinante nas contas à direita e terá um papel relevante na próxima legislatura.

As cenas caricatas dos últimos dias, em torno da eleição de José Pedro Aguiar-Branco como presidente da Assembleia da República, foram um aperitivo para os tempos conturbados que aí vêm.

A Aliança Democrática (AD), que ganhou as eleições à justa e ficou abaixo das expectativas criadas, prepara-se para formar governo. Espera-se que amanhã Luís Montenegro apresente a composição do executivo a Marcelo Rebelo de Sousa. Ficaremos então a conhecer as suas apostas para um governo que lutará mês a mês pela sobrevivência, uma vez que os 80 deputados da AD, a que podemos juntar os oito deputados da Iniciativa Liberal (IL), estão longe de garantir uma governação estável e duradoura.

Terminada a especulação acerca da participação da IL, sabe-se já que o governo apenas incluirá representantes do PSD e do CDS. A presença da IL, que nas eleições também ficou aquém dos objectivos de crescimento a que se propôs, apenas se justificava na perspectiva de o PSD pretender aglutinar sob a sua alçada toda a direita democrática. Mas o perfil mais irreverente e irreflectido da IL acabaria por acrescentar problemas a um governo da AD que terá de ser coeso, determinado e alinhado nas suas políticas e iniciativas.

Luís Montenegro deve optar por concentrar-se na execução dos fundos europeus e do Plano de Recuperação e Resiliência, na gestão do excedente orçamental que herda do governo cessante e na resolução das reivindicações mais prementes. Desse modo, implementa as medidas mais populares e procura reforçar a empatia com os portugueses, com o objectivo de chegar à negociação do orçamento para 2025 numa posição mais favorável.

A via alternativa seria procurar desde o início uma confrontação com a oposição, designadamente na Assembleia da República, que conduzisse à queda do governo e a novas eleições em breve. A AD não vai certamente enveredar por esse caminho.

O PS perdeu quase 490.000 votos face a 2022, mas essa derrota acaba atenuada pelo facto de ter ficado apenas a cerca de 54.500 votos do resultado da AD. Foi a menor diferença de sempre entre as duas forças mais votadas numas eleições legislativas. Esse resultado e a circunstância de Pedro Nuno Santos ter escassos meses em funções como secretário-geral do PS não coloca em causa a posição do líder socialista, como se viu, de resto, nas reuniões dos órgãos nacionais do PS entretanto realizadas.

Pedro Nuno Santos esteve bem ao antecipar que não viabilizará moções de rejeição e que está disponível para concertar medidas direccionadas a determinados sectores profissionais. Como também fez bem em afirmar que o PS deve ser a alternativa à AD, não deixando esse espaço para a extrema-direita.

Caberá agora ao PS olhar para dentro de si próprio e encontrar explicações para a perda de votos verificada desde as eleições de 2022 e para as dificuldades em atrair o voto de determinadas classes etárias e profissionais. Os mais jovens, sobretudo, afastaram-se das propostas socialistas e isso deve interpelar seriamente os dirigentes do PS.

Jovens e menos jovens, descontentes, renitentes, habituais abstencionistas, saudosos de um passado distante e militantes do protesto, todos juntos formaram um caudal que resultou na grande votação do Chega. Construir algo a partir desse resultado será uma tarefa quase impossível para André Ventura. Por um lado, os votos que alcançou foram mais contra a “situação” e contra os ditos partidos do regime do que propriamente a favor das ideias e dos princípios do Chega. O país não tem um número tão grande de xenófobos, racistas e extremistas.

Por outro lado, se o PSD lhe fechar a porta, o que pode fazer Ventura com os seus votos? Política de terra queimada e obstrução sistemática ao governo? De que servirá, em termos práticos, ter votado no Chega? Os eleitores do Chega preferem soluções ou confusão e arrivismo permanente?

Lidar com o Chega, e sobretudo com os eleitores do Chega, é um grande desafio para PSD e PS. Se o PSD optar por se aproximar das reivindicações do Chega para se manter no poder, isso poderá ser um presente entregue nas mãos do PS. Ficaria mais fácil demarcar linhas vermelhas com os que transigem com forças que se guiam por valores políticos, humanistas e civilizacionais retrógrados e, na sua essência, anti-democráticos. Os restantes partidos com assento parlamentar, com resultados e balanços diferentes no pós-legislativas, prosseguirão certamente as respectivas agendas, mas tendo presente que estão muito limitados na forma como podem condicionar a governação da AD. O xadrez, nesta legislatura, joga-se em três tabuleiros: PSD, PS e Chega.

José Carlos Pereira

Gestor e Consultor