Liliana Mesquita Machado cresceu entre fios de bordado e histórias sussurradas pela voz doce da mãe. Nasceu a 13 de abril, em Paredes, mas foi na vila de Senhora Aparecida, em Lousada, que se apaixonou pelos livros e pelas letras.
A paixão pela escrita nasceu das experiências na infância, altura em que ouvia as histórias que a mãe “inventava e contava enquanto bordava, antes de aprender a ler e a escrever. Eu costumo dizer que ela não bordava apenas nos panos, mas também no meu imaginário“, recorda. As experiências resultaram numa “criança sonhadora”, que quando aprendeu a ler e a escrever assumiu a “paixão pela leitura. Lembro-me de esperar, ansiosamente, pela biblioteca itinerante que, naquele tempo, chegava ao largo da feira da minha aldeia para trazer mundos novos por descobrir. Depois da leitura veio a paixão pela escrita e, já na primária, senti que seria nas letras que seria feliz“.

O fascínio pelos livros explica-se pelo “cheiro e pela magia que tinham lá dentro” e era uma forma de “alimentar a alma sonhadora” de uma criança que “adorava as pequenas histórias que lia na escola” e que se recorda das “tardes mágicas em casa” enquanto a mãe bordava.
“A escrita continuará sempre a ser parte de mim”
A paixão pela leitura e pela escrita só a poderia levar a um percurso feito de letras, mais precisamente ao jornalismo. “Deveria ter uns 12 anos quando comecei a dizer pela primeira vez que queria ser jornalista. Gostava de escrever e de contar histórias e tinha de escolher uma profissão que me possibilitasse esse prazer. Portanto, pensei que com o jornalismo seria uma oportunidade para escrever histórias reais e com personagens reais”.
Os pais apoiaram a decisão e incentivaram Liliana Mesquita Machado a perseguir os sonhos “e a lutar por eles. Felizmente, tive liberdade para ser quem eu queria, tendo como base, essencialmente, ser sempre verdadeira comigo mesma”.

Foi jornalista durante cerca de dez anos, mas desse fim desse tempo decidiu que a profissão “não era compatível” com os princípios e valores. A “desilusão” com o jornalismo surgiu ainda na universidade, numa época “em que o jornalismo começou a ser um palco de vedetismo. Queria apenas contar histórias, montar o puzzle com os factos e mostrar os vários lados dessa mesma história. Sabemos que para uma história ser bem contada, exige tempo e investigação e o jornalismo, nos dias de hoje, não está para aí virado”.
Atualmente, é assessora de marketing internacional e digital na indústria têxtil e de vestuário e formadora em Comunicação, Marketing e Marketing Digital. “A escrita continuará sempre a ser parte de mim, porque é a minha essência”, garante.
“A Avó Astronauta” foi inspirado na mãe e na avó
Recentemente, Liliana Mesquita Machado publicou o livro “A Avó Astronauta”, que surgiu “de forma natural” quando a mãe foi diagnosticada com Alzheimer. Recorreu à escrita para “dar alguma ordem aos sentimentos”, que foi “um veículo para a aceitação, lenta e dolorosa”, partilha.
Assim nasceu “A Avó Astronauta”, um conto infantil que reflete a luta silenciosa contra o esquecimento, onde o amor se torna a última memória intacta. “Nunca imaginei que meu primeiro livro publicado fosse infantil, mas Deus escolheu por mim”, confessa.

Com a publicação da primeira obra fica o sentimento de “dever cumprido” pela homenagem que a mãe e a avô “mereciam. Foram mulheres guerreiras, cada uma no seu tempo, que procuraram fazer o melhor que sabiam, com as pouquíssimas ferramentas que tinham. A minha mãe leu o livro e, claro, chorou emocionada, pois reconheceu algumas histórias como sendo e as da minha avó comigo”.
Ambas foram inspiração para a criatividade de Liliana Machado Mesquita que herdou da avó a “graciosidade e a doçura” e da mãe “a garra e a coragem. A maior lição que as duas me deram foi lutar pela minha independência. Tenho muito orgulho de ter um bocadinho de cada uma delas agarrado à minha personalidade. Se pudesse resumir tudo numa só palavra seria: Amor“. Foi esse mesmo amor que quis retratar no livro, que “aborda o Alzheimer e, no entanto, fala, ao mesmo tempo, da importância de criar memórias. Porém, se olharmos com atenção para o livro, as memórias ali contadas, são memórias do coração“, explica.
Recebo muitas mensagens de quem leu o livro a dizer que ficaram emocionadas
Quanto ao tema, a demência, a escritora tem recebido “muitas mensagens de quem leu o livro a dizer que ficaram emocionadas, porque têm alguém na família com o mesmo problema. Pelo feedback recebido, comecei a perceber que este é um livro para crianças que faz chorar os adultos. A palavra demência ou Alzheimer nunca é referida na história, porque não é importante o rótulo, mas a condição“.
Por isso, Liliana acredita que o livro pode “ajudar as crianças a perceber porque é que a avó ou o avô agora é tão distraída/o ou esquecida/o e, sobretudo, ajuda-os a lidar com a situação de forma leve e criativa. A avó ou o avô é astronauta porque anda sempre com a cabeça na Lua. É importante que as famílias incluam as crianças no processo desta doença, primeiro para que elas percebam a dimensão da vida e, segundo, porque elas são o travão para o avanço da doença, pois obrigam os avós a manterem-se vivos, agarrados ao amor”.
“A Avó astronauta” foi apresentado a 1 de setembro de 2024. Liderou o top 5 dos mais procurados na Feira do Livro do Porto e foi nomeado para a Gala dos Autores na categoria Infantil – Mensagem e Valores na Infância
Para a lousadense, “a escrita e o amor são como o ar” que precisa para “viver em harmonia. É preciso muito amor para lidar com casos de demência, compreensão para aceitarmos as mudanças que a pessoa que amamos está a atravessar e paciência para viver as situações do dia-a-dia“.
No final de tudo, o amor “é mais importante do que a memória, porque é um gatilho que vai mantendo as pessoas ligadas entre si. A minha avó esquecia-se de muitas coisas, mas sempre que eu lhe chamava avó, o coração dela reconhecia a palavra e a voz que a pronunciava, porque aquela palavra significava amor e acendia a memória do coração. Portanto, o meu conselho é sempre este: cultivem memórias do coração, sendo expressão de amor”.