É importante falar com o seu medico sobre as suas preocupações relacionadas com a próstata.
Nem a descolagem, que cria sempre uma certa apreensão, me fez sair do pensamento o conselho que percecionei, por instantes, antes de iniciar a curta viagem que me levaria a Bruxelas em trabalho: "Definitivamente, um dos alimentos bons para a próstata que não pode deixar de incluir na sua alimentação são os famosos peixes de água fria...". A viagem durou cerca de três horas e sobrevoamos as águas frias do Atlântico. E a minha curiosidade estava agora entretida com a ideia de identificar os peixes de água fria. Associei várias coisas ao mesmo tempo e nos dias que se seguiram, a problemática da próstata manteve-se viva no meu pensamento até que, finalmente, chegou o momento para abordar essa temática no âmbito da campanha Novembro Azul.
A Novembro Azul é uma campanha de sensibilização que ocorre anualmente, em todo o mundo, no mês de Novembro, dedicada à consciencialização sobre a saúde do homem, com destaque para o cancro da próstata. Visa consciencializar a população, principalmente os homens, sobre a importância da prevenção deste cancro e alertar para a necessidade do diagnóstico precoce da doença (1).
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), este é o segundo cancro mais comum nos homens, logo a seguir ao cancro do pulmão. (1) Em Portugal, é o cancro mais comum nos homens e estima-se que, durante o ano 2020, tenham surgido 6759 novos casos. De acordo com as estimativas realizadas em 2021 pela Globocan, em 2040 poderá atingir se os 8216 casos, o que corresponderá a um aumento de 21,6%. (2, 3)
A ideia de criar esta campanha surgiu em 2003, na Austrália, quando um grupo de 30 amigos deixou crescer os seus bigodes para chamar a atenção para a saúde masculina. Mais tarde, foi criada a Movember Foundation, uma organização sem fins lucrativos cujo objetivo é juntar fundos para a assistência e a investigação sobre o tratamento deste cancro e outras doenças comuns nos homens. (1)
Mas, afinal, que relação se pode estabelecer entre bigodes e peixes de água fria?
Vejamos:
O que é a próstata?
A próstata é um dos órgãos que constitui o sistema reprodutor masculino, em conjunto com o pénis, os testículos e as vesiculas seminais. É pequena como uma noz e produz um fluido que nutre e ajuda a transportar os espermatozoides, no sémen. Está logo abaixo da bexiga e é atravessada pela uretra, que esvazia a urina que se acumula na bexiga e a leva até ao pénis. (4) Existem várias alterações na próstata que não são cancro. Por exemplo, à medida que a idade vai avançando, a próstata vai aumentando, o que chamamos de Hiperplasia Benigna da Próstata e não é cancro. Outros exemplos são as prostatites, inflamações da próstata que podem ser resultado de infeções. (5)
Como é que este cancro se desenvolve?
O cancro da próstata é um dos mais comuns no homem, cresce lentamente e normalmente está confinado à próstata, onde pode não causar danos graves. No entanto, existem casos mais agressivos que podem espalhar-se rapidamente. (8) A maioria das causas deste cancro são ainda desconhecidas, daí a importância de se apoiar a investigação nesta área, como faz a Movember Foundation. No entanto, são conhecidos alguns fatores que podem aumentar o risco de desenvolver esta doença. (9)
Quais são os principais riscos para desenvolver este cancro?
Estão descritos alguns fatores associados ao desenvolvimento do cancro da próstata. Em primeiro lugar a Idade: a probabilidade de desenvolver este cancro aumenta com a idade, sendo a relação forte. (7) A maioria dos casos desenvolve-se com 50 ou mais anos. (9) Também a etnia, por razões ainda não compreendidas. Este cancro é mais frequente nos homens negros e menos frequente nos homens asiáticos. (9) Os afrodescendentes têm maior risco e a doença desenvolve-se em idades mais jovens e mais rapidamente do que nos homens de outras etnias. Depois dos negros, o cancro é mais frequente nos homens brancos, nos hispânicos e nos nativos americanos, respetivamente. Os asiáticos têm as taxas mais baixas. (5) Associa-se a tudo isto a história familiar e a componente genética: homens cujos parentes de primeiro grau (pai ou irmãos) foram diagnosticados com cancro da próstata correm um risco superior (1, 9), especialmente se diagnosticados antes dos 65 anos (7), existindo uma forte componente hereditária. Além disso, ter familiares com outros cancros potencialmente hereditários (cancro da mama diagnosticado antes dos 50 anos ou em homens, cancro colorretal, dos ovários, do pâncreas ou melanoma) também aumenta o risco. (4, 7)
Numa abordagem mais ampla a discussão sobre o estilo de vida ganha cada vez mais adeptos. De facto, uma dieta rica em gordura animal e pobre em vegetais pode ser um fator importante no desenvolvimento deste cancro. (5, 7) A obesidade também pode aumentar o risco (9), embora os estudos sejam inconsistentes. O cancro pode ser mais agressivo e recorrer após o tratamento. (8) Por último, mas não o menos importante, o tabagismo parece ter um efeito no risco de desenvolvimento e no seu prognóstico. As pessoas diagnosticadas devem ser encorajadas a deixar de fumar. (7)
Este cancro pode ser prevenido?
O risco de cancro pode ser reduzido optando por uma dieta saudável, rica em frutas, legumes e cereais integrais, de modo a melhorar o estado geral da saúde, assim como praticar exercício físico regular e manter um peso saudável. (8)
Que sintomas fazem suspeitar de cancro da próstata?
Esta é uma pergunta difícil dado que cada pessoa pode ter uma experiência diferente. A maioria não apresenta, de todo, sintomas. (4, 6) Normalmente, os sintomas desenvolvem-se quando o cancro aumenta de tamanho e faz pressão sobre a uretra. (9) Embora não comuns, os sintomas podem ser: dificuldade em começar a urinar (hesitação); diminuição da força de saída da urina; interrupção da micção ("urinar às pinguinhas"); vontade de urinar frequente, especialmente à noite; dificuldade em esvaziar completamente a bexiga ou sensação de esvaziamento incompleto; vontade urgente de urinar, com controlo difícil; dor ou ardor durante a micção; sangue na urina ou no sémen; e dor ao ejacular. (4, 5, 9)
Estes sintomas também são causados por outras doenças que não o cancro. (4, 9) Se tiver algum dos sintomas, consulte o seu médico de família ou urologista. (4) Os sinais de que o cancro se desenvolveu e espalhou incluem cansaço, dores no fundo das costas, nas ancas ou pélvis que não desaparece, dores nos testículos e perda de apetite ou de peso não intencionada, sem alterar a dieta ou rotina de exercício físico. (9)
Há alguma forma de fazer o rastreio deste cancro? E como é feito o diagnóstico?
Rastrear significa procurar o cancro antes de causar sintomas (4), ainda em fases iniciais, quando é menos provável que se tenha espalhado e seja mais fácil de tratar (5). Isto é particularmente importante nos cancros com risco elevado de criar metástases se não forem tratados. (4) Os testes de rastreio mais úteis são os que comprovadamente reduzem o risco de uma pessoa morrer de cancro. (5) Não existe um teste específico para despistar o cancro da próstata, no entanto, há dois testes que são utilizados frequentemente. (4)
O antigénio específico da próstata: o PSA é uma substância produzida pela próstata. Genericamente, quanto mais elevado for o valor do PSA, maior será a probabilidade de haver problemas na próstata. (4) Porém, muitos outros fatores, como a idade, a etnia, alguns procedimentos médicos e medicamentos, podem afetar os níveis deste antigénio. (4) O PSA pode detetar um cancro da próstata agressivo que necessita de tratamento urgente, mas também detetar cancros de crescimento lento que podem nunca causar sintomas ou encurtar a vida (sobrediagnóstico). Algumas pessoas podem ter de tomar decisões difíceis sobre exames e tratamentos com possíveis sequelas e que podem até ser desnecessários. (9)
Outro argumento considera que, mesmo sendo o tratamento nas fases iniciais benéfico, os seus efeitos secundários, como veremos, são tão graves e permanentes que os doentes optam por adiar o tratamento até que seja absolutamente necessário. Ainda há que considerar que, embora esteja demonstrado que o rastreio reduz a probabilidade de morte por cancro, muitas pessoas receberiam tratamento desnecessariamente já que a maioria dos tumores não são prejudiciais (sobretratamento). (5, 9)
É, por tudo isto, necessário realizar mais investigação para determinar se os possíveis benefícios de um programa de rastreio compensam os danos. (9) Em Portugal, não existe um programa nacional de rastreio. No entanto, existe a opção de realização de rastreio de modo oportunístico a pessoas entre os 50 e os 75 anos. Este tipo de rastreio é feito através de uma abordagem individualizada, ocorrendo sempre que uma pessoa recorre a uma consulta. A pessoa é informada e esclarecida acerca da necessidade da prescrição e determinação do PSA, dos benefícios e dos riscos de sobrediagnóstico e sobretratamento a que a pessoa fica sujeita pelo facto de integrar o rastreio oportunístico e de que falamos acima. (10)
O toque rectal também constitui uma forma comum de se examinar a próstata. Em 10 a 15 segundos, o médico apalpa a próstata a partir do reto. Assim, examina-se o tamanho, a consistência e a textura da próstata, se existem áreas duras, nódulos ou zonas com crescimento para além da próstata e se existe dor ou pressão causados pelo toque. No entanto, o médico sente apenas um dos lados da próstata. (5)
Se os sintomas ou os resultados de exames - como o PSA, o toque retal, e a ecografia da próstata - sugerirem cancro, o seu médico de família irá encaminhá-lo para um urologista, de modo que possam ser realizados exames mais específicos como as biopsias da próstata (5, 9), que consistem na colheita de pequenas amostras de tecido da próstata e na sua observação ao microscópio para verificar se existem células cancerígenas. (4) A maioria dos homens que fazem biopsias após os exames de rastreio não tem cancro. (5) Se existir cancro, o patologista, através de uma pontuação de 2 a 10 (4) indica a agressividade do cancro (5).
São também realizados outros exames (TAC, ressonância magnética, cintigrafia óssea) para se fazer o estadiamento, ou seja, descobrir se as células cancerígenas se espalharam apenas dentro da próstata ou para outras partes do corpo. (4)
Quais são os tratamentos disponíveis?
As opções de tratamento dependem do tipo e do estadio do cancro, do score de Gleason, do valor de PSA, da idade e do estado geral de saúde. (5) Os benefícios e efeitos laterais do tratamento também devem ser tidos em conta. (8) Os doentes são acompanhados por uma equipa multidisciplinar de especialistas que trabalham em conjunto para proporcionar os melhores cuidados e tratamentos. (9)
Quando o cancro é de baixo grau e não causa sintomas, pode não ser necessário tratamento imediato. Para certos doentes é apenas mantida uma "vigilância ativa": são feitas análises e exames regulares para vigiar a progressão. (9) Se esta se verificar, é então iniciado o tratamento. (8) Há também a opção "espera vigilante" ou "watchful waiting" para usar a expressão inglesa: são apenas tratados os sintomas e não se realizam exames. Esta opção é recomendada quando o doente tem idade avançada e é improvável que o cancro afete o seu restante tempo de vida. (4, 9).
As opções de tratamento são várias a começar pela cirurgia, chamada prostatectomia radical, consiste na remoção da próstata e é uma opção quando o cancro está confinado à próstata. (8, 9) Também inclui a remoção de alguns tecidos circundantes e gânglios linfáticos. (4) Em casos mais avançados, pode ser utilizada em combinação com outros tratamentos. (8) A ressecção trans-uretral da próstata é um procedimento que ajuda a aliviar a pressão na uretra e a tratar sintomas urinários. Não cura o cancro. (9).
Um outro conjunto de tratamentos passa pela radioterapia, que utiliza raios de alta energia (semelhantes aos raios X) para matar as células cancerígenas. (4) É também utilizada para atrasar a progressão e aliviar sintomas. (9) Existem dois tipos de radioterapia: a externa e a interna (braquiterapia). (8) A quimioterapia é outra opção e destina-se aos casos em que o cancro se espalhou pelo corpo. (8) Não cura o cancro, mas pode mantê-lo sob controlo e aumentar o tempo de vida. Visa também reduzir os sintomas, como a dor, para que o dia-a-dia seja menos afetado. (9)
Em determinados casos, podem ser recomendadas outras terapias como as crioablação e crioterapia (5), a terapia biológica (8), a terapia hormonal (9) e os ultra-sons de alta intensidade (5).
Que complicações podem existir?
As complicações mais comuns, da progressão do cancro e dos tratamentos, são a metastização, quando o cancro se espalha para órgãos próximos, como a bexiga, ou através da corrente sanguínea ou do sistema linfático para os ossos ou outros órgãos, como os pulmões e o fígado. (8) As incontinências urinária e fecal são perdas acidentais de urina ou de fezes, causadas tanto pela cirurgia como por alguns dos outros tratamentos. Existem várias opções de tratamento, dependendo do tipo e da gravidade. (5) A disfunção erétil ou impotência, que pode resultar da evolução do cancro, da cirurgia, dos tratamentos hormonais e da radioterapia. Existem medicamentos e dispositivos que ajudam a conseguir a ereção e até cirurgias para o seu tratamento. (8)
Em conclusão…
Para concluir, e recuperando essa imagem agradável de uma refeição descontraída à base de peixes de água fria, saladas e outros ingredientes naturais, é urgente que adotemos um estilo de vida mais frugal, selecionar bem os alimentos que consumimos e dar a devida atenção aos dados da investigação que apontam, hoje, para maior consumo de ómega-3, com o objetivo de ajudar a prevenir o desenvolvimento do câncro da próstata e outras doenças.
Referências Bibliográficas
(1) Blue November: Some facts about the campaign, Apolo. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://english.apolo.app/blue-november-fun-facts-about-the campaign/
(2) NOVEMBRO AZUL [MÊS DE PREVENÇÃO DO CANCRO DA PRÓSTATA], Liga Portuguesa contra o Cancro. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.ligacontracancro.pt/novembroazul/
(3) Sung H, Ferlay J, Siegel RL, Laversanne M, Soerjomataram I, Jemal A, Bray F. Global cancer statistics 2020: GLOBOCAN estimates of incidence and mortality worldwide for 36 cancers in 185 countries. CA Cancer J Clin. 2021 Feb 4. doi: 10.3322/caac.21660. Epub ahead of print. PMID: 33538338.
(4) What Is Prostate Cancer?, Centers for Disease Control and Prevencion. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.cdc.gov/cancer/prostate/basic_info/what-is-prostate-cancer.htm
(5) Understanding Prostate Changes: A Health Guide for Men, National Cancer Institute at the National Institutes of Health. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.cancer.gov/types/prostate/understanding-prostate-changes
(6) Clinical presentation and diagnosis of prostate cancer, Uptodate. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.uptodate.com/contents/clinical presentation-and-diagnosis-of-prostate
cancer?search=prostate%20cancer&source=search_result&selectedTitle=1~15 0&usage_type=default&display_rank=1
(7) Risk factors for prostate cancer, Uptodate. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.uptodate.com/contents/risk-factors-for-prostate
cancer?search=prostate%20cancer&topicRef=6939&source=see_link (8) Prostate cancer, Mayo Clinic. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.mayoclinic.org/diseases-conditions/prostate-cancer/symptoms causes/syc-20353087
(9) Prostate cancer, Nacional Health Service (NHS). Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.nhs.uk/conditions/prostate-cancer/
(10) Normal DGS 060/2011: Prescrição e Determinação do Antigénio Específico da Próstata – PSA, Direção Geral de Saúde. Consultado a 23/06/2023, disponível em https://www.dgs.pt/directrizes-da-dgs/normas-e-circulares-normativas/norma n-0602011-de-29122011-jpg.aspx
Manuel Ferreira Veloso, MD (Médico Interno de Medicina Geral e Familiar, USF São Bento, ACES Grande Porto II - Gondomar; Mestrando em Gestão e Economia de Serviços de Saúde, FEP)