No Dia Mundial do Professor, assinalado a 5 de outubro, o Jornal A VERDADE traz-lhe o testemunho de Conceição Neves, natural de Alpendorada, Várzea e Torrão, concelho do Marco de Canaveses. É professora há 24 anos e ao longo da sua jornada quebrou "preconceitos e receios" e viveu "uma das melhores experiências no ensino": lecionar num estabelecimento prisional.
"Há dois anos calhou-me uma escola que não é bem uma escola. Quando soube fiquei um pouco assustada, mas depois acabou por ser uma das experiências mais enriquecedoras. Vale a pena presenciarmos uma realidade completamente diferente", começou por partilhar.
Para além do habitual fascínio por "dar aulas", Conceição Neves encontrou uma motivação em "melhorar o ser humano" e fazer entender que estas pessoas "não estão em fim de linha, ainda existe muito para fazer em prol da reinserção deles na sociedade". Enquanto professora considera que tem "um papel fundamental. Quando ensinamos matemática é diferente porque serve para desenvolver ferramentas que eles possam usar no dia a dia quando saírem da cadeia, mas também desenvolvemos a relação humana, mostrarmos o bom que a vida tem cá fora e não o mau".
Com o passar das semanas, o "choque de dar aulas numa cadeia" desapareceu e, atualmente, Conceição Neves considera ser um trabalho "mais seguro. Os miúdos aqui não são fáceis, mas na escola também não, na cadeia acaba por ser mais fácil porque estamos mais protegidos. Apesar de estarmos num estabelecimento prisional é quase impensável acontecer algo, existem mais regras numa cadeia do que em muitas escolas públicas. Eles sabem que qualquer coisa que façam mal voltam para uma cela, eles sabem que têm sempre consequências, enquanto que os miúdos nas outras escolas podem ter consequências, mas são muito mais leves", explica.
O tempo também demonstrou a Conceição Neves que "a maioria dos miúdos aproveita os conhecimentos". Com base nesta frase, a professora recorda a história de um aluno menor de idade. "O rapaz era de uma família riquíssima e ele próprio dizia que se meteu na droga e sabia que fez asneiras, dizia 'professora, eu sei que estraguei a minha vida, mas eu vou sair daqui e prometo que nunca mais me vou meter na droga'. Os pais deram-lhe tudo, primeiro começou a fumar na brincadeira e depois começou a ver que vender dava dinheiro e acabou por ser 'caço' e ficou três anos na cadeia".
Para felicidade de Conceição Vieira, quando regressou para um novo ano letivo no estabelecimento prisional não o encontrou. "Ele não estava lá e espero que nunca mais volte, porque notava-se que ele era uma pessoa com cultura, com conhecimento, uma pessoa que foi apanhada por algo fácil".
Histórias como estas têm também servido de ensinamento para os filhos de Conceição Neves. "Inicialmente os meus filhos ficaram assustados, mas com o tempo começaram a encarar de forma natural e agora dizem 'mamã tu vais fazer com que eles sejam melhores pessoas'".
Este ano, Conceição Neves volta a abraçar um novo desafio: dar aulas na ala feminina, embora ainda permaneça algum "receio", a marcoense garante que se sente uma professora "realizada e feliz" e hoje em dia considera ter "perfil" para formar estas pessoas. A cada dia que passa num estabelecimento prisional, a "ambição" de torná-los "melhores cidadãos" aumenta na professora.
Depois de várias aulas lecionadas em cadeias, não restam dúvidas a Conceição Neves de que "vale a pena fazer 160 quilómetros diários para formar estes jovens". Atualmente, o único constrangimento que vê é a distância, porque no que toca aos alunos do estabelecimento prisional garante que "podia dar todos os dias e não me chateava nada".