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Lousada
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"Ainda vão dar valor": o bordado pelos olhos da D.ª Laura Coelho de Lousada

Esta quarta-feira, 30 de julho, assinala-se o Dia Mundial do Bordado. Para assinalar a data, ouvimos quem tem agulha e linha no coração: Laura Meira Coelho, 72 anos, de Macieira, Lousada, que carrega nas mãos décadas de uma arte que, diz, está em risco de desaparecer.

Redação

Uma vida bordada desde criança

O gosto pelos bordados nasceu cedo, ainda em criança, e apesar de ter trabalhado noutra arte, nunca deixou de bordar.

“Quem me incutiu o gosto foi uma tia que me criou, pois, fiquei sem mãe aos 3 anos. A minha mãe também bordava, mas acabou por ser a minha tia a ensinar-me”, conta.

“Gosto muito” — mas não dá para viver disso

Bordar é paixão, mas não sustento. “Gosto muito, gosto muito, agora, pronto, é a tal coisa... Trabalhei noutra arte, porque com o valor que ganhamos dos bordados não dá para se comer”, explica.

Foi das primeiras mulheres em Lousada a ir trabalhar para uma fábrica, no seu caso, de calçado. “Antigamente, ninguém trabalhava em fábricas: os nossos avós, a minha mãe e as minhas tias [...] Mas, a verdade é uma, o bordado não dava nada a nível de ganhos”, reforça.

As novas gerações não querem aprender

Tem dois filhos e quatro netos, mas nenhum quis seguir-lhe os pontos. “Não, eles não quiseram aprender”, lamenta.
Sobre o grau de dificuldade, é direta: “Não é muito difícil, mas, pronto, como já disse, é uma coisa que não dá retorno financeiro”.

E deixa a constatação: “As pessoas de idade estão a acabar... os novos não querem aprender”. Por isso, diz temer pelo futuro do seu ofício. 

O dia a dia de uma bordadeira

A arte está nos dedos — e nas memórias. “Faço de tudo, desde toalhas de batizado, panos de cozinha, jogos de quarto, jogos de cama, toalhas de altar, cortinados…”

Aprender teve o seu custo: “Para aprender, a minha falecida tia tinha uma técnica... Ora, como temos de trabalhar com dedal, senão não conseguimos trabalhar em termos. [...] Ela amarrava-me uma linha e vergava-me o dedo para eu ter o dedo vergado para ir lá com o dedal e picar". "Piquei-me muitas vezes, ainda agora me pico a cada passo…”, disse entre gargalhadas. 

“As pessoas gostam, mas já não têm tempo”

Para Dona Laura, a queda no uso das peças bordadas tem explicação: “As pessoas gostam, mas deixaram de usar porque os bordados, apesar de não serem assim uma coisa muito cara, dão trabalho", e explicou: "É preciso lavá-los, é preciso passá-los ao ferro e hoje em dia as pessoas não têm tempo para se dedicar a este trabalho”.

O orgulho e a realidade

Mesmo assim, quando termina uma peça, sente um orgulho imenso. “Gosto muito, muito mesmo do que faço e sinto orgulho em cada trabalho", partilha, frisando: "Mesmo as coisas mais antigas... eu preparo daquelas colchas antigas com rendas, daquelas de linho também, do tempo das nossas avós.”

Já o tempo de execução, esse varia: “Há peças que, por exemplo, se tiver um raminho pequenino, em hora e meia ou duas horas, fazem-se. Mas, se for um raminho grande, demoro três e quatro horas, às vezes um dia ou mais.”

Recentemente, entregou uma toalha de batizado: “Foram precisos dois dias para a fazer. Para a senhora que me fez a renda foram 10 euros, para a que me fez as bainhas foram 15. Depois, para bordar, lavar e passar a ferro, levei pelo serviço 55 euros”.

Feiras que já não se fazem

Participou em feiras, mas “as feiras acabaram”. Em Lousada, diz, “já há uns poucos anos que não a fazem”.

Uma arte que se vai apagando

Laura borda menos agora: “Infelizmente, como começo a ver cada vez mais mal, a maior parte das peças não sou só eu a fazer, pois, tenho feitoreiras". "Já foram mais, mas agora tenho apenas duas bordadeiras”, elenca.
Essas ajudantes, “também já são da minha idade”.

Apesar das dificuldades, se alguém quiser aprender, a lousadense esclarece: “Já não sou a mesma devido aos meus problemas de visão, mas ainda ensinava sempre alguma coisa.”

E acredita que aprender é possível: “Sim, claro, todos conseguimos. Basta dedicar. Hoje em dia, só não aprendemos a fazer qualquer coisa se não quisermos.”

“Vai acabar…”

Com pesar, admite: “Morrer não digo, mas esta arte está a diminuir… e creio que ainda lhe vão dar muito valor.”
E é clara na justificação: “Não se tira um ordenado, dão-se 'muitos pontos' e não se tira um ordenado”.