"Porque nós não conseguimos andar para a frente, como se nada tivesse acontecido. Mas somos capazes de andar para a frente, APESAR DE TER ACONTECIDO."
Todos nós já passamos por situações de profunda tristeza. E se é verdade que temos uma máquina perfeita (sim, o nosso corpo é uma máquina que "funciona na perfeição"). Que consegue proteger-se e utilizar os mecanismos (ao nível mental) para apagar e esquecer os pormenores, detalhes e miudezas dessas situações fortes. Também é verdade, que as marcas ficam e irão ficar, para sempre.
Por muito que o nosso corpo recupere fisicamente. Que a nossa mente apague e esqueça particularidades minuciosas. Que os sentimentos pesados apaziguem. Ficam sempre as marcas. Eu costumo dizer que tenho muitas "marcas marcadas" na minha vida. Tão só e apenas, porque as cicatrizes estão lá. E nunca irão desaparecer. Mas, na maioria das vezes são só cicatrizes, que assinalam uma fase de vida, que queríamos nunca ter vivido. O problema reside quando as ditas marcas se abrem e nos obrigam a reviver e a sentir novamente, o que está por detrás daquela cicatriz.
E tudo se agrava, quando surgem e pairam no ar todas as questões. E principalmente, o porquê. Essa palavra que implica pelo menos uma resposta e nem essa se consegue obter. A revolta. A balbúrdia de sensações. O vendaval de sentimentos. A explosão de emoções. A raiva. A vontade de fugir do que nos dilacera e não conseguir. A constatação de que não se era merecedor de tal situação. O pôr em questão o nosso Deus. O sentido da vida. O destino, ou karma, o mundo, ou o que for…
Para bem, era estalar os dedos e passar já. Esquecer! Trancar tudo numa caixa e nunca mais a abrir. E para que a nossa máquina fosse 100% perfeita, ao nível mental, deveríamos ter um botão Off. Dava tanto jeito, podermos desligar. Apagar o que nos fez e faz mal. Mas não temos esse, tão almejado, botão. Infelizmente! E o que nos resta é um percurso longo e complexo. Que leva o seu tempo. Como um luto, que tem de ser feito. Que é lento e que tem de ser sentido e vivido intensamente. Tem de ser sofrido. E tem de ser aceite, para que um dia (sim, esse dia pode tardar, mas ele chegará) todos esses sentimentos estejam amainados. Mais leves. Mais fáceis de lidar e sobretudo, mais fáceis de carregar.
E então, andamos para a frente. Aliás, nesse processo de tristeza e sofrimento, estivemos sempre, a andar para a frente. Só não o sabíamos. Não o víamos. E não o sentíamos. De tão atordoados que estávamos. De tão dilacerados, pelos sentimentos pesados. Pelo pesar do nosso coração. E cegos pelas lágrimas, tantas vezes secas, na nossa pele. Mas escorridas na nossa alma. É que, na realidade, nós estivemos sempre a lutar, para superar. Porque nós não conseguimos andar para a frente, como se nada tivesse acontecido. Mas somos capazes de andar para a frente, APESAR DE TER ACONTECIDO.
Texto de Lúcia Resende