carlos diogo
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“Foi num dia especial, dia de São Pedro. Tinha ido ver o concerto dos Amor Eletro. Vi até ao final, fui para casa e deitei-me. De manhã queria levantar-me da cama e já não conseguia. Percebi que alguma coisa não estava bem”. Foi neste dia, 29 de junho de 2012, que o “mundo desabou” para Carlos Diogo.

Estava a dormir e recorda que não percebeu “à primeira. Na segunda ou terceira tentativa para me levantar pensei ‘o que se passa?’. Chamei o meu filho e foi ele que percebeu. Aí já não mexia o braço”, recorda.

Já no hospital, recebeu uma notícia que não esperava. “Disseram que tinha sido um AVC. Pensei ‘e agora como vai ser da minha vida?’”. Seguiram-se três dias nos cuidados intensivos e quase um mês de internamento. “Não me conseguia levantar da cama nem para ir à casa de banho. Nesses momentos pensamos ‘o que vou ser agora, um vegetal?’ Mas estava enganado, porque a vida é muito mais do que isso. É um processo muito demorado, com dúvidas, mas sempre com vontade de dar a volta à situação, aos poucos e com ajuda dos profissionais e da família”, sublinha.

É um processo muito demorado, com dúvidas, mas sempre com vontade de dar a volta à situação

Nunca tinha tido “nenhum sintoma” que fizesse prever que podia acontecer, mas numa visita ao passado Carlos Diogo reconhece que havia alguns fatores de risco, “como o stress, falta de descanso, má alimentação e hipertensão”.

A partir daquele dia, “a vida nunca mais foi igual” e tem sido “uma luta constante. A minha maior dificuldade é a mão esquerda, não faço absolutamente nada com ela. Neste momento, ainda faço fisioterapia, porque ainda acredito que posso melhorar mais um bocadinho. Fui a Inglaterra, Manchester, fazer um tratamento num centro de neurologia e por aqui andei sempre em clínicas especializadas nestes casos. Quero mesmo recuperar a minha vida”.

Atualmente, Carlos Diogo é jornalista na Rádio Felgueiras e “embora com alguma dificuldade”, consegue fazer o que “mais gosta. O trabalho faz-me sentir útil e tenho sempre o apoio dos colegas que têm sido impecáveis nesse aspeto. Fui-me adaptando e é o que faço na minha vida desde que tive o AVC, adaptar-me a novas circunstâncias”.

Apesar dos tratamentos, ficou com “sequelas do lado esquerdo. Não ando muito bem, não consigo subir escadas sozinho, mas consigo caminhar e deslocar-me para qualquer lado,  conduzo o que me dá muita liberdade. E consigo fazer coisas em casa, como cozinhar, algo que sempre gostei muito e continuo a conseguir fazer com adaptações. São coisas que vamos aprendendo na terapia ocupacional. Ensinam a adaptarmo-nos às diferentes situações do dia a dia”.

Quando teve o AVC, Carlos Diogo era presidente da rádio e confessa que “a responsabilidade de ter pessoas a depender deste trabalho” foi um dos fatores do “stress. Havia sempre a preocupação de chegar o fim do mês e saber que tinha de pagar os salários.Mas depois de estar na cama do hospital lembrava-me ‘estou aqui deitado, não posso fazer nada, no entanto a rádio continua e eles continuam a trabalhar. Ninguém é insubstituível”.

Ter a retaguarda familiar é fundamental

Em todo este processo, o apoio da família foi “importantíssimo. Ter a retaguarda familiar é fundamental. Posso dizer que foi o que mais me ajudou a recuperar, quase tão importante como a fisioterapia”, garante.

Carlos Diogo tinha 45 anos quando teve o AVC, contrariando a ideia, generalizada, de que é um problema que só nos afeta numa idade mais avançada. “Estive numa clínica em que eu era o mais velho. Estavam lá pessoas que faziam desporto, que tinham uma vida saudável e aconteceu na mesma. Podemos ter uma vida saudável, mas se vivermos uma vida acelerada, as coisas acontecem”.

O jornalista aprendeu “a lição” e hoje vive a vida “com mais calma e com regras. O stress tem muita influência na nossa saúde. Continuo a trabalhar, mas não dedico tantas horas como antes. Faço os meus horários, aquilo  que gostava de fazer, a informação, especialmente a política, mas agora com regras e limites”.

Comemorado a 31 de março, o Dia Nacional do Doente com Acidente Vascular Cerebral (AVC) foi instituído no ano de 2003, com o objetivo de sensibilizar a população para a realidade da doença em Portugal. Na primeira pessoa, Carlos Diogo deixa uma mensagem de “otimismo e resiliência. Não desistam, é sempre possível melhorar. Na fase de recuperação, depois de sair do hospital, há muitas barreiras a derrubar, como o preconceito. Quantas vezes ouvi baixinho ‘coitadinho, olha como ficou’. Isso custa ver e saber que as pessoas nos tratam assim, mas nunca fui de ficar a lamentar-me de nada e continuo igual. Aconteceu e agora só posso olhar para a frente”.

Pensava que só acontecia aos outros, até que eu fui o outro

Como diz o ditado, “as coisas não acontecem só aos outros” e este testemunho é prova disso. “Pensava que só acontecia aos outros, até que eu fui o outro. Mas a vida continua. Aliás, tenho participado em algumas palestras, nomeadamente em escolas para alunos de cursos profissionais de auxiliares de saúde. Digo-lhes sempre para não se esquecerem que um doente neurológico não perdeu capacidade mentais. Perdeu algumas capacidades físicas, mas é um ser humano que vive e quer viver. Sermos tratados como coitadinhos é o pior  que nos podem fazer. Felizmente, essa mentalidade está a desaparecer, mas ainda há alguma. E estes dias servem para alertar que estas pessoas existem. O AVC não me fez parar e adaptar é a palavra-chave”.