logo-a-verdade.svg
Notícias
Leitura: 0 min

Aos 100 anos, D. Amanda sente-se realizada: "Aproveitem todos os instantes da vida"

Redação

Foi uma das primeiras mulheres de Cinfães a ingressar no ensino superior e aos 100 anos ainda cozinha, lava a loiça e dá "um jeitito" à casa que divide com a irmã de 94 anos.

No dia 16 de julho, rodeada "por toda a família" e amigos, que considera "mais do que família", celebrou 100 anos de uma vida "muito feliz, graças a Deus", diz a centenária que, numa conversa à distância - lúcida e convicta -, recorda uma vida de "altos e baixos", mas sobretudo o "carinho e a saudade dos pais e do marido", que perdeu há 33 anos.

Fruto do casamento nasceram 10 filhos - "que já não obedecem muito, mas que são muito amigos" (diz a sorrir) -, 19 netos e "alguns" bisnetos.

Maria Amanda Monteiro Soares, ou D. Amanda como é conhecida, é natural da freguesia de São Cristóvão de Nogueira. Num meio "pobre" e onde era "raro" os jovens prosseguirem os estudos na universidade, nasceu uma farmacêutica e professora. "Fui contrariada. Saí de casa aos dez anitos para o colégio interno para Lamego, custou-me muito. De lá fui para a Universidade do Porto e formei-me em Farmácia. Não tinha ninguém na família, mas o nosso médico convenceu o meu pai que era preciso ter aqui uma farmácia. Então o meu pai construiu a farmácia e eu exerci sempre", recorda.

Para além de trabalhar na farmácia, D. Amanda deu aulas - ao mesmo tempo -, "durante muitos anos" e manteve uma amizade "muito forte com os alunos. Não havia professores e eu comecei a dar aulas no Externato de Cinfães".

Uma vida dedicada aos outros, a ensinar, a cuidar e "foi muito bom" garante a cinfanense, que aos 100 anos diz, sem pensar muito, que se sente "realizada".

A vida 'abrandou' quando o marido "ficou muito doente". Aí deixou a farmácia. "Quando ele precisava muito de mim, vendi a farmácia para cuidar dele. Coincidiu tudo, mas graças a deus consegui. A oração tem muita força, precisamos é de nos unir no bem e na bondade".

D. Amanda não sabe se foi a fé que a manteve até aos 100 anos, mas sabe que "ajudou muito", até porque a vida "é muito longa e dura" e, por isso, devemos "aproveitar todos os instantes da vida, nesta época tão diferente".

Nestes 100 anos, já viveu "muita coisa diferente, sob o ponto de vista científico, mas sobretudo humano". A cinfanense não tem dúvidas de que, "noutros tempos", havia "mais caridade, entreajuda, se não houvesse dinheiro, havia sempre um carinho a dar". Hoje "há tudo", mas, "às vezes, é preciso alguém que cuide de um doente e não há", lamenta.

As memórias são muitas e a centenária tem muito para nos contar. Fez "o bem", ajudou "muitas pessoas", mas "havia mais coisas a fazer".

E qual o segrego da longevidade D. Amanda? Não sabe, mas "falta de trabalho não é". A resposta é simples: "É trabalhar, mas sem interesses. O pouco chega, já o meu marido dizia: chega sempre. A ajuda aos outros e poucos medicamentos (desculpem os farmacêuticos). E suportar as dores como se puder".

"Sou muito grata a todos os meus amigos"

Gosta "muito" de ler e prefere os livros à televisão, que "só passa guerra e coisas tristes". Não sabe lidar "muito bem com os telemóveis" e gosta de comer "um bocadinho de chocolate" sempre que pode, "faz bem à mente", garante.

A rotina diária começa "muito cedo", por volta das 06h30. O pequeno-almoço é "variável, mas, "geralmente, é um chá de barbas de milho", porque tem problemas renais e "faz bem. Depois como uma coisinha ou outra, mas como pouco. Sinto-me melhor assim", diz a cinfanense.

Já ao fim de semana, "às vezes", vai passear, mas é "cansativo. Só se os filhos nos vierem buscar. D. Amanda passa os dias com a irmã, gosta de ir à igreja e ainda vai a pé.

No decorrer da conversa, chega a filha mais nove que lhe dá um "beijinho na cara", enquanto a mãe a elogia. "Ela tem sido uma grande ajuda. Quando vai trabalhar, um bocadinho antes das 08h00, passa aqui para me ver. E na vinda também passa um bocadinho, mas tem a vida dela. Ser mãe é muito bom. A grande graça que Deus deu à mulher".

D. Amanda tem conversa "para um dia inteiro", mas para já fica o agradecimento a "todos" os que a rodeiam. "Sou muito grata a todos os meus amigos. Façam como eu, olhem para o céu, é daí que vem a força. Temos de nos conformar com a vontade de Deus".

Na despedida, a centenária agradece ao presidente da Câmara Municipal de Cinfães, que esteve presente na celebração dos 100 anos, e ao doutor Serafim.

D. Amanda recebeu a visita do cardeal Américo Aguiar

João Montenegro é um neto "orgulhoso"

Os 100 anos de D. Amanda foram celebrados com toda a família e entre os convidados está o neto, homem , mais velho.

Em conversa com o Jornal A VERDADE, João Montenegro recorda os primeiros dez anos vividos em Cinfães. "Ia com muita regularidade a São Cristóvão, à igreja, e passei lá grande parte da minha infância. Sempre foi uma casa aberta, sempre com muita gente, família, amigos. As recordações que eu tenho são aquelas que também acabam por nos moldar para o resto da vida".

Em casa da avó, e do avô, cultivava-se "muito" o 'dever' de ajudar: "o ajudar um vizinho, um parente, uma pessoa com mais necessidades". Foi o que ali aprendeu e lembra-se, "perfeitamente", de histórias que ouvia. "Algumas delas presenciei. Eles tinham uma farmácia e havia muita gente que ia lá. Tinham as receitas, mas depois não tinham dinheiro para os medicamentos e eles eram solidários".

O neto recorda a avó como uma "guerreira". Uma mulher que, com dez filhos, "se viu praticamente sozinha a ter que tratar do marido, a ter de criar os filhos. Ao mesmo tempo tinha a farmácia, tinha também os terrenos, porque eles sempre foram uma família que se dedicou muito à agricultura".

A todo o lado que vai, pelo concelho de Cinfães, "basta dizer" que é neto da D. Amanda e ouve logo uma história. "São só coisas boas. Acabo por ser um neto orgulhoso, porque a minha avó foi conseguindo dar voz àqueles que não a têm".