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O dia 23 de fevereiro de 2022 antecedeu o dia em que o mundo foi marcada pelo despoletar de uma guerra no mundo. Na madrugada de 24, por volta das 05h00, a Ucrânia foi invadida e bombardeada pela Rússia. A partir desse dia, e quase a completar um ano, a vida dos ucranianos mudou e viram-se obrigados a fugir de malas nas mãos e a deixarem as suas famílias, casas e país enquanto se refugiavam pelo mundo.

O Jornal A VERDADE esteve novamente à conversa com Ana Catarina Ferreira, uma mulher que contribuiu e continua a ajudar todos os dias refugiados vindos da Ucrânia.

Há um ano que Ana Catarina Ferreira ajuda diariamente famílias separadas pela guerra. Natural de Cinfães, mas a residir na Polónia desde 2017, continua a desempenhar um cargo na Organização Não-Governamental europeia Europejskie Forum Młodzieży.

Apesar desta organização não ser humanitária, mas sim destinada a projetos europeus e à área da educação, à semelhança de outras entidades não ficou indiferente à guerra e começou a acolher quem precisava.

Em março de 2022, Ana Ferreira partilhava histórias de “pais que acordavam os filhos a meio da noite a dizer que tinham cinco minutos para irem embora” ou pessoas que faziam “as malas, olhavam para o apartamento e começavam a chorar porque o tinham acabado de comprar”. Um ano depois a situação mantém-se semelhante, no entanto, a “saudade e o estado psicológico debilitado” aumenta a cada dia que passa.

Nessa altura, a voluntária referia que “é preciso ter noção que a ajuda não pode ser a curto prazo, vai ser necessária durante muito tempo” e, por isso, a organização não-governamental onde se insere continua a proporcionar acompanhamento psicológico uma vez por semana.

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Em 2023 volta a reforçar que as pessoas “ficam com traumas psicológicos. Mesmo aquelas que não foram diretamente afetadas, só o facto de estar longe já é desgastante. Um dia quando acabar ainda vai ser preciso muito apoio psicológico e social porque são marcas. Nós temos aqui pessoas que perderam tudo, que não têm para onde voltar”, partilha.

Acrescentando que no início sentia-se “empatia” porque o assunto “estava constantemente nas notícias”, ao fim de um ano o seu “receio é que a guerra na Ucrânia se torne como as guerras noutros sítios, que estão a acontecer, mas não estão diariamente nas notícias” e que, no fundo, acabam por ser “esquecidas“.

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Vários refugiados da Ucrânia regressaram a casa por “saudade”

Se comparar aos primeiros três meses de guerra, considera que o fluxo de pessoas vindas da Ucrânia “diminuiu”, também porque houve muita gente a voltar, famílias que regressaram por “saudade e entenderem que o sítio onde moram já não era tão perigoso”. Apesar de lhes garantirem “segurança, alimentação e apoio, emocionalmente há qualquer coisa que falta, porque há alguém que está do outro lado”.

Nos últimos tempos, houve algum aumento motivado pelo “frio, com o impacto do Inverso e a falta de aquecimento nas casas”, acrescenta.

Tirando os senhores com incapacidade física ou maiores de 70 anos, os refugiados são quase todos mulheres e crianças o que significa “que todos têm um marido, irmão, filho, pai que teve de ficar lá e essa parte psicológica é dura”.

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A carga psicológica torna-se ainda maior, quando devido à falta de energia, como é o caso de Donbas, as famílias ficam três dias sem contacto. “São três dias de stress para as mulheres que estão aqui, porque continuam a existir bombardeamentos e ataques e não há maneira de elas saberem se está tudo bem, só através das notícias gerais, mas não têm contacto direto com os familiares”, o que resulta em “dias de choro e mau humor”.

Ana Catarina Ferreira afirma ainda que estas pessoas “esperam até puderem voltar a viver, estão no limbo. As pessoas estão sempre a aguardar o fim da guerra, não assumem aquilo como se fosse a vida delas neste momento. Um viver que não é viver, é um viver a esperar, que mude alguma coisa, tudo tem a ver com esperar”.  

A comunidade polaca e os voluntários espalhados por todo o mundo tentam incluir os refugiados e proporcionar-lhes um futuro. “Alguns conseguiram arranjar emprego na Polónia ou em países vizinhos, os filhos matricularam-se na escola”, partilha Ana Catarina Ferreira. Contudo, o desejo de regressar a casa mantém-se.

A chegar ao fim da conversa, Ana Catarina Ferreira não deixa de agradecer todas as pessoas que ajudaram e ainda ajudam nesta causa. “Tivemos muitos amigos e conhecidos que enviaram bens e dinheiro e que se disponibilizaram. Aproveito para agradecer, porque nos primeiros meses a ajuda era de pessoas, porque não houve logo ajuda governamental. Tudo o que a gente tinha vinha de doações. Pessoas de Travanca, Cinfães, Porto e Lisboa que me conheciam e que quiseram ajudar… acaba por ser a ‘parte bonita’, a solidariedade das pessoas”.

“Angústia, frustração e tristeza profunda” são algumas das palavras que marcam a vida destas famílias ao longo de um ano e, por enquanto, o fim da saudade e da guerra não está à vista.

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