O Natal da minha infância, entre os meus nove e dez anos, era uma época que eu aguardava ansiosamente, especialmente quando o passava na casa dos meus avós maternos. A casa deles era o centro de muitas memórias e, durante esse período, o calor da lareira e o som das vozes animadas enchiam o ambiente de magia.
Naquele tempo, a nossa família era grande: sete filhos, três raparigas e quatro rapazes, todos muito unidos. Trabalhávamos juntos na terra, com os meus avós a cultivar uma vasta extensão que, embora não fosse deles, era o nosso sustento. A vida era difícil e a maioria do que produziam tinha de ser entregue ao senhorio, o que tornava o alimento escasso e os recursos limitados. Apesar de todo o trabalho árduo e das dificuldades, havia sempre espaço para a partilha e para a celebração.
Na noite de Natal, a atmosfera era diferente. Era o único dia do ano em que a abundância tomava conta da mesa. Comíamos batatas, bacalhau com tronchudas (um prato típico da época), e aletria, todos a saborear ao redor da lareira, que crepitava com o calor da madeira. A cabaça do vinho estava sempre à mão, partilhada com amigos e vizinhos que chegavam para se juntar à celebração e beber um copo em boa companhia.
Após a ceia, a diversão continuava com o tradicional jogo do pinhão, que os meus tios preparavam com muito entusiasmo. Esse jogo, carregado de risos e brincadeiras, era um momento único daquela noite. Outros preferiam jogar cartas, as conversas fluíam e o ambiente de alegria preenchia a casa.
Lembro-me de, por volta da meia-noite, nos encaminharmos para a Igreja para a Missa do Galo, que era o ponto alto da noite. Depois, de regresso a casa, já com o espírito de Natal em plena força, dormíamos um pouco mais, aconchegados nas nossas camas de cobertores grossos.
No próprio dia de Natal, a minha avó acordava ainda mais cedo do que o habitual para preparar o café no grande pote de ferro preto. Esse café, que só era servido duas vezes por ano, no Natal e na Páscoa, tinha um sabor especial, talvez pela raridade com que era consumido, mas também pelo ambiente de festa que envolvia a casa. A casa dos meus avós tinha sempre um cheiro característico de pão quente e de comida acabada de fazer.
Após o café, a avó acendia o forno a lenha para assar o frango, enquanto a cozinha se enchia do aroma doce e acolhedor. Ao lado, um grande tacho de arroz era preparado para a família inteira. Era um prato simples, mas cheio de sabor, que acompanhava a refeição. A mesa estava sempre cheia e todos se sentavam juntos, partilhando os momentos de alegria, os risos e as histórias da vida.
Os meus tios, sempre cheios de brincadeiras, perguntavam-me, com um sorriso travesso: "Hoje é fome ou fartura?" E, com um brilho nos olhos, eu respondia: "Hoje é fartura." Era o Natal que se repetia todos os anos, com a mesma simplicidade e felicidade genuína que me fazia sentir em casa, rodeada pelo amor da família.
Artigo de Conceição Brás, utente da Casa da Boavista - Residência Sénior