Olga Lenchyna nasceu na Rússia, na antiga União Soviética, e nunca imaginou assistir aos conflitos que estão a acontecer na Ucrânia.
Residente há 20 anos em Portugal, recorda que crescia na URSS com a ideia de que tinham vencido o fascismo e que a guerra era algo "horrível, assustador, um verdadeiro terror e que nunca mais deveria voltar a acontecer".

Enquanto estudavam, era frequente os veteranos visitarem as escolas para contar, "com lágrimas nos olhos, as crueldades que presenciaram durante a guerra". Conta que costumavam ajudá-los, levar-lhes água e comida, deitar o lixo, e, agora, apercebe-se que a Rússia "não é amigável, mas sim um país militarizado, capaz de gastar dinheiro em armamento, retirando aos cidadãos condições básicas de vida para libertar outros países. Libertar de quê? Eles libertam as pessoas de ter um lar, um trabalho, uma vida...", diz Olga emocionada.
Tem, cada vez mais, a consciência do quanto os russos são enganados e questiona o poder da informação ou, neste caso, da desinformação. "As pessoas acham que a caixa que está pendurada na parede é factual, que não pode mentir e que é informação verificada", refere ao Jornal A Verdade.
A televisão conta que o armamento atinge apenas pontos extremamente específicos, nunca dizem que morrem pessoas, quando se atinge uma maternidade ou um centro comercial, é porque os edifícios já se encontravam abandonados. "Eles desculpabilizam-se através da ideia de que estão a lutar contra nazistas e fascistas., acrescenta.

A lágrima no canto do olho expressa a dor por encarar outra realidade, a ideia de um país onde eram ensinados a respeitar os mais velhos e a cuidar dos mais novos, a amar a Rússia, vira tudo um "mito e uma ilusão". Apercebe-se que não cresceu no país "grande, pacífico, bondoso" que "ajuda os países indefesos e não faz mal a ninguém".
Com uma irmã na Rússia, conta que ela é professora e tem um cargo importante no Ministério da Educação. Apesar da irmã mais nova estar consciente da realidade, "é obrigada a seguir um protocolo restrito sobre como as crianças devem ser educadas, o que devem pensar sobre a guerra e como devem amar o país e vangloriar os militares russos, o que resulta numa onda de patriotismo ou, melhor, nacionalismo radical".
"Eu sei que a minha irmã sabe a verdade e dói-lhe, ela chorou muito, ficou muito surpreendida, mas eu não falo muito com ela sobre isso, ela pode ser vigiada e para ela, neste momento, é mais importante ficar em segurança, porque nós sabemos que algumas pessoas que saem à rua, que dizem algo contra, no melhor dos casos ficam algum tempo na esquadra e nos piores vão presos ou são mortos", revela.

Enquanto as crianças russas são ensinadas a amar a pátria e a festejar as vitórias, "as crianças ucranianas foram obrigadas a parar de estudar, foram-lhes retiradas casas, pais, segurança no futuro e pior, nos casos em que ficaram inválidas ou perderam a vida".
Olga recorda uma música da sua infância e canta um trecho "Eu não conheço mais nenhum outro país onde as pessoas respiram tão livremente", e com um longo suspiro, sabe que nunca se sentiu tão sufocada.
"Na Rússia a democracia é mascarada e quando tiras a máscara encontras um monstro", responde a propósito da suposta democracia e liberdade da Rússia.

Contudo, admite que lhe custa quando colocam os russos "todos no mesmo saco", consciente de que "muitos russos não apoiam esta guerra, mas também de que os números são uma incógnita. Nós não sabemos, de todo, a quantidade de pessoas que apoiam ou estão contra a guerra", afirma Olga, e, acrescenta, que nas redes sociais encontra muitos comentários infelizes, de pessoas que apoiam a guerra, mas quer sempre acreditar que "estão cegos e confiantes no seu regime e nos meios de comunicação social".
Por outro lado, também conversa com muitos russos que têm o coração despedaçado por verem sangue derramado. "Quando se derrama a primeira gota de sangue é difícil parar a guerra… é sempre fácil começar uma guerra, difícil é terminá-la", diz.

Sublinha ainda que a Rússia é um país esquecido, que o povo não é tido em conta: "A Rússia não devia estar a gastar dinheiro para resolver os "problemas" de outros países, mas sim pensar nos seus grandes problemas, muitas pessoas ainda não têm as condições mínimas como água quente ou casas de banho dentro de casa". Diz, ainda, que o foco na militarização é desnecessário, quando existem tantas condições e direitos básicos que não estão assegurados.
Considera que o ser humano tem "o poder da língua, de ser racional e de poder ouvir e, por isso, todas as questões deveriam ser resolvidas através do diálogo". O fim da guerra é o seu "maior desejo".
Texto redigido com o apoio de Daniela Lenchyna