Artigo de opinião de Paulo Carrola, coordenador do Núcleo de Estudo das Doenças do Fígado da SPMI.
A hepatite é uma inflamação do fígado causada por diversos vírus e agentes não infeciosos que originam vários problemas de saúde, alguns dos quais podem ser fatais. Existem cinco tipos principais de vírus da hepatite (A, B, C, D e E) e embora todos eles possam causar doença hepática diferem entre si nos modos de transmissão, gravidade da doença, distribuição geográfica e métodos de prevenção. De forma particular as hepatites B e C podem levar a doença crónica, muitas vezes assintomática, em centenas de milhões de pessoas em todo o mundo, e juntas são a causa mais importante de cirrose hepática, cancro do fígado e morte relacionada com a hepatite viral.
No dia 28 de julho celebra-se o Dia Mundial das Hepatites em homenagem ao cientista Prémio Nobel da Medicina, Dr. Baruch Blumberg, nascido neste dia, que descobriu o vírus da hepatite B e desenvolveu um teste diagnóstico e vacina contra ele. Simbolicamente nesta data unem-se esforços para sensibilizar a comunidade internacional para este problema e incentivar a tomada de medidas que envolvam os doentes e o público em geral. Estima-se que 354 milhões de pessoas em todo o mundo vivam com hepatite B ou C, para a maioria das quais os testes e o tratamento permanecem ainda, e infelizmente, fora de alcance. De modo a uniformizar procedimentos e a normalizar as abordagens de saúde no combate a este flagelo a nível global, a Organização Mundial de Saúde (OMS) emite regularmente orientações que visam a eliminação das hepatites víricas como problema de saúde pública até 2030, reconhecendo, no entanto, as especificidades de cada região na abordagem desta temática.
Em Portugal dispomos, para a hepatite B, de vacinação, há muito tempo incluída no Plano Nacional de Vacinação. Para a hepatite C o problema é mais complexo uma vez que não dispomos de vacinação, restando apenas a evicção dos comportamentos de risco para a transmissão da infeção e a identificação de doentes por testagem e subsequente tratamento, para o controlo da infeção. Relativamente ao tratamento, o nosso país removeu algumas restrições ao tratamento da hepatite C, embora mantenha outras, responsáveis por alguma entropia no sistema. Desde 2015, ano em que se iniciou o tratamento da hepatite C com antivirais de ação direta em Portugal, foram autorizados mais de 30.000 tratamentos dos quais mais de 28.000 doentes já o iniciaram. Apesar da elevada eficácia do tratamento, que ronda os 97% de taxa de cura, terão de ser dados passos adicionais, nomeadamente uma maior consciencialização sobre a hepatite na comunidade, o aumento do nível de testagem nos adultos e a dinamização de programas de micro-eliminação em populações chave, para que o controlo da doença seja uma realidade.
A pandemia criou inúmeros constrangimentos à concretização do objetivo final de erradicação que urge ultrapassar. A prioridade neste momento é a recuperação do tempo perdido e para que isso seja possível é imprescindível o envolvimento e empenho dos decisores políticos.
Torna-se imperativo o apoio a programas de erradicação que incluam medidas preventivas, o reforço do rastreio, realizando-o de forma sistemática e organizada, a despistagem pelo menos uma vez na vida das hepatites víricas na população não incluída em grupos de risco e a agilização da disponibilidade dos tratamentos a todos os casos identificados.
Todos os anos nesta data a comunicação social é inundada com inúmeros artigos de opinião sobre o tema das hepatites, que incluem, de forma reiterada, a identificação dos problemas e a proposta de soluções. E a ideia que transparece é que de ano para ano pouco progredimos apesar de sabermos o que temos de fazer. Falta pragmatismo nas nossas ideias e organização no método – penso serem estes os grandes desafios da atualidade. Deixava aqui um repto e mesmo um desejo: que a temática das hepatites não seja exclusiva do mês de julho, mas que a sua erradicação seja uma ambição que nos inquiete todos os meses do ano.