Dizem as estatísticas que, por ano, são diagnosticadas em Portugal cerca de 400 crianças e jovens com doenças oncológicas. Mas o cancro não 'atinge' apenas os que são diagnosticados, também aqueles que os acompanham, sejam pais, avós ou amigos.
Depois há ainda quem faça parte da 'equipa' e que, de uma forma voluntária, dê "tudo o que tem de bom". Desde 2009, que Sílvia Araújo decidiu inscrever-se como voluntária na Acreditar - Associação de Pais e Amigos de Crianças com Cancro e faz o balanço de um 'trabalho' "cem por cento compensador".
Sem "nenhuma situação de doença oncológica na família", a voluntária natural de Paços de Ferreira recorda o início do voluntariado, incentivado por amigos e familiares. "Sempre me disseram que era uma pessoa bem disposta, alegre e sou até emocionalmente forte. Então pensei 'porque não partilhar a minha boa disposição e a minha alegria'. Adoro crianças e surgiu a ideia de trabalhar com elas. Andei a ler na internet sobre algumas associações e gostei e identifiquei-me com a Acreditar", conta.
Há 15 anos, Sílvia Araújo decidiu ser voluntária e apoiar crianças com cancro
Como tem sido a experiência até hoje? "Penso ainda bem que dei este passo, sem dúvida", diz Sílvia Araújo. Mas, para além do lado "positivo" que marca a experiência, a voluntária confessa que "há alturas em que se pensa em desistir", e na primeira pessoa conta uma experiência marcante que viveu no voluntariado e "uma das maiores perdas. A Acreditar tinha outro projeto de cuidados paliativos, no qual acompanhei uma criança com 15 anos e que esteve connosco até aos 20. Infelizmente acabou por falecer. Era uma criança muito próxima, estive com ele cinco anos, nessa altura confesso que tive muita vontade de desistir. Nunca estamos preparados para tudo. A minha mãe dizia sempre 'tu vais aguentar', mas naquela altura eu própria achei que não", garante.
Momentos "tristes" que são atenuados com "pessoas que apoiam e outros voluntários com quem se pode falar sobre estas situações. Não são fáceis, mas acabam por se superar, porque continuamos a ser úteis e temos de ajudar outras crianças".
Mas não só de perdas se faz a experiência de Sílvia Araújo, que relembra histórias "bonitas", como a de "uma menina de Paços de Ferreira que acompanhei há cerca de três anos e hoje está bem, felizmente. No outro dia viu-me no shopping e disse 'a menina do hospital' e veio dar me um abraço".

Atualmente, existem três centros de referência nacional para a oncologia pediátrica e a pacense, através da Associação Acreditar, dedica as noites de sábado, de 15 em 15 dias, das 18h00 às 21h00, ao voluntariado no Hospital de São João. "Apesar de serem crianças e muita gente diz 'coitadinhos', eles dão-nos uma força incrível, até mais do que aquilo que conseguimos transmitir a eles. Estão sempre muito bem dispostos e parece que para eles aquilo é tudo muito passageiro. Custa-nos mais a nós encarar aquela situação".
Para além da "força" das crianças, o conforto é também encontrado no "agradecimento" dos familiares. "Percebi que éramos úteis, porque há situações de família muito difíceis, pais que estão dois ou três meses sem sair e sem conseguir ver outros filhos ou simplesmente apanhar ar. O facto de conseguirmos ficar com as crianças, de as entreter, os pais ficam extremamente agradecidos. Ouvi os obrigados mais sinceros que alguma vez me podiam ter dito e isso enche-nos o coração e claro que nos faz querer continuar".
Falta de voluntários: "É uma questão de prioridades"
Sílvia Araújo trabalha de segunda a sexta-feira e, por isso, escolheu a noite de sábado para se dedicar ao voluntariado, remunerado "com a felicidade das crianças". Mas, "nem toda a gente pensa assim" e, atualmente, assiste-se a um decréscimo de voluntários, apontado por aqueles que lidam diariamente com o problema. "Muita gente quando ouve falar de voluntariado diz 'também quero ir', é o quero ir por experiência, mas é preciso o compromisso. Há dias em que nos apetece ir jantar com os amigos ou sair. É aí que as pessoas começam a desistir. Felizmente, o meu turno é um dos que está há mais tempo junto e que tem alguma estabilidade, mas, de uma forma geral, nem sempre é assim. No verão, por exemplo, é assustador a quantidade de faltas que existem. Quando me dizem que não há tempo, digo sim há, é uma questão de prioridades".
No final de cada turno, e em alguns dias, a voluntária sente "alguma frustração. Às vezes há pais e meninos novos e é muito complicado entrarmos, porque ainda estão a assimilar a notícia, não são fáceis de aceitar". Mas há também outros dias em que "não chegamos para as encomendas. Há miúdos que querem brincar, outros querem-nos só no quarto para conversar e ler uma história. Já tive crianças que só queriam companhia para ver um filme. São coisas simples, mas conseguimos libertar os pais".
Com coisas simples fazemos a diferença
Para Sílvia Araújo, ser voluntário é "dar um bocadinho daquilo que possamos ter de bom, como o nosso tempo e boa disposição. Sou uma pessoa com saúde, família, amigos, tenho trabalho, e se tenho tudo o que é positivo quando chego lá penso 'se estivesse nesta situação ia precisar que alguém me alegrasse e me trouxesse ajuda. Com coisas simples fazemos a diferença", garante.
Por isso, enquanto "tiver oportunidade e o trabalho permitir", a pacense pretende continuar o trabalho de voluntária. "Se até agora deu, acredito que continue a dar".