Há três anos que a vida de Cláudia Sousa, de 45 anos, e José Carlos Regadas, de 46, é "praticamente" passada dentro de quatro paredes. Um acidente de mota mudou a vida deste casal, do homem que tinha "mil e uma tarefas" e da mulher que "dava tudo para voltar a trabalhar".
Em conversa com a esposa, percebemos que o dia 20 de junho de 2020 ainda é recordado "como se fosse hoje. Foi a largos metros da nossa casa. Eu estava em casa com um dos meus filho, e o outro estava a ajudar o pai. Ele disse-lhe que ia experimentar a mota e o meu filho foi para a berma da estrada para ver o pai. Ele já tinha caído tantas vezes, já teve quedas que eu pensei 'pronto já perdi o meu marido'. Mas esta foi uma coisa sem explicação", recorda.
Lembra-se de lhe dizerem que o marido tinha tido o acidente, num dia "com muito calor, estava descalça" e foi "a correr" até ao local. "Quando vi o meu marido no chão percebi logo a gravidade. Depois bloqueei, mas sei que todos os que estiveram ali foram incansáveis, bombeiros, médicos, vizinhos".

Do hospital, as notícias que lhe faziam chegar "não eram boas. Disseram para pôr o coração de lado, porque ele não sobreviveria e, se sobrevivesse, ia ficar muito incapacitado. Mas eu nunca acreditei que ele não sobrevivesse, tive sempre esperança. A minha fé continuou a manter-se inabalável", garante Cláudia Sousa. Seguiram-se "meses difíceis" e confessa que durante "muito tempo" não conseguia falar no assunto. O regresso a casa aconteceu no dia 23 de dezembro, depois de um um longo processo no Centro de Reabilitação do Norte, Valadares. "Foi muito difícil, porque não havia visitas por causa da COVID-19".
Antes do acidente, que lhe viria a mudar a vida por completo, José Carlos Regadas era um homem "que não parava, tinha mil atividades para fazer. Era mecânico de motas, fazia corridas, ajudou os pilotos na moto GP. Não parava, era algo que amava fazer". Também Cláudia tinha uma vida "dinâmica" e uma rotina "normal" de trabalho. Mas a partir dali a rotina deste casal "alterou-se por completo". Seguiu-se um "percurso difícil e um período de aceitação. Questionava 'porquê a mim? Mas depois pensei 'não posso pensar no porquê, porque não existe. Foi o que foi, agora é andar para a frente. Tive de aceitar, se não não conseguia avançar com a minha vida".
Em todo este processo, o "mais difícil" para esta cuidadora foi ver-se "obrigada a deixar de trabalhar. Tive de deixar a minha vida para viver em função do meu marido. São 24 horas sob 24 com ele, não o posso deixar sozinho. Mas dava tudo para voltar a trabalhar". As rotinas são "quase sempre as mesmas", dividas entre casa e a fisioterapia. "Estamos quase sempre em casa, porque se vamos a algum lado, ele diz quer ir embora". Apesar de comer "sozinho", o marido depende de Cláudia "para tudo. Tenho de ajudar no banho, escovar os dentes, desfazer a barba. Depende de mim praticamente tudo", explica.

A viver uma vida de cuidadora a tempo inteiro, Cláudia Sousa deixou de ter "tempo para ir tomar café com as amigas, por exemplo, mas faz-me imensa falta. Tenho poucas, contam-se pelas mãos, mas são boas amigas. Dizem-me para ir sair só um bocadinho, mas custa-me imenso deixar o meu marido. Ainda não consegui priorizar-me, mas sei que tenho de cuidar de mim. Confesso que houve uma fase da minha vida em que não pensava assim, mas agora penso, porque se não estiver bem não posso cuidar do meu marido".
Nestes três anos enquanto cuidadora informal, e depois de uma mudança "total" na vida, diz que tem tido "uma força incrível, não sei onde a vou buscar. Mas tem de ser, porque as coisas não voltam atrás. É aceitar a realidade e tentar fazer o melhor possível, sempre com otimismo. A situação é má, mas tento não olhar para esse lado. E num lado menos bom, há sempre um lado bom".
É aceitar a realidade e tentar fazer o melhor possível, sempre com otimismo
Na primeira pessoa pode dizer que, apesar de ter "momentos de felicidade, não se consegue estar completamente feliz", por uma vida que "ninguém quer e pede" e que "não pergunta se somos fortes e se queremos". No entanto, garante que tem "aprendido muito como ser humano, como mulher e mãe. Sou grata por isso. Claro que tenho os meus momentos de fraqueza, para chorar, como qualquer ser humano, mas sou grata por ter aprendido e quero continuar a aprender".
Atualmente, Claúdia Sousa é uma das cuidadoras que integra o projeto CACIL - Centro de Apoio Cuidador Informal Lousada, da Santa Casa da Misericórdia e quando lhe perguntamos qual a importância que o mesmo tem tido, a resposta é quase imediata. "Foi das melhores coisas que nos podia ter acontecido, é excelente e têm sido os nossos anjos da guarda. Todos os profissionais têm um coração gigante e têm sido um grande suporte".
Neste Dia do Cuidador Informal, 5 de novembro, a lousadense alerta para a importância e o papel de um cuidador, que deve munir-se de "amor" para dedicar o tempo e a vida a alguém. "Independentemente da pessoa que seja, para ser cuidador tem de haver amor. Se não houver, não se consegue ser cuidador por muito tempo. Se não houver amor cuida-se só por se cuidar. Por isso deem amor, façam o bem, sejam felizes sempre. Neste momento, estarmos em paz é a melhor coisa do mundo".