Há dois meses que a Ucrânia e a Rússia estão em conflito. Mães e filhos abandonam o país à procura de melhores condições e, em Portugal, as crianças e jovens têm vindo a adaptar-se às novas escolas e colegas.
No Agrupamento de Escolas de Sande, o acolhimento tem sido preparado ao pormenor e os jovens garantem que "as pessoas são a melhor coisa daqui". Todas as manhãs, no silêncio da biblioteca da EB 2, 3 de Sande, está Yelyzaveta Savchenkova, que veio de Kiev. Aos 18 anos, prestes a terminar o 12.º ano, tem aulas online e, como já trata a língua inglesa por 'tu', é uma grande ajuda na comunicação entre a escola e as restantes crianças. Está a viver cá com a mãe e o irmão de 12 anos, Artem Balan. "Ele gosta de tudo. Joga futebol aqui e também adora a escola", contou Yelyzaveta. "As pessoas são tão simpáticas e amigáveis. Vemos que elas fazem tudo o que podem e aqui é tudo diferente da Ucrânia. É fixe, não esperávamos. Quando chegámos, não foi planeado, apenas pegámos nas coisas e viemos para aqui e esperávamos que fosse pior, na verdade", descreveu ao Jornal A VERDADE, sublinhando que "as pessoas são a melhor coisa daqui".
Artem, Bogdana Lokha, de 14 anos, e Arina Yasinska, de 11, já dizem com entusiasmo algumas palavras em português e receberam o Jornal A VERDADE com um expressivo 'bom dia' em português.. Têm feito alguns amigos e gostam "de passar tempo aqui".
Dividem o tempo entre algumas aulas mais práticas (Educação Física, Educação Visual, entre outras), o Português Língua Não Materna, o Inglês e algumas atividades extracurriculares, como o desporto escolar, a dança, o Clube de Robótica e o Laboratório Mágico, num horário organizado por uma equipa multidisciplinar de apoio à educação exclusiva. "Inicialmente, fizemos uma espécie de entrevista quando eles vieram no primeiro dia e também procurámos perceber quais eram os interesses deles, as disciplinas que gostariam de continuar a frequentar, as atividades extracurriculares que tinham e que gostariam de manter aqui e, consoante isto, adaptámos o horário deles", explicou Rosa Azevedo, subdiretora do Agrupamento de Escolas de Sande.
As suas mães estão a tratar de burocracias relativas a documentos e, em breve, já estarão na procura ativa de emprego. Uma delas "quer ficar cá", mas a filha não; já Arina "gosta de estar aqui e diz que seria ótimo que todos os familiares viessem para cá, uma vez que adora tudo". "É um novo mundo, uma nova vida", afirmou.
Também para este agrupamento de escolas, bem como para tantos outros em todo o país, tem sido uma experiência nova. Além da organização de um dia para o acolhimento destes jovens, foram criadas gravuras com cores para tornar algumas atividades mais fáceis, como pedir no bar o que querem comer, por exemplo. Foi também contratada uma professora para lecionar o Português Língua Não Materna, Diana Gomes. "Está a correr muito bem e estão muito bem integrados e nota-se que estão felizes", disse, acrescentando que, nos meninos do segundo e terceiro ciclo, "nota-se grande empenho e que estão a gostar e têm uma necessidade urgente de aprender o Português, dada a necessidade de comunicarem uns com os outros e para se desenrascarem lá fora, no mundo real".
A comunicação com as famílias está "a ser muito difícil por causa da barreira da língua". Contudo, a escola conta com a ajuda de "duas interlocutoras que são duas ucranianas que já vivem em Portugal há mais de 10 anos. Têm sido uma grande ponte porque são elas que as levam à Segurança Social, ao Centro de Emprego, têm sido uma grande ajuda. Acho que, se não fossem elas, ia ser muito difícil esta ponte", lembrou Graça Magalhães, assistente social do Gabinete de Apoio ao Aluno. "A escola procurou acolhê-los da melhor forma, de maneira a que se sentissem o menos constrangidos possíveis, confortáveis, dentro daquilo que é possível", afirmou a diretora do agrupamento, Manuela Ferreira.
Além destes quatro alunos, estão também duas alunas universitárias a ter aulas online na biblioteca desta escola. "Notámos logo que são miúdos muito queridos, empáticos, iam sorrindo logo, tentando dizer o nome, muito atentos, a perceber o que se estava a passar, aquilo que ia sendo dito", recordou, observando que estes jovens estão "muito ávidos de aprender e motivados para isso".
Quanto aos alunos que já frequentavam este agrupamento, utilizam o Google Tradutor para uma boa parte das conversas e estão "preocupados, muito recetivos, solidários, estão sempre com eles, que acabam por ser uma fonte de interesse. É enriquecedor esta forma de os miúdos aprenderem a ser solidários, preocupados e cuidadores dos outros, que é uma coisa que vai faltando na sociedade", continuou, constatando que "a adaptação vai acontecendo". "O fundamental aqui é mesmo integrá-los e ajudá-los a aprender a língua, isso é que é a prioridade. O resto virá com o tempo. Estamos atentos aos sinais e, se alguma coisa for necessária da escola, estaremos cá para ajudar", conclui a diretora.
Yelyzaveta destacou que estão "mesmo felizes" pela recetividade que têm recebido e alerta para as "fake news" que possam surgir sobre este conflito, apelando a que "verifiquem tudo e perguntem às pessoas que podem realmente saber" sobre o assunto.