Uma consulta de doenças da mama não existe só para ver Mamografias ou Ecografias! É muito mais abrangente e implica uma avaliação global da mulher, nas diferentes fases da vida, isto significa que a glândula mamária varia na sua forma, dimensão, e estrutura glandular interior desde a infância até depois da menopausa.
Revela-se uma doença extremamente complexa e de caráter multifatorial. Uma em cada oito mulheres desenvolvem atualmente um cancro da mama invasor ao longo da sua vida. Uma Consulta da Mama implica uma primeira avaliação global da mulher desde o seu histórico de saúde pessoal aos antecedentes familiares. O cancro de origem familiar ou hereditário apenas representa 8-10% dos casos. Aquilo que mais preocupa no momento atual, quer à mulher quer ao médico, é despistar um possível cancro da mama, sobretudo numa fase tão precoce quanto possível.
A verdadeira prevenção eficaz do cancro da mama não existe de uma forma bem estabelecida, apenas recomendações de ordem genérica que com a sua prática podem diagnosticar mais precocemente ou mesmo evitar, como corrigir hábitos e estilos de vida considerados de maior risco (tabaco, excesso de álcool, obesidade, falta de atividade física, e ainda muitos outros mal definidos). Numa Consulta da Mama deve existir a vertente de ensino à mulher: como deve realizar a palpação da sua mama. O AUTO-EXAME é a melhor forma de avaliar possíveis modificações e, de certo modo, alertar para procurar ajuda no seu médico.
Na Consulta da Mama o médico deve, obrigatoriamente, proceder ao EXAME da glândula na sua totalidade, de todos os quadrantes, avaliando a fase do ciclo menstrual (se for menstruada) no momento e ter, atenção especial, ao Complexo Aréolo-Mamilar (despistar lesões pré-malignas, feridas, as escorrências, retrações), é também indispensável palpar as regiões ganglionares das axilas e região cervical para despiste de gânglios anormais suspeitos. É muito importante que o exame da mama seja realizado na posição deitada e sentada, sobretudo com a elevação dos membros superiores. Todos estes pormenores são fundamentais para valorizarmos algum sinal suspeito, pois na maioria não existem sintomas. Todo cuidado é pouco! A sensibilidade global do exame clínico atinge os 50-55% e uma especificidade de 80-90% que depende da experiência do observador e pode ser influenciada pelo volume da mama ou a sua textura.

É por todos conhecido que a incidência deste tipo de cancro está aumentar não só em Portugal mas em todo o mundo! Em Portugal os números são preocupantes e atingem cerca de 9000 novos casos por ano e destes morrem, anualmente, cerca de 2000. No entanto, se forem diagnosticados numa fase precoce, isto é, sem invasão, a taxa de cura atinge os 95%.
Devemos incentivar as mulheres a realizarem o Rastreio a nível Nacional proposto pela Liga Portuguesa Contra o Cancro e pela Direção Geral de Saúde, bem como as recomendações propostas. Nas consultas de rotina, quer a nível ginecológico e sobretudo na da mama, um dos primeiros objetivos é tentar classificar uma mulher assintomática e perceber se apresenta estigmas que possam definir como baixo risco, risco intermédio ou alto risco de cancro da mama, tanto quanto possível. Felizmente, as doenças da mama, na sua maioria, são lesões benignas, sem qualquer risco.
Os médicos de família devem estar bem atentos e ter um alto índice de suspeição, pois muitas vezes o cancro da mama é silencioso e traiçoeiro! Os exames auxiliares habituais incluem um exame imagiológico adaptado à idade, ou só ECO mamária (como nas jovens depois dos 25-30 anos) ou associando a Mamografia de base após os 40-45 anos e também para avaliação do tipo estrutura glandular. Se existem alguns fatores de risco associados de desenvolver cancro da mama, os exames devem ser bem equacionados na sequência de novos exames que podem ser para toda a vida (intervalos de 1-2 anos) ou, eventualmente, mais curtos se houver informações adicionais importantes.
Especial atenção às jovens – não realizar mamografias desnecessárias. O risco das radiações! Não realizar exames a mais ou a menos e não criar pânico. A mulher identificada com fatores de risco (descritas nas escalas conhecidas), com ou sem sintomas, podem incluir algumas características específicas – alguma biópsia anterior (mesmo benigna, mas com fatores de risco), mama densa na mamografia, tipos de microcalcificações de morfologia atípica, histórico familiar do 1.o ou 2.o grau, mais que um familiar com cancro da mama ou ovários (mãe, tia, irmã, prima, cancro da mama no homem, ou história de outros cancros). Este grupo implica, por vezes, exames mais específicos como a Mamografia digital, Tomossíntese 3D ou Ressonância Magnética Nuclear da mama com contraste, em centros especializados de Imagiologia.

Acontece com frequência que, após a realização de Eco ou Mamografia, podem existir dúvidas nas interpretações das imagens, ou por técnicas deficientes da sua realização ou por interpretações de lesões de caráter duvidoso (os chamados BIRADS). Nestas circunstâncias estão disponíveis consultas de Radiologia – ditas de CONSULTAS DE AFERIÇÃO, em que outros colegas, sobretudo com experiência nestas patologias, realizam outros exames mais completos para se esclarecerem as dúvidas e formular um diagnóstico mais seguro. Uma situação preocupante no aumento de novos casos são as jovens de idades inferiores (40-50 anos) ou até raramente de menor idade, que têm surgido nos últimos anos. A maioria das jovens apresentam nódulos da mama (exemplo dos Fibroadenomas) na idade da adolescência que não representam nenhum risco, mas devem ser cuidadosamente estudados pois podem surgir, embora muito raros, cancros da mama que podem ser confundidos com lesões benignas. Sabemos que mais de 80% dos cancros da mama são de origem hormonal e isto implica um estudo detalhado se existem causas exógenas responsáveis (alimentos, medicamentos, entre outros) que possam estar na sua origem. Atendendo a este aumento de casos nesta fase etária e seguindo as recomendações da UE de há um ano, os rastreios em Portugal vão baixar na idade mínima para os 45 anos e até aos 74, provavelmente ainda este ano ou no início do próximo. O problemas das jovens que tiveram Cancro da Mama e pretendem engravidar, ou se surge Cancro da Mama em mulher grávida, é uma das situações clínicas muito complexas, mas com soluções clínicas que exigem uma completa avaliação multidisciplinar na Consulta Mama com as especialidades de Ginecologia/Obstetrícia, Oncologia Médica e Genética Clínica e outras.
Uma outra função da Consulta da Mama, será dirigida às mulheres que tiveram Cancro da Mama e terminaram os tratamentos clássicos e não apresentam recidivas, e sobretudo, que já tiveram alta das instituições hospitalares onde foram tratadas e que, por isso, continuarão a ser acompanhadas pelos médicos de família. Exigem uma especial atenção ao contexto clínico, da sequência de exames imagiológicos da mama, bem como a valorização de sintomas que, eventualmente, possam ter relação com a doença, sobretudo ósseas, hepáticas, pulmonares e, sobretudo, um exame clínico da mama operada e contralateral (despistar novo cancro da mama oposta) para uma possível recorrência loco regional e/ ou ganglionar.
Finalmente, o homem também tem Cancro da Mama, embora muito mais raramente, mas o principal sintoma é um nódulo duro retroareolar e assintomático, que é detetado por autoexame. Não existe rastreio do Cancro da Mama no homem! Somente a divulgação informal. Aqui surge uma situação clínica de diagnóstico diferencial com a Ginecomastia (aumento do volume mamário e/ou nódulo), situação muito comum sobretudo em idades mais avançadas e geralmente nas idades do Cancro da Mama. Aqui o médico deve examinar cuidadosamente a mama, os sinais clínicos, regiões ganglionares e a textura da formação nodular. Não deve ser esquecida a correlação da mama com a Próstata e tratamentos, bem como medicamentos capazes de originar a ginecomastia ou doenças hepáticas.
Todos temos responsabilidades de conhecer e divulgar os alertas das Doenças da Mama, não só a população em geral, como os colegas de outras especialidades e passar o testemunho.
JOSÉ FLEMING DE OLIVEIRA: Ex-Prof. Assoc. Conv. de Cirurgia da Faculdade Medicina UP; Ex-Cirurgião do Grupo da Mama do IPO Porto; Ex-Diretor de Departamento de Cirurgia do HPHispano; Ex-Chefe de Serviço de Cirurgia.