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Paredes
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Nuno Gonçalves: "O sistema educativo não dá respostas às necessidades dos alunos"

Com mais de 40 anos de experiência no ensino e aprendizagens vividas nos quatro quantos do mundo, Nuno Gonçalves tem hoje uma bagagem que lhe permite olhar para a vida através de uma perspetiva diferente, sem esquecer a terra Natal, Lordelo, que lhe deu “segurança” para explorar o mundo.

Redação

“Apesar de ter alguns desafios, Lordelo era um sítio seguro que me permitiu explorar e olhar para o mundo com segurança, porque sabia que podia voltar ao ‘ninho’. Permitiu-me ter asas bem grandes para explorar o mundo e ser um cidadão do mundo”, confessa.

Foi esta forma de pensar e de estar na vida, que o levou a atravessar fronteiras físicas e emocionais na procura de um ensino mais significativo, mais humano e mais adaptado às verdadeiras necessidades dos alunos, sempre com base no “fascínio pela compreensão da vida”. A formação na música, que levou aos Açores, foi apenas o ponto de partida para dar resposta à vontade de “explorar lugares mais distantes”. Em 2010 foi convidado a lecionar na escola portuguesa de Timor-Leste, onde encontrou alunos “muito motivados, que viam a escola como algo fascinante. Era uma realidade completamente diferente daquela a que estava habituado. Timor-Leste tinha acabado de sair de uma ocupação militar”.

Foi aí que se sentiu, “novamente, um professor pela causa”. Ao contrário do que sentia em Portugal, onde o sistema o fazia sentir-se cada vez mais desmotivado, em Timor-Leste o impacto do professor era evidente, sentido não só nas salas de aula como nas famílias e comunidades. “O sentimento era geral, sentíamos que fazíamos a diferença e que a nossa profissão era extremamente valorizada”, recorda.

Foi, também, na Ásia que começou a “despertar” para a meditação, o yoga e o budismo - uma espiritualidade que hoje integra naturalmente na prática pedagógica.  O regresso a Portugal deu-se com o nascimento do filho Santiago, em 2016, que o levou “a ter outros objetivos de vida, mais focados na família” e à decisão de continuar a estudar, mas com foco na intervenção psicossocial.

O sistema educativo português na visão de Nuno Gonçalves

Em Cabo Verde desde 2020, onde integra o projeto da Escola Portuguesa, Nuno considera que, “comparando com outros sistemas educativos, a escola portuguesa se destaca pelas condições e pela qualidade que proporciona, nomeadamente pelo corpo docente. Os projetos da escola portuguesa nos PALOP são muito cobiçados”, garante.

E como é que olha para a educação em Portugal? O paredense é claro: “O nosso sistema é altamente evoluído”, mas “ainda tem muito caminho para evoluir”, uma vez que ainda está “muito centrado no professor, no conteúdo, na avaliação rigorosa, numa perspectiva capitalista e prepara o aluno, não para a realidade, mas para um contexto com limitação na criatividade”.

Uma linha de ensino que, para Nuno Gonçalves, “não dá respostas à necessidade dos alunos, ou seja, não está adequada ao perfil que o aluno apresenta hoje. Estamos perante um sistema totalmente desadequado e que não serve os verdadeiros interesses do desenvolvimento do aluno. Portanto, pedagogicamente ainda há bastante trabalho a desenvolver”.

O professor reconhece que o processo “é lento” e que, em 40 anos, “nada mudou” no sistema que continua com “professores a debitar matéria, horários rígidos e uma criatividade limitada. Não evoluiu nada e está errado, porque a sociedade está a mudar com uma velocidade incrível e a educação não está a acompanhar este processo de transformação”.

Trata-se de um sistema que conduz à “desmotivação” dos alunos e ao “esgotamento” dos professores, “reflexo do sistema educativo que já não faz sentido e que apenas satisfaz o interesse capitalista, de preparar os alunos para o mundo de trabalho e não para o mundo económico, empresarial e criativo e livre”.

"O rumo prepara-se com antecedência”

Hoje, enquanto avança com um doutoramento em educação, Nuno não esconde o desejo de continuar a contribuir para um sistema mais justo, mais cuidado e alinhado com o perfil real dos alunos. 

Paralelamente, desenvolve com a família um projeto de centro de yoga e meditação, que pode evoluir para um albergue de peregrinos. Um projeto que “já está a acontecer” e que deverá estar concluído “daqui a três ou quatro anos”.

A vida de Nuno é uma prova de que educar vai muito além de transmitir conhecimento. A educação, tal como a vida, não se faz à pressa. “Temos de plantar, cuidar da semente até dar frutos. Há um ritmo natural das coisas e quando aplicamos esse ritmo na nossa vida, as coisas acontecem. Essa fórmula tem sido um sucesso na minha vida e vou mantê-la”, garante.

Com um percurso de vida dedicado a ensinar os outros, o paredense termina com uma lição que a vida lhe deu: “Se não estivermos a conduzir o nosso carro ele, eventualmente, vai bater, portanto é melhor sermos nós o condutor das nossas vidas. Se não formos alguém o será. E, não se esqueçam, o rumo prepara-se com antecedência”.