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A ciência levou Flávia Sousa além fronteiras, mas a vontade é "voltar e fazer boa ciência em Portugal"

Redação

A "paixão por ensinar" já vem desde "muito nova" e a ciência seria o meio para "ajudar o paciente no tratamento e, eventualmente, descobrir alguma cura". Alguns anos e experiências além fronteiras depois, Flávia Sousa não tem dúvidas de que "temos de estar sempre a pensar no futuro".

Até ao 11.º ano manteve-se na terra Natal, mas no ano seguinte decidiu continuar os estudo no Porto, seguindo-se a licenciatura e o mestrado integrado em Ciências Farmacêuticas na CESPU.

No Dia Mundial da Ciência damos-lhe a conhecer Flávia Sousa, uma lousadense de 35 anos, que tem viajado pelo mundo e vive, desde julho deste ano, na Holanda.

Como surgiu a paixão pela investigação e pela área em que estás atualmente?

Desde nova que sempre tive a paixão para ensinar e dizia que queria ser professora. Depois sempre quis seguir Ciências Farmacêuticas para poder ajudar o paciente no tratamento e, eventualmente, descobrir alguma cura. Então esse bichinho sempre existiu. Durante o mestrado comecei a fazer uma investigação a meio tempo e pensei para mim 'gosto mesmo disto e até gostava de ser professora universitária um dia. Eu sei que para ser professora universitária tenho de fazer doutoramento, é obrigatório, então vou tentar'. Assim foi e, durante o percurso do doutoramento, apaixonei-me ainda mais pela ciência.

No ensino secundário os professores viam essa tua paixão e incentivaram-te?

Eu penso que sim. Sempre fui muito boa aluna e os professores mais próximos sempre viram em mim, acho eu, algum futuro. Mas na altura ainda nem pensava nisso.

Nos últimos anos conseguiste seguir o sonho da investigação e além fronteiras. Como começou?

Na altura em que estava a fazer mestrado podíamos fazer Erasmus, mas eu era um bocadinho diferente daquilo que sou hoje e estava fora de questão ficar longe da família. Quando comecei a fazer o doutoramento o meu orientador incentivou-me muito a ir para fora. Aliás, ele dizia que era obrigatório, porque nos fazia crescer muito. E começou aí. A minha primeira experiência internacional foi na Dinamarca, nove meses depois de ter começado o doutoramento. Comecei a perceber como era o mundo de investigação lá fora e a pensar 'eu quero continuar a ter estas experiências'. A nível pessoal, a Dinamarca abriu-me imenso a minha mente, comecei a ver outras maneiras de fazer a investigação e tornei-me uma pessoa mais flexível e menos rígida. A nível profissional foi bom, mas não foi o top, então fiquei com vontade de procurar essa experiência top. Concorri para a bolsa Fullbright, que é muito reconhecida na América e consegui ir para Boston, durante seis meses. É a melhor cidade para se fazer investigação.

Como foi receber a notícia de que tinhas sido selecionada?

Na realidade eu nunca soube o quão importante era aquela bolsa até a ganhar. A minha ideia, era ir para os Estados Unidos, esta bolsa ajudava-me, mas não sabia do impacto em si, até que ganhei e aí percebi. Anualmente, dão muito poucas bolsas, mais ou menos uma por cada área, por exemplo. Tinha colegas a dizer que era uma bolsa muito boa e eu era um bocado ingénua e nem sabia. De facto, Boston abriu-me imensas portas. Bastava dizer que era Fullbright e eles abriam-nos as portas. E era mesmo assim, mesmo ao atravessar a fronteira, quando se entra nos Estados Unidos, e com o visto de entrada, eu bastava dizer que eu era Fullbright e que estava a estudar o tratamento do cancro e eles não faziam mais perguntas.

Como foi a experiência? Tiveste medo na altura?

Na altura eu tinha 28 anos e foi difícil sim, porque eu era mais agarrada à família. Foi a primeira vez que eu fiz uma escala de avião sozinha. Estava com muito receio e lembro-me de pensar 'para onde é que eu vou?'. O meu inglês também não era muito bom para ser honesta, então tinha muito medo. Tive momentos difíceis. Acredito que quem olha para mim vê uma pessoa segura, mas já tive muitos altos e baixos. Há momentos difíceis. Por exemplo, lembro-me de um dos momentos mais difíceis na Dinamarca. Eu tenho herpes ocular no olho e tive de ir para o hospital. Eu não sabia falar inglês e foi assim um momento de um bocado de pânico. Depois em Boston já ia mais confiante, porque já tinha tido a primeira experiência e queria muito ir para as melhores universidades. Mesmo assim foi difícil. Foram seis meses e não eu não consegui vir a casa durante esse tempo. Fui assaltada, fiquei sem passaporte, sem visto, ou seja, mesmo que eu quisesse sair, não podia porque o único momento em que teria de sair, era para voltar para Portugal e aí tinha visto para entrar outra vez. Eu diria que os primeiros quatro meses, quando mudamos de país, são momentos mais sozinhos, temos de construir o nosso grupo de amigos.

Agora olhas para trás e pensas 'ainda bem que eu arrisquei'?

Sem dúvida que sim. Acho que Boston foi o lugar que me deu um impulso. Agora, olhando para trás, reconheço que me abriu algumas portas e pelo trabalho que desenvolvi lá consegui publicar muitos artigos. São frutos que acabam por vir, mas demora o seu tempo claro. Por exemplo, agora estou a escrever, e em caso de sucesso, só para daqui a dois ou três anos, é que este trabalho pode vir a ser financiado, ou seja, muitos dos frutos que colhemos hoje, são fruto do trabalho que fizemos há dois anos. Temos de estar sempre a pensar no futuro.

O que se seguiu a Boston?

Voltei para Portugal para terminar o doutoramento e, quase já no final, estive dois meses na Bélgica. Ganhei outra bolsa para ir aprender novas técnicas. Mas essa experiência foi mais tranquila. Nesses dois meses fiz imensas amizades e que, hoje em dia, acabam por ser o meu network. Tenho muitos amigos e colaboradores dessa altura. Terminei o doutoramento e fui para o meu primeiro estudos pós doutoral, para continuar na carreira científica. Foi no Imperial College London, uma das melhores universidades a nível mundial. Candidataram-se 700 pessoas e eu consegui entrar. Não acreditava que tinha conseguido. Fui com medo, porque estar longe de casa sempre me custou muito e, dessa vez, eu não sabia a data de regresso. Emocionalmente fez a diferença. Mas fui pela oportunidade que era muito boa. Era para trabalhar num grupo com uma professora de renome internacional. Entretanto, apareceu a COVID-19 e, meio ano depois, decidi regressar a Portugal, estava a ser muito difícil. Nesta carreira académica a vida é muito competitiva e repensamos muito se somos boas o suficiente para termos um grupo de investigação, se estamos num bom caminho. E é normal duvidarmos se estamos num bom caminho ou não. A pandemia fez-me voltar a repensar a minha vida. O trabalho era nas melhores universidades do mundo, mas o grupo queria que eu mudasse a minha área de investigação e pensei que, talvez, a academia não fosse para mim. Sempre tive o sonho de fazer uma investigação muito direcionada para o paciente. felizmente, encontrei em Portugal uma empresa, concorri à posição e fiquei. Só que eu tinha-me candidatado a um outro projeto, também de renome internacional. Aí pensei "isto é um sinal que a vida me está a dar para não desistir da ciência'. Era em Itália. Fui e correu muito bem profissionalmente. Na altura, eu estava a dar aulas na CESPU e foi um pouco desgastante, mas lá consegui.

Entretanto, concorri a uma outra bolsa na Suíça, que só davam uma para dois anos. Candidatei-me e consegui. Foram 250 mil euros para dois anos. Estive lá dois anos, adorei, cresci imenso, tive uma experiência profissional espetacular. Fiz um grupo de amigos e isso é o mais importante, as pessoas que estão à tua volta. Foi o país que mais gostei. Tinha muitos amigos, havia muitos portugueses, então senti-me literalmente em casa. É um país lindíssimo, organizado e limpo. Fo que eu gostei mais sem dúvida. Só que não tinha nenhuma posição para professora para eu concorrer. No grupo onde eu estava, as professoras partilharam comigo uma posição na Holanda e candidatei-me. Também a consegui e disseram-me que no prazo de cinco anos tinha de ter o meu próprio grupo de investigação. Aceitei, mas foi uma mudança mais resistente, nem tudo é fácil. Estava farta de mudar de país, mas era o meu emprego de sonho e pelo qual tinha trabalhado.

Em julho deste ano foste para a Holanda? Como foi esta nova mudança?

Estou a gostar. Agora tenho o meu próprio grupo de investigação e estou a vê-lo a crescer. Já concorri a alguns projetos, as coisas estão a fluir bem. E pronto, o que vai acontecer a seguir não sei, mas é verdade que as mudanças são complicadas. Os holandeses são muito simpáticos, mas é mais difícil de fazer amizades. Convidam-te, são simpáticos, mas há um certo distanciamento.

Sentes que as mudanças de país valem a pena?

Em termos profissionais sim, porque aos 35 anos consegui alcançar algo que queria. Ainda sou nova para ser professora e ter o meu grupo de investigação. Ao nível de financiamento de investigação já consegui, em vários países, um milhão de euros e é muito bom confiarem na minha investigação. Isso sim vale a pena. Vejo que as coisas estão a andar bem e tenho muito reconhecimento internacional. Pessoalmente, tento aproveitar sempre algo de cada país. Trabalho muito, é certo, mas tenho a minha vida e também me divirto. Há tempo para tudo.

Tiveste de estabelecer prioridades para seguir o teu sonho profissional?

Acho que é possível haver um equilíbrio entre tudo na nossa vida. Eu não deixei a minha vida pessoal e não deixei de me priorizar por causa do trabalho. Viajo muito, tenho experiências espetaculares, criei grupos de amigos espetaculares. Eu não tenho filhos e não sou casada, então nesse aspeto pode ser um bocadinho mais desafiante manter tudo. Para mudar de país, tendo família, não iria ser fácil. Temos de ter um parceiro ao nosso lado que nos apoie a 100%, que compreenda e é necessário que estejam os dois a batalhar para o mesmo lado. No meu caso, sempre aproveitei tudo o que podia e tenho uma vida muito ativa. Quando fui para os Estados Unidos, por exemplo, via os jogos do NBA, futebol americano. acho fundamental ter experiências diferentes fora do contexto profissional. Até porque para sermos bons profissionais, temos de estar bem mentalmente.

Nos vários países onde estiveste, como é que os portugueses são vistos, enquanto investigadores?

Acho que olham de uma forma muito positiva. Em todos eles nunca senti preconceito por ser portuguesa. Os americanos, por exemplo, são muito mente aberta, aliás, acho que fiquei até com essa mentalidade.

É bom representar Portugal?

Sim, sem dúvida. Mas quero voltar a Portugal daqui a alguns anos. Eu aproveito sempre as oportunidades, luto por elas, nada me cai do céu. Quando quiser voltar para Portugal, vou ter de procurar uma outra oportunidade. A vida mostrou-me que, às vezes, temos de seguir o fluxo do rio e ver onde é que ele vai. Já aprendi que não vale a pena remar contra a maré. Se as coisas não resultam por ali, é abandonar. Mais tarde ou mais cedo, a vida acaba por nos presentear.

Como será o futuro?

Tenho cada vez mais saudades de Portugal, de Lousada e gostava de voltar, mas não sei o que vai acontecer. A minha ideia também sempre foi ir para fora para fazer um bom currículo, para depois implementar tudo o que eu aprendi fora em Portugal. Quero fazer boa ciência em Portugal. Já se faz, atenção, mas quero levar novas técnicas e tornar Portugal ainda mais conhecido lá fora.