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Maria João descobriu que estava infetada com VIH (Vírus da Imunodeficiência Humana) quando estava no oitavo mês de gravidez. Não apresentava qualquer sintoma e, por isso, o choque foi “grande”, sobretudo, por saber que tinha um filho a caminho.

“Acabei por me esquecer de mim porque a minha preocupação era que o meu filho pudesse nascer infetado”, no entanto, esperava a sua morte. “Descobri no dia 6 de outubro de 1995, lembro-me muito bem da data, porque foi o dia a seguir aos meus anos e acabei por ter o meu filho a 25 de novembro, foi tudo muito seguido”. 

Maria João descobriu que tinha VIH numa altura em que existia “pouca informação”, no início os médicos traçaram um diagnóstico “impreciso. Como tinha Hepatite C acharam que podia ser um cruzamento”. Naquela altura ainda não existia medicação e, por isso, “a probabilidade de o meu filho nascer infetado era muito grande” e assim foi. Maria João teve o filho aos 23 anos e como era de esperar nasceu “soropositivo, no entanto os bebés nascem com os anticorpos da mãe. Aos nove meses ele seronegativou e, portanto, o meu filho não tem VIH”. Atualmente, as mulheres medicadas “podem ter filhos e, à partida, eles não vão ser VIH positivos”.

No mesmo dia em que Maria João recebeu uma notícia “feliz”, voltou-lhe a “cair o mundo. Disseram-me que tinha Hepatite C, o meu filho iniciou um tratamento muito doloroso e violento. Fruto disso, aos 26 anos, laquei as trompas. Não queria que mais nenhum filho meu passasse por isto”.  

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Maria João acabou por viver um “paradigma completamente diferente” que a levou a achar que ia morrer. “As pessoas com VIH morriam, ponto. Normalmente, duravam uma média de dois a três anos”. A mulher de 51 anos considera que soube que tinha VIH “no sítio certo”. Maria João foi utilizadora de drogas, o consumo começou aos 16 anos devido à “curiosidade” e “desconhecimento” e levou-a à toxicodependência. A gravidez e o medo de que o filho nascesse toxicodependente levou Maria João a procurar ajuda. “Decidi ir para um centro de tratamento. Descobri no sítio certo porque aqui convivi com muita gente com VIH, o que me facilitou a vida, sobretudo, a nível psicológico”. No entanto, só deixou de usar totalmente drogas mais tarde. “Ainda não estava na altura de deixar… achava que ia morrer e não via sentido em deixar, para que é que ia fazer esse esforço se não ia ver o meu filho crescer e se não ia viver”. Somente três anos e depois de ser medicada é que teve consciência de que “ia conseguir viver um bocadinho mais se deixasse as drogas”. Inicialmente, o objetivo de vida de Maria João era ver “o filho a entrar na primária… como se fosse uma grande coisa. Hoje já tenho um neto na primária”. 

A “falta de informação” levou Maria João a entrar no mundo das drogas, confessa até que na altura “não sabia o que era uma ressaca. Achava que estava constipada. Tive uns anos que lhes chamo ‘lua de mel’ em que não ressacava e quando consumia as substâncias sentia-me mais desinibida, no fundo, ‘não sentia’, por isso, era mais fácil ultrapassar as adversidades da vida. Aquilo é bom. As pessoas continuam lá porque a droga dá uns efeitos bons que as pessoas gostam. O que depois não gostam é das consequências que a droga traz como, por exemplo, a família deixa de acreditar em nós, podemos ir viver para a rua, ir pelo caminho da prostituição… cada pessoa tem a sua história”, conta. 

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Maria João “brinca” com a situação e afirma que “tenho uma mansão nas minhas veias, tenho um carro de luxo nas minhas veias. A pessoa quando está com necessidade de usar droga arranja forma de arranjar dinheiro mesmo que não trabalhe”.

Hoje em dia, Maria João trabalha, em conjunto com o marido, filho e nora, na área do VIH. “Comecei a trabalhar em 2005, atualmente, sou coordenadora de um projeto direcionado a trabalhadores do sexo na Associação Positivo mas, trabalhei durante 12 anos noutra associação em conjunto com o meu marido. Faço o trabalho de mediadora, ou seja, através da minha experiência de vida posso ajudar outras pessoas, acabo por ser uma ponte entre as pessoas e os serviços. Apesar de ser uma cidadã portuguesa estive completamente fora dos serviços e fui discriminada e, por isso, também quero ajudar nesse elo porque os utentes começam por confiar em mim e depois nos serviços de saúde”. 

O surgimento do medicamento em 1996 acabou por salvar muitas vidas, nomeadamente a do seu marido. “Se não fosse isso muitos de nós tinham morrido”. O marido e pai do filho de Maria João viveu esta jornada ao lado da esposa, ambos foram usuários de drogas e são portadores do vírus. “Nós usamos drogas juntas, deixei de usar drogas primeiro e, mais tarde, foi ele. Costuma-se dizer que duas pessoas juntas não entram em recuperação, não acho nada disso, acho que acabamos por ser o suporte um do outro”.

Maria João conhece o marido desde os nove anos e com ele conseguiu construir uma família. Atualmente, é mãe e avó e partilha que tem “uma relação ótima com o filho. Vemo-nos quase todos os dias”. A nível profissional tem ajudado as pessoas a ultrapassar uma etapa da vida que sentiu na própria pele. “A comunidade precisa de perceber que necessitam da medicação porque se não vão parar ao hospital e morrer. Desde que a pessoa se trate ninguém morre de VIH”. 

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