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Paços de Ferreira
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Pai e filha a pé pelo Caminho de Santiago: a experiência de Pedro Ferreira e Lara

Pedro Ferreira e a filha Lara, de nove anos, estão a percorrer o Caminho de Santiago. Esta é a segunda peregrinação de Lara, mas a primeira em que enfrenta o caminho "pelo próprio pé", sem o apoio do carrinho, numa experiência que contrasta com a primeira viagem, em 2021, quando tinha apenas cinco anos.

Redação

A origem da experiência

Ao ser questionado sobre a origem da iniciativa, Pedro, que reside em Paços de Ferreira, afirma: “Foi a Lara que pediu.”

Ainda que a ideia desta peregrinação tenha surgido inicialmente por sugestão da mãe, em 2021, quando se planificou fazer o Caminho de Santiago – a versão do Caminho Português Central, que mede oficialmente 237,7 km –, nessa altura o percurso foi realizado em família (pai, mãe e filha).


Pedro recorda: “Tínhamos aquele receio... chego aos albergues com dificuldades, com a mochila pesada à frente e o porta-crianças atrás.”

Na ocasião, trazido pela ajuda de uma familiar da mãe, embora a adaptação do equipamento (troca do porta‑crianças por um marsúpio e mesmo depois o carrinho) não aliviava totalmente as dificuldades. Num trecho exigente – no monte da Labruja, Lara teve de caminhar 2 km, sendo que no nono dia acabou por apresentar febre, agravada pelo calor e pelo esforço. Num episódio que ilustra a preocupação durante a peregrinação, o alberguista levou-os ao centro de saúde, onde a médica avaliou a situação:

“Disse que isto era normal, que se a menina estivesse bem, podíamos caminhar, se não, ir avaliando”, lembra.

Após esse episódio e descanso na Quinta da Estrada Romana, Lara recuperou a energia e, ao ser interrogada se queria seguir, respondeu afirmativamente, levando a família a prosseguir até Santiago.

Evolução na forma de percorrer o Caminho

Em 2021, Lara acompanhou os pais com o apoio total – sendo transportada em carrinho – e, agora, aos nove anos, é a primeira vez que faz o trajeto a pé, adaptado a um ritmo de criança. Pedro explica: “No primeiro caminho, foi ajudada por nós. Agora é diferente, é a primeira vez que a Lara faz pelo próprio pé.”

Pedro explica que, nesta segunda experiência, o percurso foi organizado em etapas mais curtas e adequadas à idade da menina.

“Com ela, faço no máximo 15 km por dia; pois, se chegar aos 10 km já lhe começam a doer os pés.”

Algumas etapas foram definidas em função da resistência da Lara. Como forma de preparação, antes de partirem foram organizadas caminhadas de 5 km à noite, e outras de 10 km em companhia da mãe. Por isso, agora, em situações de receio pelo cansaço da filha, Pedro complementava: “Se não aguentar, táxi, casa.”

Ainda, o pai destaca a importância da autonomia de Lara, que insiste em carregar sempre a sua própria mochila: “Ela faz questão de trazer sempre a mochila dela, nunca me deixa trazer”

Percursos, variantes e recordações

Pedro expõe brevemente a sua experiência pessoal em percursos anteriores – o Caminho Francês (de Saint-Jean-Pied-de-Port até Santiago, com 779,5 km), parte do Caminho da Costa, o Caminho Inglês (de Ferrol a Santiago, 118,4 km), e ainda trajetos até Finisterra e Muxía – que ajudaram a formar a sua ideia do que é percorrer um Caminho.

Neste ano, após a mãe ter feito o inglês, foi a Lara que, durante as férias, demonstrou entusiasmo para regressar ao caminho, mesmo que, inicialmente, o pai tivesse receio por ela ainda ser pequena para certos percursos exigentes.

Um dos trajetos realizados este domingo, dia 6 de julho, integrou a chamada “variante espiritual”. Segundo Pedro, este percurso envolve atravessar de barco:

“Entrámos pela parte de Vilanova de Arousa, onde se entra num barco – parte do troço ligado à lenda de Santiago, que foi trazido de barco desde a Palestina. O barco vai até Pontecesures e, depois, fazemos 2 km a pé até Padrón”.

Durante o percurso, os registos de passagens são feitos através de carimbos na credencial – considerada o passaporte do peregrino – tendo o pai enfatizado:

“Por cada sítio que passamos, no mínimo são dois carimbos. Fiz o caminho pela variante espiritual e houve sítios que não carimbei; com a Lara, carimbo em igrejas, bares, cafés, até onde ainda se para para comer.”

Há ainda momentos de recordação e de humor. O pai menciona o episódio em que, num albergue, a Lara apanhou um “roncon” (ronco), reforçando que as condições de descanso variam de alojamento para alojamento, desde albergues a hostels.

Em outros momentos, Pedro recorda a experiência de subida na Monta da Bruxa e na Serra da Labruja, onde, mesmo exausta, a filha demonstrou a sua determinação, chegando a ter uma expressão que o pai descreveu – entre riso e admiração – como “as crianças têm razão”.

Sentimentos e impressões da pequena Lara

Ao ser questionada sobre a experiência, Lara responde de forma sucinta:

“Estou a gostar e até tenho visto alguns meninos da minha idade, mas são poucos.”

Quando se pergunta sobre o cansaço, a menina admite que, após certo tempo, começa a ficar cansada. Pedro explica que, para a sua filha, os 10 a 15 km são o limite, e que o cansaço manifesta-se nos pés, mas a interação com os outros peregrinos também lhe serve de incentivo.
Em termos de convívio, Lara aprecia sobretudo:

“Estar com as pessoas e receber carimbos e lembranças que os outros caminhantes me dão.”

Quanto ao registo de memórias, o pai recorda que fizeram vídeos, inclusive de quando ela subia, e de como pequenos momentos marcaram a sua experiência – como encontrar no final da subida uma pedra quase parecia um troféu em forma de coração.

Pedro, enquanto pai, confessa ainda o orgulho que sente:

“Sinto orgulho, pois, o receio inicial, quando ela fez 10 km, foi ultrapassado. Fazemos este caminho a um ritmo mais lento, o que me permite descobrir sítios que, sozinho, não teriam sido percorridos”, admite.

E, ao concluir, deixa ainda um convite àqueles que pretendam viver a experiência:

“Façam pelo menos uma vez na vida esta experiência. É terapêutico, libertador, e o convívio com os outros peregrinos é genuíno – diferente de quando se chega a Santiago, que é mais comercial, já não é a mesma coisa”, lamenta.

Detalhes curiosos e imprevistos

Entre as recordações, Pedro recorda também questões incidentais:
No albergue Rincón em Porrinho, onde iniciaram a peregrinação (chegando no dia 29 de junho, embora só tenham começado a caminhar no dia 30), a Lara apanhou um “roncon” que se repetiu noutra estadia.

Há ainda um episódio em que a Lara recorda a saudade da gata da família – a Mia –, cujas reações foram registadas em vídeo, mostrando que, mesmo a nível doméstico, as ausências causam impacto. Pedro comenta:

“O meu irmão tem ido ver a gata, mas não é a mesma coisa. A Mia sente a nossa falta e tem estado muito quieta, isso é algo que também mexe connosco”, detalha.

Um percurso com final previsto

Segundo o cronograma do pai, a meta é terminar o Caminho de Santiago até terça-feira, dependendo do estado de espírito e condição física da Lara.