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Jorge foi abusado sexualmente pelo pai em criança, "era tudo feito em casa e em segredo"

Redação

(Fotografia ilustrativa)

Jorge, Diogo, João, Ricardo ... são alguns dos muitos nomes de vítimas de abuso sexual que decidiram procurar ajuda na associação Quebrar o Silêncio. Todos partilham testemunhos diferentes, mas o objetivo é o mesmo .. encorajar outros homens a denunciar e a quebrar tabus e preconceitos.

Jorge, um dos testemunhos, tem 31 anos - média de idade atual das vítimas que procuraram a associação - e foi abusado pelo pai quando tinha "entre quatro e seis anos". Vinte e quatro anos depois, e com uma tentativa de suicídio, decidiu que "precisava de procurar a ajuda que desde sempre senti que não merecia", assim começa a partilha à associação.

Dele apenas sabemos o nome e a idade - e é assim que a associação Quebrar o Silêncio procede com todos os homens -, mas também a história de abuso pela qual passou. "Houve muita manipulação e sedução inteligente no meu abuso. Era apenas um jogo que o meu pai tinha comigo e tudo era como se fosse uma brincadeira ou afetos. Não era a história de um estranho que me violentou de forma agressiva na rua. Era tudo feito em casa e em segredo no meu quarto, e era tudo muito confuso, e por isso senti que não merecia ajuda".

A partilha do testemunho com outros homens que passaram por situações semelhantes ajudou-o "a perceber que a forma como os abusadores agiram mudou de pessoa para pessoa, mas que os resultados são sempre os mesmos: um sentimento de vergonha e de culpa".

Jorge não tem dúvidas de que o apoio que recebeu ajudou-o "a crescer. Deu início à viagem da recuperação. O grupo de apoio masculino deu-me fundações fortes para continuar com a minha vida de cabeça erguida".

Em 2024, a Associação Quebrar o Silêncio recebeu mais 160 novos pedidos de apoio

A Quebrar o Silêncio é a primeira e única associação portuguesa, sem fins lucrativos, que presta apoio especializado a homens e rapazes sobreviventes de violência e abuso sexual.

Criada em 2017, a associação já recebeu 830 pedidos de ajuda e, em 2024, recebeu mais 160 novos pedidos de apoio. Destes, 112 foram provenientes das vítimas e outros 50 da parte de familiares e amigos.

A Quebrar o Silêncio foi fundada por Ângelo Fernandes, um homem que aos dez anos foi vítima de violência sexual e que hoje se dedica a apoiar outros homens e rapazes que tenham passado por situações de violência sexual, a ultrapassar as consequências do abuso.

Dizem os números que, em 2024, as vítimas têm, em média, 31 anos, enquanto que, nos primeiros sete anos, os homens que recorreram à Quebrar o Silêncio tinham entre 37 e 38 anos.

Ângelo Fernandes recorda o início da associação, que "surgiu da necessidade de haver uma resposta em Portugal para os homens e rapazes que foram abusados sexualmente. Não havia nenhuma resposta e estes homens não tinham onde procurar ajuda, não tinham ninguém com quem falar. Então criamos a associação para que mais homens pudessem procurar apoio e começar a resolver as histórias de abuso sexual e os traumas que os tinham associados".

Oito anos depois, o fundador continua a achar que, ainda, "existe muito para fazer, nomeadamente, a nível de consciência social. Continuamos a repetir a mesma mensagem, ou seja, as pessoas ainda não têm consciência de que os homens podem ser vítimas de abuso sexual, de que um em cada seis homens é vítima de violência sexual e, por isso, continuamos a registar reações de espanto, surpresas. As pessoas ficam surpreendidas, porque não têm noção da estatística e dos números", lamenta.

Existe muito para fazer

O aumento dos pedidos de ajuda traduz-se numa confiança que os homens depositam na associação? Ângelo Fernandes garante que sim. "No início de 2017 tínhamos muito poucos testemunhos, porque estávamos no primeiro ano de atividade. Agora, já contamos com dezenas de testemunhos e, sempre que adicionamos um testemunho novo, há sempre mais um homem que procura nosso apoio, porque leu a história, identificou-se com algum aspecto e procura", enaltece.

Outro aspeto destacado pelo fundador é conceito gerado à volta da violência e abuso sexual. Identificar que se está a ser vítima de violência sexual pode nem sempre ser fácil e, durante o processo de apoio, é o terapeuta que identifica situações de alarme.

"Nós temos trabalhado bastante nesta questão de falar, cada vez mais, nos diferentes tipos de abuso sexual, que também afeta diferentes homens e em diferentes idades, para que todos sintam que podem procurar ajuda. As pessoas ainda continuam muito focadas na violação como o único crime de violência sexual, por mais que haja uma abertura maior a outras formas de abuso sexual. Por isso, é importante trabalhar para que as pessoas percebam que nem todas as formas de abuso requerem contato físico. Pode não haver contato presencial, mas que não quer dizer que não tenha um impacto traumático na vítima e que tenha consequências devastadoras na vida desses homens", realça Ângelo Fernandes.

O futuro da associação Quebrar o Silêncio é "desmistificar" preconceitos e trabalhar com profissionais

O responsável assume que "os homens que foram abusados sexualmente tendem a acreditar que foram um caso único, a exceção, um caso pontual, não conhecendo mais ninguém. Então, quando alguém os faz perceber que o caso deles foi um abuso sexual e podem, e devem, procurar ajuda, eles chegam até nós", esclarece.

Por isso, de forma a ampliar o apoio da associação, o trabalho futuro passa por "desmistificar" vários preconceitos. "Como não se fala de violência sexual contra homens, eles ficam sem saber se podem ou não falar, se podem ou não confiar, se é seguro ou não. Quando nos conhecem sentem que existe um lugar seguro, onde podem falar das experiências e das inseguranças".

Segundo Ângelo Fernandes, o trabalho da associação Quebrar o Silêncio centra-se, principalmente, no contacto com profissionais. No caso das escolas, "é mais prático e produtivo trabalhar com professores, que depois vão trabalhar com os jovens. Se trabalharmos com as pessoas que passam o dia com eles, aumentamos o nosso raio de ação para chegar a mais pessoas", conclui.

Se foi vítima ou está a ser vítima de alguma forma de violência sexual, se conhece algum sobrevivente de violência sexual, procure ajuda junto da associação Quebrar o Silêncio.

https://averdade.com/associacao-quebrar-o-silencio-cada-vez-mais-homens-vitimas-de-violencia-sexual-pedem-ajuda/