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Armando Baltazar não nasceu surdo, foi um “forte ataque de meningite purulenta” que o levou a conhecer “um mundo muito diferente, um mundo onde impera o silêncio”. O homem natural de Valongo ficou em coma e quando voltou a abrir os olhos tinha perdido a capacidade de escutar o mundo ao seu redor.

Apesar de nunca ter sido supersticioso, a doença atingiu-o no dia em que celebrou 13 anos. Número associado à má sorte, no entanto não se deixou vencer e afirma que “a partir daí o meu número preferido é o treze”. 

Dois anos depois do acontecimento, Armando Baltazar juntou-se à comunidade surda pela qual foi recebido de “braços abertos e todos de imediato se disponibilizaram a transmitir-me os valores, a cultura e a forma de ser desta maravilhosa comunidade”. Mas o mais importante foi introduzir a língua gestual portuguesa (LGP) na sua vida para se poder voltar “a afirmar como cidadão. E foi assim, e sempre com ao apoio da LGP, que eu construí a minha identidade como Pessoa Surda”. 

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Já no que toca aos estudos, após ter ficado surdo, Armando Baltazar não conseguiu prossegui-los devido “à falta de apoio”, mas recorda que “era um excelente aluno no antigo 2.º ano do curso geral dos liceus”. Largos anos depois, regressou ao estudos “ainda sem apoio, mas a força de vontade fez-me conseguir o que pretendia”. Aos 32 anos, Armando Baltazar juntou-se aos seus filhos gémeos na escola e continuou a estudar “sobretudo por motivos profissionais”

O seu caminho na educação não ficava por aí. Aos 57 anos ingressou na ESECoimbra, numa licenciatura de docência da LGP, em que terminou com uma média final de 18,4 valores. A nota deu-lhe a possibilidade de receber “um prémio monetário e um diploma do Ministério do Ensino Superior”.  Atualmente, já existem apoios no sistema de ensino desde o pré-primário ao superior fruto “das lutas e insistências da comunidade surda”, contudo considera que por enquanto ainda são “insuficientes”. 

No seu percurso profissional, Armando Baltazar “jamais teve dificuldades”, mas acrescenta que “não invalida que muitas pessoas surdas não sofram de discriminação”, explica.

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Com base na sua experiência refere que “as pessoas surdas podem render mais no trabalho que os trabalhadores ouvintes. Temos maior concentração e menos distração a que a surdez nos obriga”. Iniciou a sua carreira profissional aos 15 anos e durante um ano foi encadernador, de seguida trabalhou como tipógrafo compositor manual, e a partir dos 32 anos e até aos 47 foi executivo bancário. Após a reforma dedicou-se “a tempo inteiro ao serviço da comunidade surda”. 

Armando Baltazar vive uma história de amor completa e é bisavô

Aos 72 anos é casado com uma “jovem” de 71, também ela surda o que levou a que os filhos gémeos sejam CODA’s (Children of Deaf Adults) o que significa que “interiorizaram a LGP antes da fala oral”. Armando e a esposa são já bisavós e têm dois netos, uma neta e uma bisneta. 

Armando Baltazar e a sua esposa são os únicos portadores de surdez na família. Esta dificuldade nas suas vidas levou “indubitavelmente” a que um dos seus filhos seja “um dos melhores intérpretes de língua gestual em Portugal”. Além disso, têm ainda uma neta que é igualmente intérprete de língua gestual portuguesa. 

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Armando Baltazar tornou-se líder da comunidade surda portuguesa

Quando ingressou para a comunidade em 2015, sentiu que a comunidade surda era “totalmente discriminada, subalternizada e humilhada”. Por isso prometeu a si mesmo que “enquanto viver, a minha vida será totalmente dedicada a pugnar por todas as condições que possibilitem às pessoas surdas o acesso à cidadania plena numa verdadeira inclusão”. 

Ao fim de 57 anos de luta considera que “a situação mudou como da noite para o raio da alvorada. O dia já não está tão longe”, no entanto, continua a acreditar que “o maior problema da comunidade surda, é a ‘surdez mental’ da sociedade para connosco”, apesar de tecer palavras “duras”, esta é uma realidade com que se deparou ao longo da vida e para a qual chama a atenção.

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Ao papel de líder, Armando Baltazar junta o cargo na política, desde setembro de 2013 que é “o primeiro membro da comunidade surda a ser eleito para um cargo público, como número dois da lista do Partido Socialista à Assembleia Municipal de Valongo”. 

Ao longo de 75 anos, Armando Baltazar tem se deparado com vários estigmas associados a pessoas “diferentes”, entre eles, destaca a diferença entre surdo e mudo, apesar das crianças que nascem surdas não terem acesso aos sons que os rodeiam, a comunidade não pode ser designada de muda porque “todo o ser humano, seja surdo ou ouvinte, poderá comunicar de inúmeras formas”. 

Por fim, termina por dizer que após ter-se mentalizado que “não podia aprender a ouvir”, sempre ambicionou que “a sociedade pudesse aprender a aproximar-se de mim, respeitando e aceitando a minha diferença. As pessoas podem encontrar formas de comunicar comigo, que se esforcem um pouco, pois eu também me esforço para suprir a barreira da comunicação”, termina.

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