vitima violencia domestica
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“Papá vamos sair desta vida, vamos mudar”, foram as palavras de “força” que levaram José (nome fictício) a pôr fim a uma relação marcada por contínuos episódios de violência doméstica, “física e psicológica”.

Os comportamentos “violentos” já vinham “do passado”, por parte de uma mulher com “problemas de alcoolismo. Ela sempre foi agressiva comigo, desde que nos conhecemos. No início, apercebi-me de determinadas coisas, como a questão do álcool. Havia picos, altos e baixos”, recorda.

Pediu à ex-mulher para “parar com aquele vício, ela disse que sim, parou, mas sempre que havia algum problema voltava a beber. Havia sempre uma desculpa. Tivemos bons momentos, principalmente aquando nasceram os filhos, mas depois voltava outra vez ao mesmo”.

A 8 de maio de 2023, depois de uma “agressão muito grave” que o deixou “todo marcado”, José decidiu colocar um ponto final na relação que mantinha desde 2008 e, com os dois filhos, na altura com sete e 10 anos, mudou-se para casa dos pais.

“Aconteceu ao almoço, por causa do vinho (não era aquele que ela queria). Atirou tudo o que estava na mesa pelo ar. Seguiu-se a violência física, em frente às crianças. Ainda consegui ir trabalhar e lembro-me da minha filha me dizer ‘pai não regresses a casa’“, recorda.

Com os filhos, dirigiu-se ao posto da GNR para apresentar queixa e, a partir dali, “foi logo tudo acionado. Foi tudo muito bem trabalhado e, até à data, ainda estou a ser acompanhado de uma forma espetacular. A rede funcionou muito bem, ligaram-me logo, ajudaram-me com o que devia de fazer. Os meus filhos vêm na rede uma fonte de segurança”, referindo-se à UNIDAS – Rede Intermunicipal de Apoio à Vítima do Douro, Tâmega e Sousa.

O fim da violência chegou numa altura em que José já se sentia “num buraco” e “sem saber o que fazer. Estava a ficar um farrapo, esgotado. Teve de acontecer um episódio mais violento para chegar ao limite e sair”, garante.

Os filhos não só assistiram, como “também foram vítimas de momentos de muita violência, quer física e psicológica. Eu agora não tenho problemas em falar, mas tenho um problema físico e ela usava esse ponto para me diminuir, chamava-me deficiente. Quando a violência física acontecia, tentava proteger-me, mas nunca fui violento, nunca vivi em contexto de violência, os meus pais não me passaram isso”, conta José.

Foram “alguns anos de violência”, anos que José considera “perdidos”, mas olhando para tudo o que passou não tem dúvidas de que a decisão que tomou em 2023 “foi o melhor que podia ter acontecido. Eu e os meus filhos estamos felizes. Estamos sempre com o receio que ela apareça, mas temos de viver. Eu estava a pagar tudo, ela não trabalhava e eu não podia procurar outra casa. Não sabia o que fazer, mas nunca mais me vou esquecer do dia em que tomei a decisão”.

Os dados mais recentes da rede UNIDAS, indicam que no universo total das vítimas de violência doméstica, 9% são homens. Um valor muito inferior quando comparado com o número de mulheres vítimas de violência doméstica, mas que evidencia a certeza de que a problemática é transversal a qualquer ser humano.

Em partilha com o Jornal A VERDADE, José, de 45 anos, confessa que sentiu “na pele” o preconceito por ser homem e vítima de violência doméstica. “Ouvia, muitas vezes, ‘não és homem?’, ‘uma mulher a bater-te?’. Mas eu nunca lhe iria fazer o mesmo, nunca fui violento. Sempre tive a ideia de casamento para sempre, mas nunca violência para sempre e não tive esse exemplo em casa, pelo contrário, o meu pai é um exemplo. E fiz sempre questão de dizer aos meus filhos que aquilo não era exemplo”.

Foi contra o preconceito e decidiu “perder a vergonha” e “assumir perante a sociedade que estava a sofrer. De facto, ainda há esse preconceito do homem, do machismo, em que o homem é mais poderoso e obrigatoriamente tem de dar a reposta, o murro e responder com força. Claro que tinha força para ela, mas não ia fazer isso, nunca. Sempre fui uma pessoa divertida e alegre“.

A vida desta família “mudou por completo”, José está “muito mais feliz”, mas confessa que “voltava a fazer isto outra vez, mas se calhar mais cedo“. Hoje, os filhos são “a prioridade” e apesar “de todos os problemas que passaram, podiam ser revoltados, mas pelo contrário, são felizes e educados. São uns queridos e toda a gente diz que têm uma ótima educação”.

A outros homens, que partilhem uma história semelhante, José pede que “não tenham vergonha e não façam asneiras. Não façam o que a sociedade quer – o homem tem de ser valentão e se superiorizar – não façam isso, saem prejudicados. Saiam da situação para viver a vida em paz e devem fazer a queixa o mais rápido possível, porque estamos a prejudicar também os que gostam de nós”, termina.