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Natural de Ovar, há dois anos que Hugo Cunha vive em Castelo de Paiva. O que o levou até ao concelho? O início de um “novo caminho” pela procura de “realização pessoal” e do “diálogo com Deus”. A 10 de julho de 2022 foi ordenado padre e, desde então, que assume a ‘missão’ nas paróquias de Bairros, Fornos, Paraíso e Real, no concelho de Castelo de Paiva.

O Jornal A VERDADE esteve à conversa com o Padre Hugo, que nos contou como chegou a sacerdote, falou-nos sobre o papel atual da igreja e, ainda, abordou a recente integração da Igreja de Santa Marinha de Real na ‘Rotas do Norte’.

Como e porque decidiu ser padre?

Durante dez anos fui professor do primeiro ciclo do Ensino Básico, mas estive sempre envolvido na vida da igreja, e em concreto nas atividades paróquia de São João de Ovar. Desde pequeno que os meus pais me levavam para a igreja. Fui-me integrando em vários grupos e sempre gostei de trabalhar na igreja, mas fui adiando. O ‘clique’ foi, mais ou menos, com aos 20 e poucos anos e fui para o seminário com cerca de 30 anos. Na altura, não me sentia realizado e sentia que a minha vocação se calhar não era ser professor. Saí do ensino no sentido de procura da minha vocação, do diálogo com Deus, apesar de gostar de ter ensinado. Quando fui ordenado senti-me realizado. A ordenação foi o início de um caminho. Sou padre há dois anos, não é muito tempo, mas já deu para ganhar alguma vivência deste ministério ordenado e sentir-me realizado nesta vocação que eu aceitei.

Foi uma vocação “surpresa” para que estava à sua volta?

Para alguns sim, mas também foi algo natural, porque não era um ambiente estranho para a minha família mais próxima, que são pessoas envolvidas na igreja. Portanto não foi uma surpresa assim tão surpresa. Mas de facto ninguém estava à espera dessa mudança.

Arrepende-se da escolha?

Não me arrependo, de todo. Mas também não julgo aquelas pessoas que voltam atrás na decisão.

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Como é viver em Castelo de Paiva e ser padre nessas paróquias?

É um concelho com muitas festas religiosas. O povo é muito bairrista no sentido dos seus lugares e procuram não deixar morrer as tradições. É um concelho mais pequeno relativamente ao meu, mas é um povo acolhedor e que se esforça para que as tradições não morram. Gosto de estar aqui, sinto-me bem e procuro integrar-me nas tradições e na vivência, na forma de ser e pensar deste povo.

Quando decidiu seguir o sacerdócio concordou com todos os princípios que estão inerentes à missão, como o celibato?

O celibato é uma norma, mas não é dogma de fé. Portanto, no futuro a igreja poderá mudar essa questão disciplinar. Se vier a acontecer, o celibato opcional, tudo bem, não sou contra, mas a verdade é que ninguém vai para o seminário enganado, sabemos que esta é uma das regras para sermos sacerdotes. Eu acho que não é uma questão essencial, mas é uma norma da igreja e quando vamos para o seminário sabemos que ela existe. Questionamos se é pertinente, se não é, como seria se deixasse de existir, se haveria mais candidatos ou sacerdotes … serão sempre dúvidas. Há muitas pessoas que associam o celibato à pedofilia, porque dizem que se os padres casassem deixaria de existir, mas penso que não tem nada a ver, porque, infelizmente, também acontece fora da igreja. No meu caso, o celibato não atrapalha o meu ministério, mas acredito que atrapalhe a outros sacerdotes. Também acho, no entanto, que se o celibato opcional fosse implementado, muita coisa teria de mudar, como a formação dos sacerdotes. Não seria possível estar no seminário a semana toda e ter família. Na igreja ortodoxa e na igreja católica oriental temos alguns casos de padres casados e podemos aprender com essa experiência e ver a vantagem e a desvantagem nessa vivência.

Não julgo ninguém, nem julgo os colegas que por esse motivo decidiram abandonar o Ministério Ordenado, porque cada um sabe de si. Se, no futuro, o celibato for opcional também não julgarei.

Como vê a mudança da igreja ao longo dos anos? Tem-se adaptado às mudanças da sociedade em geral?

A igreja tem uma mensagem que, no seu conteúdo essencial, não pode mudar, porque estaríamos a trair a mensagem de Jesus. A forma de a comunicar e de a apresentar à sociedade, sim, tem mudado. O Papa Francisco tem procurado aproximar a igreja das ‘periferias’ e afirma que devemos ir até elas e, sobretudo, temos de ser exemplo, em cada época da sociedade. Nós, padres, e os que se assumem cristãos, católicos, sabemos dos escândalos que existem na igreja, isso afasta muita gente, mas também temos de perceber que há muita gente, também padres, que fazem muito bem à igreja, mas que não são notícia. Não podemos tomar a parte por um todo e há muita gente boa e válida na igreja – leigos e sacerdotes – que fazem um trabalho moratório.

Mas penso que a igreja se tem adaptado nesse sentido. Talvez não da melhor forma, em algumas situações. Tem de ter uma forma de comunicar mais atual, não é mudar o conteúdo, mas tornar a linguagem mais perceptível. A linguagem teológica deve ser mais acessível às pessoas, para elas perceberem bem a mensagem. Acho que é isso que está a falhar um bocadinho nesta aproximação com as pessoas. utilizamos alguns termos teológicos que as pessoas já não percebem, principalmente os mais jovens. Esse é o ponto principal: devemos adaptar a nossa linguagem às gerações mais novas, sem mudar o conteúdo da doutrina.

Como está a relação dos jovens com a igreja nas paróquias que lhe foram atribuídas?

Castelo Paiva sofre de um problema que se manifesta tanto na igreja, como nas escolas, que é a questão da migração e da emigração. Há poucos inscritos, porque os jovens procuram outros concelhos ou outros países e, por isso, temos poucos jovens no concelho. Já começa a ser um problema que se vê em paróquias de todo o país. Mas há um duplo problema, porque os jovens, também, não participam nas atividades da igreja. No entanto, ressalvo que em real vejo mais crianças na eucaristia e há uma evolução na catequese.

Paróquias mais confortáveis e mais dignas podem ajudar nessa aproximação com a comunidade?

Acredito que sim. Falo por exemplo da Igreja de Santa Marinha de Real, que é valiosa e atrativa, por toda a arquitetura e escultura. Mas é um edifício frio não só no sentido térmico do termo, mas também é fria na iluminação, que é muito pobre. Aliás, será intervencionada em todas as dimensões. Penso que, criando um ambiente mais cuidado, estando completamente restaurada, torna-se mais acolhedora certamente para as pessoas mais idosas, que são as que frequentam mais a igreja, mas também para os mais jovens e para as crianças jovens da catequese que frequentam ao domingo de manhã.

No entanto, a população mais idosa continua a procurar a igreja?

Aos domingos a eucaristia enche praticamente, principalmente no tempo de catequese. Para além disso, temos muitas visitas ao exterior e já nos pediram para abrir. Aliás, foi um compromisso que assumimos, tornar a igreja acessível para podermos mostrar este património. É um dos critérios para integrarmos a “Rotas do Norte”, para que, possivelmente, estrangeiros possam visitar e termos a possibilidade de lhes dar informações acerca deste bem cultural.

Falou na “Rotas do Norte” e, recentemente, a Igreja de Santa Marinha de Real recebeu o selo para a integrar. Como surgiu esta vontade?

Quando fui nomeado por a paróquia de Santa Marinha de Real – faz agora em setembro dois anos – havia um grupo de pessoas que já andava a fazer várias atividades com o objetivo de angariar fundos para o restauro da Igreja. Havia, também, um projeto de restauro elaborado pelo arquiteto Pedro Leão. Mas, nos últimos anos, houve mudança de párocos e o processo estava parado. Comecei a integrar-me das coisas da paróquia, reuni o Conselho Económico e tentei perceber em que ponto as coisas estavam e aí retomei a intenção de restaurar a Igreja de Santa Marinha de Real, que precisa profundamente. Esta igreja é a mais valiosa e a maior igreja antiga do concelho. Retomamos o processo de restauro, mas para conseguirmos o custo é muito avultado, falamos de mais de um milhão de euros e para a nossa paróquia é muito. Só conseguimos fazer este restauro se nos candidatarmos a fundos e um dos critérios era, também, dar a conhecer a igreja e integrá-la numa rota. Neste processo de candidatura, que já estamos a fazer, surgiu a necessidade de aderirmos a este selo “Rotas do Norte”, sem ele não podemos avançar, é um imperativo quase. A integração nesta rota é um dos critérios da admissão para conseguirmos concorrer aos fundos. Ficamos muito felizes com a notícia e, para além disso, é importante dar a conhecer esta igreja, que penso que é pouco conhecida na região. Tem um valor patrimonial muito valioso. Como eu costumo dizer, é uma igreja de vila ou cidade num sítio rural.

O fim do ano e o Natal aproximam-se. Quer deixar uma mensagem à comunidade?

Vamos iniciar o ano jubilar em 2025 e somos convidados a ser peregrinos da esperança. A minha mensagem é quede facto vivamos esta esperança. Os tempos que vivemos são sombrios, fazem-nos perder a esperança, mas enquanto sociedade não podemos cair no desespero, que nos leva a baixar os braços e a ficarmos apáticos. Jesus Cristo nasceu e encarnou para nos salvar e para dar o exemplo de amor a cada um de nós. Então, o Natal é sempre esta mensagem de esperança e de recomeçarmos sempre que é necessário, enquanto indivíduos e sociedade. Devemos ser cristãos agentes de mudança e de esperança nesta sociedade que tanto precisa. Que este Natal seja um motivo e fonte de esperança para todos, em toda a sua essência.