eugenia carvalho
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“Fazer o bem, sem olhar a quem”. É um provérbio da língua portuguesa que, facilmente, se pode adequar à vida de Eugénia Carvalho. Nascida em França, com apenas nove anos regressou a Portugal, depois de perder o pai, e foi viver para Amarante. Professora de profissão, “segue à risca” a premissa de “pensar no nós e não no eu” e o ato mais altruísta feito até hoje foi o de doar a sua medula óssea para um desconhecido. No dia em que se assinala o Dia Mundial do Dador de Medula Óssea, o Jornal A VERDADE traz-lhe o testemunho desta professora de francês.

Tudo começou em 2008 quando foi feito um apelo a toda a população de Amarante para a doação de medula óssea para uma amarantina. “Os bombeiros de Amarante mobilizaram-se e várias pessoas, de várias freguesias, fizeram-no. Foi feita a recolha dos dados, que foram para a base de dados internacional”, explicou.

Cerca de um ano depois, Eugénia Carvalho foi contactada pelo hospital, pois a sua medula óssea era “100% compatível com alguém que estava a precisar da doação”, recorda. Rapidamente foi feito todo o processo. A equipa de enfermagem deslocou-se por duas vezes à Escola EB 2,3 de Toutosa, onde Eugénia Carvalho era professora, para a recolha de sangue para serem feitas as análises. “Depois tive de ir ao IPO para fazer uma série de exames médicos para ver se estava tudo bem comigo”, refere.

O processo já se encontrava em andamento e a professora foi várias vezes questionada, por amigos e familiares, do motivo que a levou a aceitar. “Muitos diziam-me que eu não conhecia a pessoa e que era um processo muito complicado. Infelizmente perdi o meu pai ainda não tinha nove anos, com uma leucemia. Naquela altura a medicina não estava evoluída como nos dias de hoje, se fosse como hoje, talvez ainda tivesse o meu pai aqui comigo”, afirmou.

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Pai de Eugénia Carvalho

Eugénia Carvalho defende também “não saber o dia de amanhã”, destacando a importância de pensar mais “no nós e não no eu”, a nível da sociedade. “Vejo a nossa sociedade a olhar para o umbigo. Temos de pensar para o nós, é essa a minha filosofia de vida. Hoje, posso não precisar, mas tenho uma filha, um amigo, tenho alguém muito próximo que pode vir a precisar. Não podemos ser egoístas. O mundo gira e aquilo que negamos, muitas vezes, vem ter connosco”, apontou.

Processo feito de forma “anónima”

Eugénia Carvalho conta que todo o processo foi feito de forma “anónima”, uma vez que é a política adotada a nível mundial para este tipo de doações. “A única coisa que sei é que era para alguém que era de fora do país”, revelou.

Antigamente, este processo, não era feito de “forma anónima”. No entanto, e devido a vários casos, foi decidido proceder desta forma. “Estamos a dar mais do que o euromilhões a um ser vivo e, a nível de ética, nós não somos todos iguais. Eu posso fazer isto por altruísmo, mas há quem possa ver isto com outros olhos”, explicou. Porém, a professora gostava “de conhecer a pessoa a quem foi feita a doação e dar-lhe um abraço”.

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O processo “mais doloroso” aconteceu antes da doação. “Na altura tive de fazer umas injeções para desenvolver o que é necessário na medula para ser feita a transfusão. A equipa médica disse-me que podia ter dores de corpo e de cabeça, do género de uma gripe. Mas eu tive dores horríveis na zona dos rins e do ventre. Por tontice, não liguei para os médicos a dizer e andei uma semana em sofrimento, porque me senti acanhada. Mas devia ter ligado”, conta.

No dia do processo de transfusão, Eugénia Carvalho levou uma amiga “bem disposta” que a animasse, uma vez que demorou cerca de cinco horas. “Quando terminou o processo os médicos vieram ter comigo, veio também uma das responsáveis pelos processos de doação e questionaram-me como me tinha sentido, porque em vez de um saco, que é normal, o meu organismo produziu o dobro”, recordou.

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Nesse dia, também lhe perguntaram se voltava a passar por todo este processo e a resposta foi dada de forma rápida e incisiva: “voltaria, com toda a certeza”.

Após o processo, regressou a casa e admite ter-se sentido “fraca” e de precisar de descanso. “Recordo-me que, na hora do jantar, a minha pequena deu-me a sopinha à boca. São essas memórias que ficam”, descreveu.

Umas semanas depois, Eugénia Carvalho regressou ao IPO, para uma consulta de rotina. “Tentei perceber se o processo tinha corrido bem e o enfermeiro que estava comigo piscou-me o olho, de forma afirmativa. Fiquei muito mais aliviada”, sublinhou.

Eugénia Carvalho deixa, para finalizar, um conselho às pessoas que possam passar pelo mesmo processo, no futuro: “temos de pensar que, quando fazemos a doação, estamos a dar o melhor de nós a alguém. Estamos a dar-lhes o direito à vida. Apelo às pessoas para que não pensem só nos seus, temos de ser altruístas, temos de pensar nos outros e não sabemos o dia de amanhã. Acho que estamos cá todos com um propósito, se podermos fazer um pouco de bem uns aos outros o mundo será muito mais bonito”, concluiu.