Entre os seis e os nove anos (2011-2014), os dias de Deolinda Lopes eram passados dentro do Centro de Acolhimento Temporário "Crescer A Cores" (atual Afvter CA), mas os sonhos desta jovem ultrapassavam qualquer barreira física. Ainda desses tempos recorda "as horas que passava a cantar" e que já faziam prever o gosto pela música, que ainda hoje a acompanha. "A música faz parte da minha vida desde pequenina", garante Deolinda Lopes.

Em 2014, ela e os dois irmãos mais novos (16 e 17 anos) foram recebidos em casa de uma família de acolhimento que, para a jovem, de 18 anos, "é como se fossem a família verdadeira. Já os conhecia desde que fomos para a instituição, por isso a adaptação não foi complicada. Gosto muito deles". Agora, "com outra maturidade", consegue perceber que ter passado três anos no Centro de Acolhimento Temporário a "ajudou a lutar mais" pelos sonhos e objetivos. "Em comparação com outras crianças, eu tive de crescer muito mais rápido. Fui tirada aos meus pais com seis anos e como tenho dois irmãos mais novos, sempre senti que tinha a responsabilidade de os ajudar, porque sentiam faltam de uma mãe e de um pai". Ainda com "algum contacto com a mãe que liga de vez em quando", percebe os motivos pelos quais foi colocada numa instituição. "Eles não tinham condições para nos educar, mas só percebi depois".

Com a missão de transmitir aos irmãos mais novos a "importância de estudar", Deolinda Lopes garante não ser uma jovem "revoltada" por ter estado numa instituição. Como nos diz, "varia muito de pessoa para pessoa, mas temos de definir objetivos. Mão é por estarmos numa instituição que somos menos que os outros, só não tivemos a infância e o carinho dos pais como as outras crianças". Ainda em criança recorda os "comentários não tão positivos" que ouvia, o "desprezo" que sentia das outras crianças pela infância que teve e passou por "momentos menos felizes como toda a gente. Não é fácil estar numa instituição, eu odiei. Não me tratavam mal, aliás estou-lhes eternamente grata, porque passei de ter dificuldades para ter comida e roupa, só tenho de estar agradecida. Mas não é a mesma coisa que estar numa família. Eu via os outros meninos a passear com os pais e eu não podia ter isso".
Deolinda Lopes foi uma das melhores alunas na Escola Secundária de Castelo de Paiva no último ano letivo

No ano letivo 2022/2023, a jovem de Castelo de Paiva foi umas das melhores alunas do 12.º ano da escola, com uma média final de 17 valores. O gosto pela música levou-a até à Escola Superior de Educação, no Porto, mais precisamente ao curso em Educação Musical. Influenciada pela família de acolhimento, "uma família de músicos", seguiu a vertente artística e tem como objetivo profissional ser professora de música. "Eu sabia que queria algo relacionado com a música. Inicialmente era com o piano, mas, mais tarde, comecei a ganhar um carinho especial pelas crianças".
Estudar e ser boa aluna "nunca foi um problema" para a jovem que tem "um gosto especial pela escrita. Sabia que ninguém o podia fazer por mim, portanto tinha, e tenho, de me esforçar se queria ser alguém". Na universidade encontrou um ambiente "muito diferente" do ensino secundário que era "mais acolhedor", mas as aulas "estão a ser o que esperava" e está a adaptar-se "bem". Deolinda Lopes esteve entre as melhores alunas da escola, mas sabe que as notas "são apenas números" e que um bom aluno deve ser "uma boa pessoa, um bom amigo, alguém que sabe respeitar os outros, com valores. Não vale a pena ser um aluno com média de 18, se como pessoa não é educado e não gosta de ajudar".
Quando pensa no futuro, diz que tem como objetivo "fazer o mestrado em direção coral, ser professora e ser mãe. Gosto muito de crianças e quero provar que não sou como a minha mãe biológica, quero dar aquilo que me faltou". Confessa-se uma jovem que "não sabe estar parada", seja nos escuteiros, nos acólitos, ou nos coros e aos outros jovens pede para que "lutem pelos sonhos e não deixem de fazer as coisas só porque ouvem comentários negativos. Temos de provar que conseguimos".