Apesar de longínquas, as memórias da Guerra Colonial ainda estão bem presentes na vida de Gabriel Queirós, natural de Santo Isidoro e Livração.
Decorria o ano de 1963 quando o ex-combatente, com 20 anos, foi chamado para a tropa. "Em janeiro assentei praça, em Vila Real, e lá estive sete semanas na recruta", conta Gabriel Queirós que, mais tarde, em Évora, foi para a especialidade de atirador. Depois da formação, seguiu-se um período que "não deixa boas lembranças": a Guerra Colonial de Angola. "Em junho acabei a especialidade e tivemos 10 dias de licença para nos despedirmos da família. Foi muito duro. Eles choravam e nós tentávamos aguentar o choro, mas o que cá vinha dentro só eu sabia".
E, se hoje a comunicação é facilitada pela Internet, naquele tempo, "um simples aerograma" era a única forma de contactar com a família. "Às vezes chegavam atrasados, outras nem chegavam. Aos meus pais nunca disse a verdade. Dizia que estava bem, que não saía do quartel. Eram aerogramas de mentira, porque não os queria preocupar ainda mais", recorda.

Emocionado, Gabriel Queirós com 80 anos relembra uma vida de 26 meses, em que esteve "sempre em zonas de risco". Passaram-se mais de 50 anos, e o ex-combatente desfia a história da guerra como se ainda a estivesse a vivenciar. "No princípio, passávamos mais tempo no mato do que no destacamento. Fazíamos tudo a pé, porque não tínhamos viaturas e foi a nossa sorte por causa das minas anti-carro. Era difícil, pouco se dormia".
Mas a guerra é também lembrada à mesa. "Se o almoço for atum ou sardinhas lembro-me de Angola, porque era o que comíamos nas rações de combate. Era isso e duas bolachas sem sal em cada refeição. Cada caixinha dava para um dia e pelo número que recebíamos já sabíamos quantos dias íamos lá andar. Às vezes, deixávamos metade da ração no quartel, para levarmos um saco de munições e irmos mais prevenidos", conta.
Entre o destacamento e o mato, presenciou vários sustos. "Tivemos um em que ficámos quase sem munições. Não conseguíamos sair dali e o rádio não dava. Então, o nosso alferes disse: 'rapazes, só temos uma solução, vamos dividir-nos em quatro grupos e enfrentá-los de peito a peito. Alguns de nós vão morrer, mas se não fizermos isso morreremos todos'. Foi tanta a sorte que não houve feridos nem mortos".

Na chegada a Lisboa, a 2 de novembro de 1965, o sentimento foi de "desânimo. Fiquei assim de repente. Não tive a sensação que esperava. Estava lá a minha família e quando cheguei a casa, dois dias depois, houve abraços, mas estava com o sorriso nos lábios para disfarçar".
O tempo lá passado ainda o vive nos sonhos que tem "todas as noites. Lembro- -me de tudo, das datas, dos mortos e ainda hoje sonho com isso". Vivências que deixaram marcas e resultaram em stress pós-guerra. "Quando vim estive sete meses em casa, só saía para o trabalho. Não era medo, mas uma má disposição. Tinha muitas dores de cabeça e fui a um neurologista. Comecei a tomar umas injeções e as dores acabaram para sempre", refere.
Vão as dores físicas, mas ficam sempre os pensamentos. "Se não fosse obrigatório, nunca teria ido. Se me dissessem 'vais voltar aos 20 anos e passar o que passaste', não ia, prefiro morrer", afirma.
As únicas boas lembranças são os amigos que lá fez e que considerava "uma família de cerca de 160 homens. Éramos unha e carne".
Para trás ficou Angola, país onde nunca mais voltou. Enquanto lá esteve confessa que "nunca" teve saudades de Portugal, "porque não havia tempo para pensar nisso. Só chorei duas vezes. Na primeira vez que recebi correio do meu pai a dizer que a minha mãe estava doente, e no Natal. À meia-noite entrei de reforço, estava o céu limpinho. Aí, chorei. Como estava sozinho lembrei-me do continente".
Recordar a guerra faz-lhe "bem. Quando encontro um colega e falamos, é um bocado bem passado. É uma forma de desabafar. As minhas filhas acham que falar me faz mal, mas estão enganadas, fico melhor. E espero que nunca passem o que passei".
As recordações estão apenas guardadas nas memórias, porque, ao contrário dos colegas, Gabriel Queirós optou por "não trazer nada de nada".