nuno cunha alpinista
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No dia 6 de Agosto, Nuno Cunha e José Trindade iniciaram a ascensão ao cume do Mont Blanc, a montanha mais alta dos Alpes e da União Europeia. A aventura começou em Bionnassey em direção à primeira meta, Refuge Du Nid d’Aigle e terminou, dois dias depois, às 6h02 (hora portuguesa) do dia 8 de agosto, com o regresso a Bionnassey. “O último dia é o mais complicado, porque fazemos todo o caminho de regresso num dia só, até ao local de partida. Foi das 02h30 até às 19h00. é uma atividade de muitas horas”, recorda Nuno Cunha.

A ideia da subida ao cume do Mont Blanc surgiu “há três anos”, com primeira tentativa “com um grupo de amigos que não correu nada bem”, mas “ficou o bichinho” e, por isso, em 2022, os dois alpinistas preparavam-se para iniciar a aventura quando receberam a notícia de que “haviam fechado a montanha. Foi um ano muito quente e estava muito perigoso. Este ano foi o fechar da janela. Foi mais um passo para aquilo que ainda tenho em mente”, garante o alpinista de 40 anos.

Em entrevista ao Jornal A VERDADE, Nuno Cunha explica que esta é uma “das montanhas mais mortíferas do mundo, devido à quantidade de pessoas que a escala e pela facilidade que pode parecer ter e não tem”. Na sua experiência revela que teve “alguma sorte no regresso”, quando foi “abalroado por umas rochas. Acabei por fazer uma finta à morte nos últimos minutos”. Quanto ao risco, esse, “está sempre lá e temos de o assumir logo a partir do momento em que saímos de casa. Claro que não vou para a montanha com ideia de morrer, mas é algo que está presente a cada momento. O que me cativa é mesmo a montanha, aliás já perdi a conta da quantidade de montanhas que escalei, são tantas”.

No fim de tudo, chegar ao topo é um “turbilhão de sentimentos. É muito difícil explicar o que se sente. É naquele momento que nos ‘cai a ficha’ e percebemos que estivemos totalmente desligados de tudo e de todos. Durante aqueles dias acabamos por esquecer tudo”. Depois, vem a certeza de que “a parte mais difícil da escalada vai começar, a saída do cume. É aí que começam todos os medos e é quando temos de redobrar os cuidados. No alpinismo, 90% dos acidentes dão-se nas descidas e não nas subidas, porque é quando estamos muito mais desgastados fisicamente. Juntando a isso a altitude e falta de oxigénio, acabamos por não ter o discernimento para tomar as melhores decisões”. No entanto, para o alpinista “chegar ao cume compensa tudo o resto. Vamos sempre com o intuito de chegar e não conseguir é das maiores frustrações que podemos ter, porque é um investimento a todos os níveis, é muito emocionante”.

Ao seu lado, esteve sempre o “grande amigo e parceiro de escalada” José Trindade. Há “loucos” que fazem a escalada sozinhos, mas para Nuno Cunha “convém ter sempre mais alguém, porque as coisas podem complicar-se a qualquer momento”. Para que nada falhe, a preparação começa a ser feita com “muita antecedência. É preciso reservar o refúgio de montanha e nós escalamos o Mont Blanc sem recurso a nenhum meio para ganhar altitude. Hoje em dia, quase toda a gente utiliza os famosos comboios de carmalheira ou os teleféricos. Nós queríamos fazer pelo nosso próprio pé”.

Na mochila, além de alguns alimentos, e como é comum em várias subidas que faz, o alpinista levou a bandeira de Felgueiras, que ergueu na chegada ao cume. “Faço isso, também, para sensibilizar as pessoas, porque as pessoas, muitas vezes, vão para a montanha só para tirar partido dela e não para a sentir como ela é”.

A vontade de explorar começou por volta dos 19 anos, com o montanhismo. Não se lembra do momento exato, mas recorda um acampamento num parque no Gerês. “Ouvi uma história de alguém que dizia que havia um nascer do sol brutal num local chamado Minas dos Carris. Eu e um amigo na altura, sem mapa e GPS, fomos de noite na aventura e começou por aí. Com a nova tecnologia tornamo-nos muito mais autónomos e começamos a palmilhar muito mais terreno.  Sei que sempre gostei da montanha”, conta.

Já o alpinismo surgiu “mais recentemente, há quatro anos”. O tempo parece curto, mas são “várias” as experiências e histórias que tem para contar. Algumas “boas, outras menos boas”, mas Nuno Cunha recorda uma que viveu em 2022. “Foi uma escalada de oito horas, uma experiencia magnifica. Fomos para uma montanha que não tínhamos pesquisado nada. Tivemos até ao último dia para subir o Mont Blanc, mas não fomos e então à última da hora decidimos fazer outra. Foi fazer alguma pesquisa durante a viagem”.

As montanhas, as experiências e vivências são “muitas”, mas no futuro “ainda há muito para subir. Tenho nos meus planos tentar fazer uma montanha de sete mil metros, mas não quero colocar prazo. Esse será o meu limite”.

Registo de Nuno Cunha após a viagem

No dia 6 de Agosto inicimos a cerca de 1400 metros de altitude em direção à nossa primeira meta; Refuge Du Nid d’Aigle que fica a 2372 metros de altitude. Este percurso foi magnífico para iniciar, passámos em densos bosques uma ponte tibetana e vales verdejantes paralelos ao grande glaciar de Bionnassey. A nossa chegada ao refugio foi brindada com um grande nevão e nessa noite cairam cerca de 5cm de neve.  (Isto de loucos na montanha sempre aparece um e desta vez foi logo no primeiro refugio). Um militar da legião francesa que perguntou se iriamos fazer a ascensão ao Mont Blanc, no nosso frances/inglês/português lá lhe conseguimos explicar os nossos planos, ou louco do rapaz que não me pareceu nem um pouco experiente em montanha disse que iria sair nesssa mesma noite diretamente ao cume. Pensei que seria mais um a ficar nas estatísticas de mortes do Mont Blanc. O José comenta:”Nuno estes tipo são enxertados de corno de cabra, são muito duros.” A mim pareceu-me mais um ato de loucura de quem não tinha a mínima ideia do que estava a enfrentar. Foi com alivio que o vimos na manhã seguinte ainda no refugio, afinal não partiu de madrugada, não tinha qualquer conhecimento de montanha e nem sequer sabia a direcção em que seguir. Pediu se poderia seguir connosco, expliquei lhe que apenas podia seguir até ao próximo refugio mas que depois não poderia seguir na cordada. Não podíamos arriscar a juntar na cordada um louco que não parecia ter a mínima experiência e  assim seguimos montanha acima mas por pouco tempo o nosso legionário acabou nem sequer nos conseguir acompanhar e acabou por desistir e voltar para trás, e assim perdemos o nosso legionário. Seguimos em direção ao famosa passagem do Gran Clouloir conhecida pela travessia da morte como quase viria a confirmar no dia seguinte. O local é um enorme canal cheio de pedras e gelo e as pedras vão se soltando a todo o tempo, aqui os alpinistas passam o mais rápido possivel numa verdadeira roleta russa. Depois da sua travessia iniciasse a maior cumeada de parede de toda a ascensão, 500 metros de altura separam o inicio do fim, são horas pendurados nas pedras com auxílio de cabos de aço nos locais de maior exposição, o fim da parede finda o dia da atividade e finalmente chegamos ao maciço de neves eternas do Mont Blanc e no seu extremo o refugio do Gouter que fica a 3815 metros. Eu não sei muito bem o que dizer sobre este local, aqui o nivel de tensão é muito grande, a higiene é quase inexistente, um simples lavatório para se poder lavar as mãos e a cara não tem água, homens e mulheres utilizam a mesma casa de banho a privacidade quase não existe e resta o bom senso dos alpinistas para que as regras básicas de cidadania sejam preservadas, sem me querer alongar, o resumo é; isto não é para “meninos”. Aqui todos estão para o mesmo, tentar chegar ao topo dos Alpes, o tema é maioritariamente como se encontra a via e como vai estar o tempo? Na segunda 7 de agosto às 15h da tarde todos os alpinistas que tentaram o feito falharam, dou por mim a pensar em todos com quem cruzamos nesse dia, o sentimento de tristeza que se leva é muito mais pesado que a mochila que carregam às costas. Fico basta apreensivo, as condições meteriológicas para o dia seguinte são as mesmas. Nuvens altas e rajadas de vento na ordem dos 50 a a 60 quilómetros hora. Era tudo o que não queríamos ouvir mas depois de tudo não podemos desistir sem sequer tentar. Como em tudo na vida temos de ser espertos e no alpinismo não é excepção. Na chegada ao refugio vi que se encontrava um guia de alta montanha no refugio, este homem estava  a guiar um pequeno grupo de dois clientes. Comecei por tentar perceber se eles iriam tentar o cume ou desistir naquele momento,estes tipos têm muita experiência e podemos aprender muito com eles. Acabamos por não conseguir saber a decisão dele. Pouco tempo depois dois homens chegam ao refugio, contra todas a possibilidades chegaram ao cume naquelas condições. Foi um alívio para mim e penso que para a maioria dos que lá estavam,não era impossível chegar ao cume mesno assim. Tomamos a decisão de levantar o mais cedo possível no alpinismo aprendi que quanto mais cedo arrancamos mais probabilidade temos de conseguir o objectivo. 1h15 o despertador tocou, eu não consegui dormir 1 minuto o Zé também não…não consegui controlar os níveis de ansiedade. Começamos a preparar tudo, o grande dia chegou finalmente. Quando desci para colocar os crampons nas botas vi que o guia também se estava a equipar e levava com ele duas pessoas, bom, parece que nem tudo é mau se ele vai arrancar é porque há uma possibilidade, nem que seja remota. A saída do refugio já se viam a pequenas luzes dos frontais na pendente da montanha, mesmo com a fraca alimentação e sem ter conseguido dormir senti-me bem, foi para isto que treinei por varios meses. A vantagem de sair de madrugada e fazer quase toda a via de noite ajuda no sentido de os nossos frontais não terem alcance para iluminar o abismo vertical em que por vezes caminhamos. Ao chegar a um pequeno plano depois do impacto da primeira subida vimos dois franceses com quem tínhamos estado no refugio do primeiro dia,um deles já estava em más condições ,desejamos-lhe boa sorte mas nunca mais os vimos, deviam ter desistido. Nos fomos seguindo firmes de passos fortes a passando vários alpinistas que já se encontraram em muito mas condições,  é comum o ver todo o tipo de mau estar em alta montanha, vómito, sangramento nasal e até diarreia, aqui não há vaidade. A nossa chegada ao pequeno refugio do Vallot encontramos o guia que aproveitava a paragem para comer qualquer coisa, nos tambem paramos para comer uma barra energética totalmente congelada, encostados à parede para nos abrigar do vento não nos atrevemos a entrar no abrigo, todos os alpinistas sabem que la dentro existem todo o tipo de dejectos de mau estar. Neste momento já nos encontramos a 4322 metros de altitude mas é a partir daqui que a montanha começa a ditar as regras. O vento realmente começa a ficar assustador e o corpo começa a ficar frio. As botas rigidas mesmo com dois pares de meias de alpinismo não são suficientes para impedir que o calor se perca. A dor nos dedos das mãos não me deixam percecer a quanto estão gelados, a partir daqui por mais que seja o desgaste fisico já não podemos parar , movimentar o corpo é a unica forma de manter o corpo quente. Neste momento apena 4 alpinistas estão na nossa frentre e consigo perceber que os dois primeiros estão a poucos metros do cume neste momento o meu relógio marca quase 4700 metros e estamos a pouco mais de 100 metros de altitude do cume. Parámos por um minuto para ganhar um pouco de folgo para os metros finais, entretanto o guia passa por nós e acena com um sim com a cabeça,  estamos muito perto e o já não vamos falhar…entretanto os 4 alpinistas que seguiam na nossa frente iniciam a descida e nós estamos novamente em movimento a levar com fortes rajadas de vento foi assim até a nossa chegada ao cume que aconteceu às 6h02 minutos na hora de Portugal do dia 8 de Agosto de 2023…um longo abraço fez esquecer por momentos o vento gelado, há um turbilhão de sentimentos e pensamentos, não temos tempo para digerir nada. Tiramos a fotos da praxe e no meu pensamento só tenho a imagem do meu filho, temos de sair daqui rapidamente , estivemos desligados de tudo nos últimos dias apenas com o foco neste objetivo, agora realizado temos uma realidade diferente de todo o envolvente. Iniciamos a descida já em condições assustadoras as pequenas partículas de gelo batiam contra nós projetadas pelas fortes rajadas de vento que nos obrigam a firmar de vez em quando, passámos por mais 5 alpinistas que estavam muito perto do cume e depois por mais alguns por toda a via, receio que para estes já não seria possível chegar lá, o tempo estava a ficar cada vez pior. Nós continuamos a nossa longa jornada de 17 horas seguidas para descer da montanha, uma descida penosa que nos leva ao limite físico e psicológico. 

O alpinismo é um desporto de sofrimento e isso não tem como mudar, precisamos de ser persistentes e acreditar que a montanha nos vai dar uma oportunidade e com ela fazer a nossa própria sorte para atingir este colosso de neve e gelo.