Uma profissão com muita procura mas pouca oferta. Ser sapateiro é uma profissão cada vez menos comum e a reforma de António Madureira vem diminuir ainda mais o número de artesãos dedicados à arte da reparação de calçado.
Aos 67 anos, o único sapateiro de Alpendorada, Várzea e Torrão decidiu fechar as portas “por motivos de saúde” e os clientes, apesar de compreensivos, lamentaram a reforma do seu sapateiro. “Alguns clientes choraram quando souberam e toda a gente ficou com pena de saber que ia fechar a loja…diziam-me que não podia fechar porque precisavam de mim. Continuo a ter muito trabalho, mas a idade não pede mais trabalho e como não pede, a gente para”, justifica o proprietário da loja.
Assim, este ano marca o fim da carreira de 57 anos como sapateiro e de uma loja que ,ao longo de 34 anos, serviu toda a região de “Alpendorada, Magrelos, Feira Nova, Vila Boa do Bispo, Torrão e Rio de Moinhos”, enumerou.
E com o encerramento desta loja “estas zonas ficam todas sem sapateiro porque não há muitos mais por aqui. Dizem que há um em Castelo de Paiva, outro no Marco de Canaveses e mais um em Penafiel. São distâncias bastante grandes para as pessoas daqui terem de se deslocar para reparar o calçado”, acrescenta.
Determinado em arranjar uma vocação, António Madureira decidiu, aos dez anos, aprender a ser sapateiro. “Na minha família só podíamos começar a trabalhar a partir dos 14 anos e como saí da escola com dez fui aprender um ofício. Depois aos 14 sabia onde e como trabalhar”, recorda o artesão.
E foi com “essa ideia e vontade” que seguiu o exemplo “do falecido Gaspar, dos Prontos a Vestir Gaspar” e aprendeu um ofício que lhe permitiu abrir a loja onde “fiz a minha vida, toda dentro desta loja, sem apanhar sol”, conta em tom de brincadeira.

As quatro paredes da loja foram onde António Madureira passou anos atrás do balcão “a cuidar de sapatos e a fazer arranjos de malas, casacos, mochilas e tudo o que fosse de arranjar. Aqui fiz de tudo o que era conserto”, salienta.
Ser sapateiro “é uma arte” que se aprende e aprimora com os anos e depois de uma vida dedicada a este ofício “não me arrependo das escolhas que fiz”, diz confiante, mas admite que a loja e os clientes vão deixar saudades “pelo convívio que tinha todos os dias”.
Os 34 anos de portas abertas “passaram-se muito bem, tive sempre muita gente e muito trabalho. Agora é como as pessoas dizem, dá pena ver isto fechar mas não há mais ninguém que se queira dedicar a esta arte”, confessa.
A arte do sapateiro ao longo dos anos
A falta de sapateiros é uma realidade atual mas antigamente a história era outra. “Quando fui aprender a profissão, só em Alpendorada havia sete sapateiros”, revela António Madureira.
O ofício costumava ser “feito todo à mão e fazíamos botas, chinelos, sandálias. O trabalho era mais lento em comparação com os dias de hoje, é tudo à base de máquinas que é mais rápido”. Em retrospectiva, o artesão vê a industrialização deste trabalho como uma das razões pela diminuição de profissionais desta área: “Atualmente uma pessoa faz tanto trabalho sozinha como naquele tempo faziam vários homens. E se calhar as máquinas também ajudaram a que já não fosse preciso haver tantos sapateiros, até porque se tivesse mais um ou dois trabalhadores na loja já não havia serviço para todos”.
A procura pelos serviços de sapateiro têm diminuído, mas António Madureira frisa que mesmo assim “tenho tido muitos clientes. As pessoas costumavam consertar os sapatos mais vezes, fosse tapar um buraco ou outro as pessoas queriam fazer o conserto, mas já não é mais assim”.

Além disso, outro dos motivos para o desaparecimento destas lojas é “o nível de rendimento um pouco baixo que implica muita carga horária, dividida por pequenos consertos baratos”, adianta o sapateiro.
Um jovem interessado em começar um negócio de reparação de calçado também vai ser confrontado com “um investimento inicial bastante elevado para poder montar uma oficina. As máquinas são muito caras e ficam por volta dos 15/20 mil euros. É muito dinheiro e as pessoas não pensam que esse investimento vá compensar”, adicionou.
O cenário do setor é desencorajador e, “no fundo, esta arte está a desaparecer. Precisávamos de gente nova mas não há interessados. E esta é uma profissão importante que faz muita falta”, lamenta o artesão.
Na opinião de António Madureira, “devia ser criada uma formação específica de sapateiro, ouço falar de tantas formações, mas uma para ser sapateiro nunca vi”.
A reforma dá por encerrado este capítulo de uma vida dedicada à arte e ao ofício de sapateiro e António Madureira deixa claro que “os clientes lamentam muito, mas a maior pena de ver a loja fechar vai ser sempre a minha”.