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O dia 10 de janeiro é só mais um para muitos, mas especial para outros. Que o digam os amarantinos que celebram o Dia de São Gonçalo, em honra a um santo, também, conhecido como casamenteiro das solteiras e guardam um espacinho no estômago para comer o doce mais popular e associado à data.

Entre histórias e tradições, o doce fálico de São Gonçalo ganhou o protagonismo entre os doces de Amarante e quase todas as pastelarias desta terra fazem questão de o vender aos que já o conhecem ou àqueles que a este concelho associam o doce e o querem provar.

Como o nome indica, trata-se de um doce com o formato de um falo e que se massificou após o 25 de abril (terminado o período de censura). Desde então, os doces fálicos começaram a ser fabricados de forma mais industrial. Aliás, se visitar o concelho de Amarante é muito provável que encontre o doce em quase todos os cafés de rua da zona histórica.

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Com mais ou menos “vergonha”, são “muitos” os turistas que o procuram e Catarina Pinto fica “orgulhosa” por ajudar a manter viva a tradição. Arquiteta de formação e profissão, é hoje uma das responsáveis pela continuidade do doce fálico de São Gonçalo, que “durante todo o ano e todos os dias” está exposto na monstra do estabelecimento do qual é proprietária (Confeitaria Tinoca).

Em 2013 a área da construção civil estava “muito parada” e de forma a ‘fugir’ da emigração – um caminho seguido por muitos – a amarantina decidiu abraçar o mundo da pastelaria. Quando era mais nova fazia “pudins e bolos caseiros com a avó e gostava desta área”, por isso, foi só seguir o gosto.

O saber das pasteleiras mais antigas da casa foi mantido e continua para transmitir às gerações mais novas as receitas mais tradicionais, como a do doce fálico. “É preciso gente mais nova que goste desta área, que queira aprender e, depois, continuar connosco. Neste momento, somos uma equipa só de meninas e as mais jovem acham engraçado conhecer e aprender a fazer estas novas tradições”, garante.

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Nesta confeitaria, tal como todos os doces, o doce popular é de fabrico próprio e ‘obrigatório’ na montra, embora haja outro doce típico deste dia. “São os sequilhos. São diferentes das outras confeitarias, um bocadinho mais folhadinhos, muito bons. Só há poucos anos é que a venda do doce fálico se tornou mais conhecida, até porque era vendido às escondidas, havia a vergonha. Agora não já não há. Aliás, neste dia, e no fim de semana a seguir, a procura é maior. E volta a ser no primeiro fim de semana de junho, nas festas em honra ao São Gonçalo”, explica Catarina.

Diz o ditado que ‘os tempos já não são o que eram’ e as tradições também não. Embora perdurem no tempo, o passar dos anos levou a uma adaptação aos tempos atuais. “Nós não fazemos a receita original que, do muito pouco que existe escrito, sabemos que é um doce feito com massa de rosquilho, mais duro. Eram vendidos por doceiros tendeiros que faziam uma cidade aqui, uma cidade ali. Eram massas mais duradouras. Nós nunca produzimos essa massa, mas sim uma mais mole. Não queremos levar só para a brincadeira, mas que também seja boa para comer. Nós pegámos na massa choux, do éclair, e reformulámo-la. Não é tão seca”.

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Com ou sem recheio “é um bolo que se come muito bem. Nós fazemos, diariamente, o nosso doce fálico sem recheio. Entretanto, começou a ser vendido noutros sítios com recheio, as pessoas começaram a procurar e se vier cá e fizer questão de comer com recheio espera dois ou três minutinhos, vamos à fábrica e recheamos sempre com o que o cliente quiser”.

As tradições mantêm-se, mas vão-se adaptando e no caso do doce fálico “já se vende o original em muito poucos sítios, porque para comer não é tão agradável“, mas no que diz respeito à receita mais ‘moderna’ a procura “tem vindo a aumentar. É notório que há mais ênfase a este devido à forma fálica. As pessoas quando vêm comprar pedem o doce de Amarante, nós apresentamos os cinco doces conventuais (os originais do convento de Santa Clara) e dizem ‘não é nada disto, eu quero o doce de Amarante‘. Quem vem do Porto diz ‘procuramos o caralho de São Gonçalo’ e nós sabemos logo o que procuram. Há outros que entram envergonhados, mas nós já sabemos do que estão à procura”, conta a amarantina.

À exceção da semana de Natal e Páscoa, o doce fálico de São Gonçalo é sempre vendido e “às centenas. Temos vários tamanhos, uns minis, de 12 centímetros, e uns com o tamanho normal, que tem cerca de um palmo. As pessoas fazem muitas piadas com isso, mas já estamos habituados“, diz-nos Catarina Pinto, que já ‘meteu as mãos na massa’ e aprendeu a receita. “Entre fazer e estar no forno demora, seguramente, uma hora e pouco. É um doce que nos ocupa muito tempo do forno, porque ele é cozido e cozinhado no forno e demora a crescer. Por isso é que nós na altura da Páscoa e do Natal não fazemos. Mas neste último Natal tivemos muita gente a procurar o doce fálico. Não podemos deixar de vender, senão as pessoas zangam-se”, diz em tom de brincadeira.

Os mais novos estão a voltar a procurar as tradições e, “os miúdos, por exemplo, acham piada à Brisa do Tâmega, porque tem a forma de um barquinho. Há uns anos fizemos uma adaptação, com um chocolate incorporado. Fazemos algumas alterações para ser mais chamativo aos mais novos. De facto, são as pessoas mais velhas que procuram mais estes doces”.

Catarina fica “feliz” por contribuir para a continuidade das tradições amarantinas e vê-as perdurar no tempo.