Nos últimos anos, o debate sobre a educação em Portugal tem sido marcado por uma preocupação central: como garantir que o sistema educativo responda às diversas necessidades, anseios e talentos dos alunos e alunas, ao mesmo tempo que promove o desenvolvimento económico e social das comunidades em que se insere? Este desafio, longe de ser simples, exige uma reflexão profunda sobre o papel dos diferentes percursos de ensino oferecidos nas escolas secundárias, com especial destaque para os cursos científico-humanísticos e profissionais.
Os cursos científico-humanísticos têm desempenhado um papel fundamental na preparação dos jovens para o acesso ao ensino superior, sendo vistos como um pilar essencial na construção de uma sociedade mais instruída e capaz de lidar com os desafios do conhecimento científico e técnico. Estes cursos têm sido, tradicionalmente, a opção preferida por muitos alunos e encarregados de educação, sobretudo pelo prestígio social associado ao ensino superior e pelas oportunidades de carreira que dele podem advir.
No entanto seria importante notar que esta tendência de valorizar predominantemente os cursos científico-humanísticos tem levado a um desequilíbrio no sistema educativo. Em muitas escolas, os cursos profissionais são frequentemente vistos como uma segunda opção, escolhidos por alunos que, por algum motivo, não se ajustam ao modelo científico-humanístico. Esta visão é limitadora e desatualizada principalmente quando olhamos às realidades educativas de outros países.
Na realidade, os cursos profissionais representam uma resposta fundamental a dois grandes desafios, a diversidade de talentos e capacidades dos alunos e a necessidade crescente de mão de obra qualificada em setores específicos do mercado de trabalho.
Devíamos olhar cada aluno como único, com interesses, capacidades e aspirações distintas. O sistema educativo deve, portanto, refletir essa diversidade e oferecer percursos que valorizem diferentes tipos de talento. Para muitos jovens, a aprendizagem prática, centrada em competências concretas e aplicadas, é muito mais motivadora e adequada às suas capacidades do que o ensino teórico que caracteriza os cursos científico humanísticos. Ignorar esta realidade significa esquecer uma parte significativa dos estudantes, que poderia ser mais bem-sucedida e realizada em percursos de ensino orientados para a prática.
Além disso, os cursos profissionais oferecem aos alunos a possibilidade de entrarem rapidamente no mercado de trabalho, munidos de competências específicas e valorizadas pelas empresas dos diferentes setores. Ao longo dos anos, o estigma associado aos cursos profissionais tem vindo a diminuir, mas é fundamental que a sociedade e as instituições educativas continuem a trabalhar para valorizar este tipo de cursos, reconhecendo o seu mérito e o seu papel indispensável na formação de cidadãos e de bons trabalhadores.
Para além de responderem à diversidade dos alunos e das suas capacidades, os cursos profissionais têm uma função crucial na relação entre a escola e a comunidade local. Numa era em que a globalização e as mudanças tecnológicas estão a transformar rapidamente o mercado de trabalho, é urgente que as escolas estejam atentas às necessidades das empresas e dos setores produtivos das suas regiões. Uma escola que se abre à comunidade e procura perceber as suas necessidades contribui de forma ativa para o desenvolvimento económico local. Mas, permitam-me dizer, que esta abertura colaborativa também deve ser uma postura cada vez mais frequente nas empresas.
Os cursos profissionais permitem às escolas estabelecer parcerias com empresas e organizações locais, criando estágios, programas de aprendizagem e outras formas de colaboração que beneficiam tanto os alunos como o tecido empresarial. Esta colaboração deve assumir a forma de uma ligação estreita e regular entre escolas e empresas para que as escolas possam responder prontamente às necessidades do tecido empresarial. Estas parcerias são mutuamente vantajosas: as empresas garantem o acesso a uma mão de obra jovem, qualificada e motivada, enquanto os alunos têm a oportunidade de desenvolver competências em ambientes reais de trabalho, o que aumenta a sua empregabilidade, facilita a transição para o mundo profissional e rompe com os círculos de pobreza e trabalho precário.
Além disso, o foco nas necessidades específicas da região onde a escola está inserida promove um desenvolvimento equilibrado e sustentável, ao criar empregos locais e ajudar a fixar os jovens na sua terra de origem, combatendo o movimento, cada vez mais notório, para os grandes centros urbanos.
A valorização dos cursos profissionais não deve ser vista como uma alternativa aos cursos científico-humanísticos, mas como uma estratégia complementar.
O futuro do sistema educativo português passa por uma maior integração entre os vários percursos de ensino, em que cada um é respeitado pelo seu contributo específico para o desenvolvimento dos alunos e da sociedade.
As políticas educativas devem, por isso, promover uma maior flexibilidade curricular e incentivar as escolas a adaptar a sua oferta formativa às características da comunidade onde estão inseridas. Ao mesmo tempo, é crucial que se reforcem os mecanismos de orientação vocacional nas escolas, ajudando os alunos a identificar os percursos mais adequados às suas aptidões e interesses. Consequentemente, é necessário fornecer uma verdadeira autonomia às autarquias para a gestão das escolas para que seja possível esta flexibilidade.
A sociedade deve preparar os jovens para serem cidadãos ativos, realizados e produtivos, capazes de contribuir para o desenvolvimento económico e social do país e da sua região. Valorizar os cursos profissionais é, sem dúvida, um passo fundamental nesse caminho. O talento é diverso e, por isso, o sistema educativo deve estar à altura dessa diversidade, reconhecendo-a como uma riqueza e uma oportunidade para todos. Permitam-me terminar salientando dois exemplos daquilo que escrevi: a EPAMAC (Escola profissional de agricultura e desenvolvimento rural de Marco de Canaveses) e o Colégio de S. Gonçalo, em Amarante, com a sua oferta dos cursos de planos próprios.
Artigo de João Soares, professor.