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Opinião
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Opinião: Eleições de Digestão Difícil

As eleições de 18 de maio mudaram por completo o panorama político português. Mais do que a vitória da AD – Coligação PSD/CDS, foi o retumbante resultado do Chega que abanou os fundamentos do nosso sistema político.

Redação

Quando o jornal chegar à mão dos leitores, provavelmente já serão conhecidos os resultados dos círculos da emigração e deverá estar confirmado o Chega como segundo partido com mais votos e deputados. Pela primeira vez em democracia, os dois partidos mais votados não serão o PSD e o PS, que deixam também de assegurar, por si só, o consenso constitucional e os dois terços indispensáveis para certas reformas e nomeações.

Como chegámos aqui? As razões são múltiplas e merecem ser bem estudadas. Se olharmos para o mapa eleitoral saído das eleições, vemos que não há um padrão único. O Chega cresce em praticamente todo o país e ganha em 60 municípios, mas isso tanto sucede na industrial Marinha Grande como na piscatória Nazaré, em Sintra ou em Sesimbra, em Beja ou em Barrancos, em terras marcadas por turismo e imigração tão diversos como Odemira ou Loulé. 

No Chega reúne-se, sem dúvida, a vontade de mudança, os receios com a imigração, o protesto pelas dificuldades da vida, pela ausência de soluções para os problemas sentidos no dia a dia, seja com as condições remuneratórias, a insuficiente resposta dos serviços públicos ou a falta de habitação a preços comportáveis. Mas o Chega também sabe tirar partido da sociedade digital em que vivemos, na qual deixou de ser prioritária a procura do conhecimento, a avaliação crítica e rigorosa, a comparação de fontes, a discussão fundamentada de propostas. Tudo isso deixou de ter espaço na torrente polarizada das redes sociais, com consequências para a forma como (não) avaliamos com discernimento, como muitas opções são determinadas por correntes e algoritmos, como só vemos aquilo que queremos ver, mesmo que seja mentira.

Estou convicto que se a maioria dos eleitores do Chega lesse com atenção as propostas do partido, designadamente no domínio dos direitos, liberdades e garantias, ou analisasse as promessas com impacto orçamental na despesa superior a 20 mil milhões de euros, tomaria consciência de que tinha depositado mal o seu voto. E já não falo dos atropelos e crimes praticados por muitos dos seus eleitos, coisa que aparentemente nem sequer penalizou o Chega. O que não sucederia se o mesmo tivesse ocorrido com outros partidos!

A AD cresceu de forma moderada – é evidente que o caso “Spinumviva” provocou estragos na imagem e na credibilidade de Luís Montenegro perante os portugueses – mas os resultados obtidos vão permitir-lhe governar com estabilidade durante um período razoável. O primeiro-ministro deve aproveitar para reforçar politicamente o governo nas pastas mais críticas e sabe antecipadamente que a moção de rejeição do programa do governo já anunciada pelo PCP não será aprovada. O país precisa que o próximo executivo se concentre nas tarefas que tem pela frente, num contexto internacional desafiante e com os fundos do PRR e do Portugal 2030 a exigirem foco e determinação.

O PS teve uma pesada derrota. Só Almeida Santos e Vítor Constâncio, em 1985 e 1987, tinham alcançado piores resultados. Pedro Nuno Santos avaliou mal a resposta a dar à moção de confiança apresentada pelo Governo. Teria sido mais apropriado aceitar o prazo da Comissão Parlamentar de Inquérito proposto pelo primeiro-ministro, abster-se na moção de confiança e aprofundar a investigação às várias ramificações da “Spinumviva”. Pelo contrário, o líder cessante do PS caiu no engodo das eleições, fez uma campanha centrada num núcleo reduzido de protagonistas e cedo se percebeu que não ia conseguir fazer valer as suas propostas.

Tudo indica que José Luís Carneiro será o próximo secretário-geral. É o nome mais bem colocado neste momento para relançar o PS, num momento difícil para os partidos socialistas e sociais-democratas – só em seis países europeus a direita não supera 50% dos votos!

José Luís Carneiro já anunciou que estará disponível para acolher todas as sensibilidades socialistas. Além de toda a experiência que traz consigo, tem a vantagem de ser oriundo de um meio pequeno e de conhecer as dificuldades próprias dos mais simples. Habituou-se a encontrar respostas para os que mais precisam.

Confirmando-se a sua eleição, Carneiro terá pela frente vários desafios: unir e mobilizar o PS para as próximas autárquicas, reflectir profundamente sobre as causas para o declínio socialista, captar a atenção das largas centenas de milhares de eleitores perdidos desde 2022 e lançar as bases que permitam atrair estratos demográficos e profissionais que se têm afastado do PS.

O próximo líder socialista deve também ser um factor de estabilidade e confiança para o país, disponibilizando-se para que matérias como a revisão constitucional, a política europeia, de defesa ou de segurança interna, por exemplo, possam continuar a ser alvo de consenso entre os partidos moderados do nosso sistema.